O GOLPE DO BAÚ - Antonia Marchesin Gonçalves

 

                  


O GOLPE DO BAÚ

Antonia Marchesin Gonçalves

 

        Marina, filha de um grande industrial foi preparada, como filha única, a se tornar a herdeira de todo o patrimônio familiar. Na faculdade em Harvard, onde o avô e o pai também estudaram, ela conheceu um rapaz, que não vinha de tão nobre estirpe. Com total afinidade, ele muito simpático, educado e demonstrando estar apaixonado, e ela se apaixonou cegamente. Ela sabia que os pais não concordariam nesse namoro.

        O seu amado Claudio altamente capaz e inteligente propôs que juntos arquitetassem o plano dele ser contratado na empresa como executivo Junior até se formar. Ele soube aproveitar totalmente a oportunidade se tornando logo valorizado. Ao se formar ele foi promovido ao cargo de diretor, e assim a família aceitou o casamento. Felizes, depois de casados, Claudio começou a mudar.    Viviam em um belo apartamento em frente ao Central Park, ele cada vez mais conquistando seu lugar na empresa, mas se tornando um marido ausente, grosseiro e desinteressado por ela. A verdade foi caindo,  sofrida percebeu que ele havia se casado por total interesse.

        Claudio queria ter filhos, dizia que isso iria preencher o seu tempo e o deixaria em paz, mas ela já desconfiada respondia que não estava preparada para ser mãe ainda. Resolveu freqüentar diariamente a empresa. O avô fazia parte do conselho diretor e seu pai presidente,  confiavam plenamente no genro, não se tornando tão presente. Com calma ela contratou dois funcionários que se reportavam diretamente a ela de total confiança, sendo criticada pelo marido. A partir daí o relacionamento foi se deteriorando e começaram as brigas que culminou em separação de quartos. A medida que Marina se aprofundava na contabilidade da empresa foi percebendo que as contas não batiam, ela alertou o pai e esse lhe disse que eram investimentos que Claudio fazia pela empresa.

        Ao mesmo tempo ela começou a sentir problemas e saúde, principalmente digestivos, tudo que comia fazia mal. Foi ao médico de família que diagnosticou como stress, e recomendou férias. Certo dia ao chegar mais cedo na empresa encontrou a secretaria de Claudio na sua sala mexendo em seu bar, principalmente na garrafa térmica do seu café que ao chegar sempre tomava. Perguntada o que fazia, Alice meio embaraçada pelo imprevisto, disse-lhe que havia tomado o café que o da sua sala ainda não chegara e saiu rapidinho. Desde que Claudio tornou-se diretor contratou Alice como sua primeira secretaria, e Marina nunca deu muita importância, apesar de ser uma moça bonita, com olhar astuto.

        Esse episódio, a deixou-a alerta, decidiu contratar uma investigadora, para saber da vida dela, nesse meio tempo avisou o marido que queria o divórcio. Como ela esperava, ele se negou terminantemente, disse que jamais daria. Ela, por total instinto decidiu mandar sua investigadora analisar o café, horas depois o resultado, o café continha resíduos de certa dose pequena de veneno, que administrado durante um período a mataria. Sua investigadora Ana ao trazer a ficha de Alice dias depois, confirmou o que Marina suspeitava, ela era amante de seu marido desde o tempo de estudantes, não só amantes, mas sim casados em outro estado.        Com o exame do café e mais o relatório, ela conseguiu acusar o marido de bigamia, contratou uma auditoria financeira e foi constatado desvio grande soma de dinheiro da empresa para o paraíso fiscal em nome do casal, comprovando assim que tinha sido vítima de um golpe.

        Conseguiu com as provas a condenação deles. O seu pai a nomeou presidente executiva da empresa com a certeza de que estaria à altura.

EU E A DANÇA - Antonia Marchesin Gonçalves

 

        


EU E A DANÇA

Antonia Marchesin Gonçalves

 

                Adoro dançar, dancei bastante quando jovem os bailinhos dos 12 anos em nossas casas, os bailes de formatura e finalmente as festas e casamentos dançando com o marido. Mas o que me encantava quando jovem, eram os filmes musicais da época de Fred Astaire e suas parceiras. Imaginava sendo eu a parceira, sentia-me transportada para a tela, vestida com os vestidos godês rodados e com a delicadeza do parceiro me dando a mão, passando o braço na minha cintura me levando ao centro do salão para ser a companheira num mundo mágico.

