Nova Petrolândia - Yara Mourão

 




Nova Petrolândia

Yara Mourão

 

Construção de personagem

 

Alzira já tinha dois meninos correndo pela casa e um na barriga que a cada dia ficava maior. Ela também tinha essa agitação, pois trabalhava do nascer do sol ao fim do dia auxiliando o marido Nestor. Ele, pescador a vida toda, trazia quilos de peixe para Alzira limpar todos os dias. Ela já tinha muita prática; era rápida, um olho nos peixes, outro nos meninos. Cantarolava canções de mar, de ninar, se adoçava ao ver tudo feito, limpo, posto no gelo para vender à beira do rio. Aos clientes, mãos turistas, sempre tinha um sorriso de quem gosta do que faz. Amava sua casinha às margens do grande rio. Conhecia bem os ruídos das águas, sua cor, sua correnteza. Para Alzira ali era sua terra, suas águas, seu lugar de ser. Entretanto, aquele dia nasceu diferente.

 

NOVA PETROLÂNDIA

 

No meio daquela tarde, Alzira pegou o caminho de terra batida e foi a pé até a beira da estrada. Parou, olhando calmamente para um lado e outro. Viu o rasgo cinzento do asfalto cortando impiedoso o chão barrento; viu a desolação das margens vazias de casas, de plantas, dos bichos que conhecia. E pensou nas águas que viriam até quase à beira desse caminho inóspito, afogando toda uma vida de construção e luta.

 

Ela andou mais um pouco, sacudindo a cabeça para limpar os pensamentos. Chegou junto a um casebre na beira da estrada. Um casebre, pensou, pode ser outra coisa. Imaginou ali uma casa, com uma cama grande para os meninos, um fogão para ela, uma mesa na porta para dar de comer a quem passasse… Alzira não esperou nem seu sonho terminar. Entrou. Falou das águas que viriam; disse que sabia fazer comida boa, que os meninos tinham de crescer e aprender a trabalhar.

 

Acertaram um combinado: cada um dava o que tinha. Alzira acertou a data para chegar com tudo e todos. Nestor carregou nos braços os pertences poucos, ouvindo e seguindo a mulher. Ele se animou quando ela disse que o mundo podia acabar em água ou em fogo, e que sendo em água era melhor, dava pra secar; se fosse em fogo tudo seria consumido.

 

Assim, viram chegar a enchente cobrindo seu lugar, sua terra, sua plantação. Viram o chão sumir e as águas tomarem o lugar de tudo, cobrindo as casas, a igreja, as árvores.

 

Alzira suspirou da janela de seu pequeno restaurante; mas logo voltou à cozinha, aos peixes, às panelas, que já era hora de servir aos viajantes que passavam. Era bom, pensou, ver tanta gente seguindo a estrada para o resto do mundo.

 

Um dia, quem sabe, teria que ir também.  Mas ela seria como a água, que cabe em qualquer vaso, e se amolda ao seu leito, enquanto é rio, mas que se extravasa pelo mundo, enquanto é mar.

 

 

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