A máscara da homem aranha.
Ises A. Abrahamsohn
Lúcia não via a hora
de voltar às aulas presenciais. Era professora por vocação. Amava ver aquelas
crianças, suas crianças, progredirem a cada dia. Nos meses anteriores a
situação tinha melhorado, mas os alunos vinham a intervalos e muitos pais nem
levavam os filhos. Difícil acompanhar o aproveitamento dos alunos.
Enfim naquela segunda feira a escola
voltaria a funcionar normalmente. Ou quase, porque os alunos ainda deveriam vir
com máscaras para proteção de si mesmos e dos colegas e professores.
Eram 25 na classe do
quarto ano do fundamental. Ao fazer a chamada, Lúcia verificou que ali estavam
todos menos um. Repetiu o nome:
—
Roberto, Roberto.... Agora lembro... Garoto inteligente, mas metido a valentão....
Vou ver após a aula.
Olhou aqueles olhos cheios de
expectativas, por cima das máscaras. Máscaras de todo tipo e cor. A maioria de
confecção caseira, coloridas, algumas com figuras de super-heróis. Impressionante com os pequenos se adaptam
... E entendem que é importante. Há 2 anos se alguém me descrevesse um cenário
semelhante eu teria dito que era ficção científica!
Depois da aula, Lucia
foi saber na diretoria o que tinha acontecido com Roberto. Voltou a se lembrar do
menino. Era o garoto que adorava o homem aranha. Antes da pandemia, durante o
recreio, colocava uma máscara do herói e se exibia escalando o muro e as
árvores do pátio da escola.
A diretora iria ligar
para a casa do aluno. Mais tarde, Lúcia olhou a mensagem no celular: ─ Pai do menino não quer que
ele use máscara. Virá amanhã à escola. Problemas à vista. Vamos nos preparar.
No dia seguinte,
Lucia se deparou com Roberto e o pai à porta da escola. O garoto murmurou um
“bom dia fessora” tímido ao lado do pai que mais parecia um boxeador prestes a
entrar no rinque. Nem deu bom dia e vociferou:
— Meu filho não vai usar essa p.... dessa
máscara. Não serve para nós. E vocês vão ter que engolir ele assim mesmo. Nós,
na nossa família, não caímos nessas bobagens de vacina e máscara pra cá e pra
lá. É coisa de maricas. Desse governador metido a besta!
Lúcia, boquiaberta decidiu não retrucar
ao boquirroto. Olhou o menino que, meio encolhido atrás do pai, arrumou coragem
para dizer:
— Mas pai, eu quero vir pra escola. Não
aguento mais ficar em casa. Não vou conseguir passar de ano.
— Com máscara não vem, pirralho! Pode
esquecer!
Lúcia olhou diretamente para o menino,
ignorando o truculento:
— Roberto, você é a pessoa mais importante
aqui. Pode vir como quiser. Nós daremos um jeito.
O homem pareceu
decepcionado por Lúcia não ter retrucado. Estava ansioso por um confronto.
Virou-lhe as costas e saiu pelo corredor puxando o filho.
No dia seguinte,
Lúcia se perguntou se Roberto afinal viria ou não. Foi o último a chegar e,
felizmente, veio trazido pela mãe. Ambos sem máscara. Lúcia, nervosa, esperando
uma possível agressão ignorou-a e fez sinal para o garoto entrar. Fechou a
porta com firmeza e entregou ao menino uma linda máscara novinha estampada com o
homem aranha.
—
É um trato entre nós, Roberto. Você vai ganhar duas. Você coloca ao entrar e
devolve no fim das aulas. Eu cuido de lavar a máscara. Mas lembre-se, isso é um
trato apenas entre nós. Assim você poderá voltar para a escola, encontrar seus
colegas e continuar a estudar.
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