                O fantástico desse devaneio me fazia sentir como se lá estivesse, ao som de uma valsa, de olhos fechados dentro de um salão em Viena, ou o bolero que me levava ao amor do príncipe encantado. Sentia a segurança de Astaire me embalando nas nuvens, tamanha leveza. Rodopiando e rodopiando a saia rodando mostrando as pernas que se movimentavam com uma leveza e rapidez, num total entrosamento. Não queria abrir os olhos, dançando sem parar ele me levava de uma música a outra, mudando de ritmo e como mágica o vestuário.

                Sentia-me linda, leve e amada, Astaire me desafiava a sapatear, coisa que ele fazia com perfeição, e eu não fazia feio, sapateava com ritmo, dançando com movimento de corpo e braços com sorriso e perfeição. Ele com seu terno impecável e seu cabelo que não movia nem um fio, e eu com os cabelos à altura dos ombros leves e soltos acompanhavam o movimento da cabeça e do corpo. Ao término, satisfeitos e realizados, recebíamos os aplausos de toda a trupe.

                Quisera um dia, podermos entrar na tela e nos transportar para ser a protagonista de um musical junto ao dançarino perfeito como ele.

Arco-Íris - José Vicente J. Camargo

 

 


Arco-Íris   

José Vicente J. Camargo

 

Quer ouvir uma história? Vou contar uma fantástica!

Fantástica? Como assim?

É quando o texto é uma ficção criada na imaginação, não é real!

Vou chama-la de “Arco-Iris”:

 

O dia amanheceu lindão! Sol de maio esparramando sua luz brilhante e amena por entre as poucas nuvens penduradas no céu azul, chamando os habitantes da cidadezinha escondida entre as verdes montanhas, a saírem de suas tocas sonolentas. Tico pulou da cama assim que seus olhos se arregalaram com o bater insistente dos raios solares e, se vê, de repente talvez impulsionado pela energia sideral a caminhar, ainda com gosto de café na boca, pela trilha que leva ao rio. Carregava numa das mãos a vara de pescar e na outra um balde contendo minhocas acabadas de serem extraídas da terra adubada do seu quintal, uma guloseima pra nenhum peixe botar defeito. Nas costas uma mochila com os apetrechos de pesca e o lanche para a hora que o estômago roncar. Apressou o passo torcendo para encontrar “aquele lugar” que mais lhe agrada, bem no meio da ponte que cruza o Rio das Araras.

Satisfeito por ser o primeiro a chegar, se posicionou no lugar preferido onde a profundidade do rio é maior aumentando assim a chance de fisgar peixes grandes. Não demorou muito e sentiu a vibração da vara indicando “peixe no anzol”! Fisgou com fé tirando d’água uma traíra típica da região e muito saborosa quando frita ou ensopada. Extraiu o anzol com cuidado e a guardou num saco de estopa mantido dentro d’agua para conservar seu frescor.

Hoje é meu dia de sorte! Pensava, enquanto ia fisgando outros peixes de bons tamanhos... Depois do lanche, pensando na peixada que ia preparar quando chegasse em casa, regada a vinho branco, presente da Inês pro dia dos namorados – não posso esquecer de convidá-la, quem sabe se não é hoje que ela vai aceitar aquele meu convite pra passarmos a noite juntos – resolve pescar o último e pegar o caminho de volta: “Chega por hoje! Exagerar na sorte dá azar...”

Qual minha surpresa quando, ao fisgar o último, me vem balançando freneticamente na pontinha do anzol, um peixinho dourado de rabo cor do arco íris me jogando beijinhos, com sua boquinha abrindo e fechando. Minha surpresa se transformou logo em carinho me enchendo de um sentimento de paz e alegria. Minha consciência dizia para devolvê-lo ao rio, mas a sensação de bem-estar que me apoderou foi mais forte e acabei por guardá-lo com cuidado no bolso da camisa, procurando com isso acalmá-lo com o calor do coração cujas batidas aumentaram dado àquela situação atípica, fantástica. Vou chamá-lo de “arco-íris”, a cor de seu rabo...

