De música e cores
Ises
A. Abrahamsohn.
Leonora
se espantava com aquele filho. Desde os
18 meses de idade era um experimentador de sons. Batia com a mão nos objetos e
parecia deliciar-se com o som de uma colher em uma lata vazia, ou em um bloco
de madeira ou ao bater o chocalho num copo de vidro. Acho que vai ser músico,
pensava a mãe. Agora com cinco anos seus brinquedos favoritos eram instrumentos
musicais. Para desespero dos irmãos alternava entre tambores, latas, dois
velhos apitos e uma clarineta de brinquedo. Verdadeira tempestade sonora varria
a casa. A cacofonia infiltrava-se por baixo das portas fechadas deixando todos
na casa irritados. O potencial músico
chamava-se Sérgio.
Ele
parecia não perceber a comoção que causava. Dizia que precisava testar as cores
dos sons. Ninguém entendia muito bem o que queria dizer. Os pais o levaram a
uma escola de iniciação musical. A ideia era que lá ele pudesse dar vazão à sua
curiosidade musical e praticar à vontade longe de casa. O menino ficou
encantado. Fez questão de levar seu caderno de desenho e lápis de cor. A mãe
não entendia a razão. E ele explicou.
─
Há sons que são azuis, outros amarelos e outros vermelhos ou roxos. Por isso eu
preciso testar os sons . A mãe achou muito estranho e falou com a professora de
música que ficou entusiasmada.
─
Talvez ele realmente consiga ver cores ao ouvir sons. Se for verdade, é um dom
maravilhoso. Grandes músicos como Scriabin e Schönberg tinham essa capacidade.
E pintores como Kandinsky também. São sinestésicos. Eu não sei se seu filho vai
ser músico. Com o tempo veremos.
Sérgio
foi crescendo e continuou a produzir sons. Sons associados a cores. Ganhou um
violão aos oito anos, mas esse só dedilhava em casa. Na verdade, o que o
entusiasmava era a bateria. A mãe do menino conseguiu inscreve-lo no projeto
Guri. Lá ele poderia aprender a tocar
bateria. E Sérgio era rápido no aprendizado. Era uma aula um tanto estranha.
Quando o professor corrigia algum toque ou andamento errados Sérgio retrucava:
─
Certo, professor, aqui eu preciso um verde e no terceiro compasso preciso mais
vermelho. Por sorte o mestre tinha a mente muito aberta e sabia que o rapaz
tinha a tal sinestesia para cores.
Sérgio
cresceu e devia agora completar seus estudos na escola de música. Prestou o
exame e foi muito bem. O problema surgiu na aula do professor de harmonia,
Eurípedes. O professor pediu para o rapaz marcar os acordes das escalas na
partitura. Tarefa feita, Eurípedes olhou espantado aquela folha marcada por um
arco-íris de cores. Do violeta escuro passando pelo azul, vermelho, verde até o
amarelo claro e cinza. Achou que Sérgio estava se divertindo às suas custas e
bagunçando a aula. Ao ser repreendido, explicou que era pelas cores e suas
nuances que enxergava os sons. O professor respondeu que sim, conhecia sinestesia,
mas nunca tinha visto coisa igual. De qualquer modo Sérgio teria que se adaptar
à notação musical padrão. Os colegas ficaram espantados. Alguns com inveja,
outros achavam que ele era um gozador e mentiroso e uns dois apenas admiraram a
sua capacidade. Entre eles, Renata que tocava saxofone e aparecia de vez em
quando para tocar com os bateristas. Todos os rapazes queriam namorar a bela Renata.
Ela, porém, não queria saber de nenhum. Até que escutou de um dos colegas a
história das cores e sons acontecida com Sérgio. Depois da aula ela esperou o
rapaz.
─
Ouvi que você ouve sons que têm cores. É verdade?
Ao
ouvir a resposta afirmativa a garota ficou entusiasmada.
─
Queria lhe dizer, que sei exatamente o que você sente. Comigo acontece o mesmo.
Já tentei explicar melhor para as pessoas, mas todas acham muito exótico ou que
estou inventando. Mas aqui na escola de música gente como nós precisa se
adaptar ao método clássico de ensino. Na verdade, o que importa é aprender a
tocar bem.
Começaram
a namorar. A conversa dos dois músicos soava muito estranha para outros
ouvidos. Assim como:
─
Aquele acorde azul de sol com sétima maior
poderia soar vermelho se a gente substituísse por um acorde de sol com
baixo em si, não acha?
Sérgio
embevecido deu-lhe um beijo carinhoso, um beijo musical com todas as cores do
arco-íris.
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