No caminho de volta, Tico sente um aumento da sensação gostosa de leveza e paz. Chegando em casa guarda os apetrechos da pescaria, liga para Inês convidando-a para o jantar e conta a fantástica surpresa que recebeu do Rio das Araras, recusando a revelar qual é, apesar dos insistentes apelos de Inês: “Só digo com você sentada à mesa, e se aceitar uma proposta que vou lhe fazer”, dando um tom  de conquistador... Desliga e corre pra cozinha a iniciar o preparo da peixada acompanhada de arroz branco, pirão de peixe e molho de quiabo tal qual a receita que a mãe lhe ensinou – que Deus a tenha! O pirão, vou escrever um bilhete para Inês fazer, que é a sua especialidade. Enquanto o peixe cozinha, vou tomar banho me preparando para o aconchego noturno. Quanto ao “arcoíris”, sempre saltitando e mandando beijinhos, vou escondê-lo na gaveta das ferramentas para Inês não o ver até chegar a hora da surpresa.

Ao voltar a cozinha, exalando água de barba e rodopiando no amor por vir, acalma Inês da sua ansiedade em saber a surpresa prometida:

− Só conto na mesa depois de você aceitar minha proposta! Agora me deixa terminar de fazer a peixada, observando o pirão pronto na panela ao lado.

Ok! Responde ela, mas então apressa essa comilança que já estou com água na boca. E, como não sou de guardar segredos, vou avisando que a sua contrapartida, que já presumo qual seja, está aceita.

Esse meu dia está realmente especial! Retrucou Tico. Vou abrir o vinho branco que você me presenteou e que guardei exatamente para essa ocasião, pois sou adepto do lema “o amor se conquista pelo estômago”! Pode sentar que já vou servir...

Na mesa, que Inês decorou com capricho, brindam a felicidade do momento sem se preocuparem com os escorregões que a vida pode, sem aviso prévio, trazer. Elogios de ambas as partes sobre as iguarias preparadas ecoam entre os aromas apetitosos...

No final da ágape, ele diz: Agora vou buscar a surpresa da noite! Ou melhor, da minha vida, pois pretendo trazê-la sempre comigo que me traz muita sorte como o dia de hoje já comprovou. Sai e minutos depois, ouve-se vindo da cozinha um bater de gavetas e portas entremeado por impropérios raivosos. Volta à mesa em lágrimas e, com olhos fixos em Inês, soluça:

Meu “arco-íris”, você não o viu? O guardei dentro da minha gaveta de ferramentas, não está mais...

 Inês sente a punhalada do ato cometido sem má intenção e encabulada responde:

− Um peixinho dourado? Ouvi um barulho na gaveta, abri e me deparei com ele sapateando entre pregos e martelo me atirando beijinhos. Disse-lhe: “Você é muito fofinho, mas aqui não é circo e lugar de peixe é na água. Então joguei-o na água do pirão pra dar aquele gostinho...

Como diz o ditado:

Sorte demais dá azar... 

POESIA NUMA HORA DESSAS - Oswaldo U. Lopes

 



POESIA NUMA HORA DESSAS

Oswaldo U. Lopes

                                        Eu canto porque o instante existe

                                          E a minha vida está completa

                                          Não sou alegre nem sou triste

                                                       Sou poeta

                                       Cecilia Meireles (1939)

 

        A ideia do título não é minha, mas cabe muito bem nesta hora que tem toda cara de hora dessas.

        Se você perguntar a qualquer criança ou mesmo adulto no Brasil quais os maiores poetas brasileiros, irá ouvir, sem pestanejar:

Castro Alves, Alvarez de Azevedo, Gonçalves Dias, Vicente de Carvalho, Olavo Bilac, Casemiro de Abreu.

        Se tiver sorte ou se seu interlocutor, for do tipo

“li bastante” poderá ainda ouvir:

José de Alencar, Fagundes Varela, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida (se seu interlocutor for paulista), Cecilia Meireles (morte aos machistas), Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade (haja pedras no caminho)

        Se for uma pessoa mais dedicada à leitura e ao conhecimento da literatura brasileira, dá para ouvir:

Basílio da Gama, Cruz e Sousa, Gregório de Matos, João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa (seus primeiros livros eram poemas), Raimundo Correia (haja pombas), Tomás Antônio Gonzaga (sucede Marilia bela), Solano Trindade (não é o único, mas um representante maior da poesia negra) e outros.

        Bem, perguntaram ao Manuel Bandeira qual o verso mais bonito da nossa literatura e ele sem hesitar sapecou:

 

“Tu pisavas os astros distraída”

        Autor, o poeta Orestes Barbosa que não está em lista nenhuma, porque fazia letras que eram depois musicadas. A música chama-se Chão de Estrelas e lá existem outros versos de fundir a alma:

 

“ Nossas roupas comuns dependuradas

Na corda, qual bandeiras agitadas

Pareciam estranho festival!

Festa dos nossos trapos coloridos

A mostrar que nos morros malvestidos

É sempre feriado nacional

 

        Dorival Caymmi também não consta da lista, escreveu muitas poesias, porém todas musicadas, a coleção de suas composições é um relicário de poemas:

 

“Nada como ser rosa na vida”

 

“A jangada saiu com Chico Ferreira e Bento

A Jangada voltou só.”

 

        Algumas de suas composições como a Gabriela, feita para novela, contém uma formação de soneto imperfeito, lá estão as estrofes: duas de quatro versos (quarteto) e as duas finais de três versos (tercetos). Faltaram os versos dodecassílabos (alexandrinos).

        Outro que não vão encontrar na famosa relação de poetas brasileiros é Luís Antônio, nome artístico de Antônio de Pádua Viera da Costa. São dele os memoráveis versos:

 

“Barracão de zinco,

Tradição do meu país,

Barracão de Zinco,

Pobretão infeliz.

 

Vai, Barracão

Pendurado no morro

E pedindo socorro

À cidade a teus pés.


        Quem se lembrou de Elizeth Cardoso e de Jacob do Bandolim, tem a minha idade, minha saudade também.

        Qual uma das características mais marcantes da poesia musicada? A presença da rima. São pouquíssimas as canções em que se encontram versos brancos.

        Isso remonta aos menestréis da Idade Média.  Cavaleiros andantes iam de vila em vila, com seus alaúdes, cantando e juntando o povo para escutá-los, muitas vezes no pátio das Igrejas ou mais frequentemente, no das tavernas. Pode-se dizer que deles e desses aglomerados com o povo, nasceram os teatros populares que pouco faziam das regras aristotélicas de unidade de tempo, lugar e de ação.

        O teatro inglês da época elisabetana, Shakespeare à frente, deriva desses menestréis e de sua atividade.

        A rima era usada porque isso facilitava a memorização para eles e para os assistentes, porque muito do seu soldo dependia do cantar dos populares que os ouviam e os acompanhavam.

        O verso chamado branco, no teatro inglês, era motivo de disputa e de divisor entre os letrados, universitários e os outros. Saber fazer um verso branco, caracterizado pela métrica rigorosa, mas sem rima, era a glória.

        O desafio dos poetas ficava por conta dos sonetos, estrutura famosa de catorze versos e com rimas regulares. Maravilhosa invenção italiana, como a Pizza, a Pasta e o Panetone. Criação cuja consolidação é atribuída e com razão a outro famoso P italiano, Petrarca.

        Todo poeta almeja escrever um ou vários sonetos. Não se considera um poeta completo se não o fizer.       Vinicius de Moraes, o poetinha, que se tornou conhecido pelos versos musicados, escreveu e publicou belos sonetos, na mais clássica forma.

 

“De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto”

 

“Eu possa me dizer do amor (que tive)

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure

 

        Este seria o quadro estrutural com os poetas músicos fora da pauta, não fosse a Academia Sueca entregar o prêmio Nobel de literatura a Bob Dylan. Músico norte-americano, famoso pelas suas músicas, cheias de rimas e de maravilhosos versos, ganhou o Nobel sem jamais ter escrito um livro (coletânea de cifras e letras, não contam), mas numerosas canções, ricas de versos e rimas:

“And how many years can some people exist

Before they’re allowed to be free

Yes, and how many times can a man turn his head

And pretend that he just doesn’t see

 

The answer, my friend, is blowin’ in the wind

The answer is blowin’ in the Wind”

        Dia virá em que perguntado sobre os poetas brasileiros mais conhecidos, o inquirido, além dos habituais, vai incluir: Noel Rosa, Cartola, Orestes Barbosa, Luís Antônio, Paulinho da Viola, Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil entre outros... Dia virá.



A Casamenteira e o Véu-de-Noiva - Maria Luiza Malina

 


A Casamenteira e o Véu-de-Noiva

Maria Luiza Malina

 

Conectada na vida como “casamenteira”, Dona Deolinda, baseada na sua educação de berço, ao conhecer jovens solteiros, encantava-se com a formosura e logo imaginava os pródigos filhos que poderiam surgir deste enlace. A vida era de lindos príncipes e princesas felizes para sempre.

Um bom partido.  Jorge seu único filho, por cargas d’água continuava solteiro aos 38 anos. Julgava que devido às atribulações médicas, conferências, viagens, não tivera tempo para uma vida a dois.  Mas, percebeu o quanto importava-se com a vida dos outros. Rapidamente, veio-lhe a figura de Marieta, moça bonita de bons costumes, formada e, amigos de longa data, e... Por que não?

Aproximou-os.

Jorge, na verdade, muito discreto,  amava e se relacionava há um bom tempo com Sandra, antiga colega de faculdade que desistira da profissão de médica, preferindo a área administrativa. Trabalhavam juntos no mesmo hospital. Já estava casada por um arranjo familiar, como dizia, Jorge entendeu bem seu caso. Aguardavam algum imprevisto do destino para ficarem juntos. Tempo este em que pequenas discussões surgiam.

 Por outro lado a mãe de Jorge, usando suas técnicas de casamenteira, provocava encontros ocasionais com Marieta. Isto aborrecia Jorge. Eram muitos problemas a serem solucionados...e, mais este? Bem, resolveu aceitar a proposta, afinal seria bom distrair-se um pouco com uma pessoa alegre, inteligente para um bom bate papo apenas! Por sua vez, Sandra mostrava-se muito reclamona um pouco desapaixonada. Assim Foi.

O inesperado. Um acidente. Sandra enviuvou. Jorge respeitou o luto. Ela demitiu-se do trabalho. Precisava ficar só. Refletir. Jorge a aconselhou a fazer uma viagem. Aceitou. Ao invés de umas férias de 30 dias, optou por uma viagem ao redor do mundo. Nada surpreendeu Jorge que lamentou não poder acompanhá-la. Era necessário um tempo. Tempo este em que ele iniciou a montagem do apartamento, aguardando seu retorno. 

Com os encontros de Marieta a paixão dividiu-se entre as duas.  A falta de comunicação com Sandra aumentava a cada semana. A presença de Marieta aumentava a cada dia.

Jorge acata a sugestão da mãe e casa-se com Marieta aceitando o convite para trabalhar numa clínica em uma cidade próxima. O apartamento à espera do retorno de Sandra, trancafiara-o, como fizera com sua paixão na sua última mensagem “quando você retornar eu estarei velho, mas sempre casado com você”.  Aguardava uma resposta. Nada. Silêncio.

Marieta graciosa. Magrinha entrava na igreja a passos lentos que mal moviam o delicado rendado do véu que a encobria. Jorge atônito admitiu seu amor. Era diferente. Ela lhe despertava outros sentidos. Muitas coisas em comum. Amantes da gastronomia chinesa, ele nunca entendia porque ela se referia a uma surpresa no dia em se casariam.

Ele sorriu. Lá estava ela, ao estilo do “cogumelo véu-de-noiva” (Phalus indusiatus) a silhueta em forma de sino, que de sua aba desaba a sutil renda sem tocar no chão. Foi uma nova sensação que ela lhe transmitiu. A gastronomia e o amor os unia numa leveza de vida.

Meses de passaram. Jorge pouco se lembrava de Sandra. Ensaiava desculpas pelo casamento, ou possíveis ausência prolongadas com o chavão que ela tão bem conhecia, de que vida de médico é assim mesmo, pouco tempo para a família. Não. Não seria correto. “Vou falar a verdade.”

O retorno acontece.  Quatro meses após o casamento. Jorge visitava a mãe nos dias em que prestava serviços no antigo hospital.

Sandra e as surpresas. Aguardou paciente o término do trabalho com o eterno sorriso de felicidade que lhe era tão familiar. Ele surge. Surpreende-se. Pensa estar revendo a tão querida e linda visão corriqueira.  A saudade. Sandra corre de braços abertos em sua direção, chamando-o pelo nome. Ele nada ouve. O coração palpitou acima do limite. Reconhece que ainda a ama. Cambaleante abraçam-se. Sandra ouve um suspirar de “meu amor”! Os dois caem no chão. O último palpitar do coração foi em seus braços.

Tentando animá-lo. Pede socorro. Retira a aliança que vê em seu dedo. Debruça-se sobre ele desesperada. O mundo desaba. Vê escrito outro nome. 



OS VIZINHOS - Antonia Marchesin Gonçalves

 


OS VIZINHOS

Antonia Marchesin Gonçalves

 

Cresci numa rua de Indianópolis de pequenos sobrados onde todos se conheciam. Era muito tranquila, os vizinhos viviam se confraternizando, e as crianças se visitavam com muita frequência. 

Até que um dia a Josefa faleceu, e seus filhos alugaram a casa. Todos nós ficamos torcendo para que os novos moradores se integrassem à vizinhança. Mas, para nossa decepção, os novos moradores eram vietnamitas, falavam pouco o português, e logo usaram a garagem para uma lojinha de quinquilharias, o que mudou a configuração das nossas vidas. Era um casal e uma jovem muito bonita, vestia-se muito bem, na maioria das vezes usava roupas típicas. Logo, acreditamos serem pais e uma filha.

Os pais ficavam na loja, revezavam no atendimento e até as refeições lá faziam. Diferentemente, da filha que nunca ficava com eles.  Era normal ver um carro preto apanhá-la à porta, sempre em horários alternados. Nunca vimos sair acompanhada pelos pais. Pensava eu, que estranho esse relacionamento familiar. Ela era altiva e não cumprimentava ninguém. Já eles, ao balcão, pareciam bem diferentes dela, eram humildes e razoavelmente simpáticos.

Nós, os vizinhos, começamos a alimentar muita curiosidade sobre a jovem filha do casal de comerciantes. Tentei várias vezes descobrir sobre o trabalho dela, mas nada descobri, pois diante de questionamentos como esse, os pais, se faziam de desentendidos, alegavam que ainda não dominavam nosso idioma. Fiquei sabendo apenas que se chamava Cleo. Tanto mistério acabou despertando curiosidade tamanha em mim, que acabei chamando o Alberto, investigador e amigo de infância, e comentei o caso. Contei-lhe detalhes que me levaram à desconfiança, achava eu, que podiam ser traficantes de drogas, ou coisa parecida.

Deixa comigo amiga, vou investigar e te mantenho informada. Disse Alberto para minha tranquilidade.

Fiquei dias sem notícias dele.  Um dia me ligou dizendo que precisava me encontrar, tinha novidades, e complementou que o caso não era fácil como pensara.

No restaurante jantando, contou-me que Cleo provavelmente trabalhava em um departamento do Consulado vietnamita, que não tinha um horário fixo, o que tornava mais conturbada a investigação. Pela dificuldade de ter acesso a ela, ele acreditava que o cargo da Cleo não era pequeno, tentaria ainda mais e continuaria a investigá-la, mesmo porque se ela tinha um cargo bem remunerado, não justificava os pais trabalhando numa lojinha de garagem.

Alberto conseguiu aguçar ainda mais a minha curiosidade. Fiquei ansiosa outras duas semanas sem notícias. De ansiosa à preocupada, pois,  ele não atendia o celular e nem os fixos. Já estava me sentindo culpada, com medo de ter acontecido algo com meu amigo.

Quando um dia ele apareceu de surpresa em casa. Tomei um susto. Ele tinha o aspecto deprimente, o que me chocou, mais magro e abatido, entrou e logo pediu uma bebida. Com calma, após uns goles, contou-me que o serviço secreto deles foi ao seu escritório numa noite e o sequestrou, mantiveram-no em um porão escuro e úmido. Não tinha mais noção do dia ou noite, tinha fome e frio, por dias. Diversas vezes o interrogador era a tal de Cleo, que segundo ele, era fria e calculista, capaz de tirar dele qualquer coisa.

A sua sorte foi que ele já havia comunicado à Polícia Federal as suas suspeitas. E nesse ínterim,  até o FBI e a polícia federal já trabalhavam no caso e conseguiram localizá-lo no porão.  Alberto descobriu que ela era uma espiã, e já estavam de olho nela, quando entraram e o libertaram. Prenderam alguns componentes, menos Cleo que conseguiu escapar.

Meu coração foi a mil batidas por segundo naquela hora. Senti muito medo de represálias, porque talvez ela já soubesse que a pessoa que a investigava era eu. Naquela noite entrei em casa e nem acendi as luzes. Não dormi e mantive em silêncio os objetos eletrônicos.

Pela manhã assuntei pela fresta da janela e vi que a lojinha estava fechada. Mantive meu esconderijo. Mais tarde, já passava das duas, e a lojinha estava fechada ainda. Ligue para o Alberto que me disse que se mudaram sorrateiramente na calada da noite, abandonando pertences e objetos de mobília. Por isso nem vimos mudança, Alberto!

A casa, a lojinha, e as pessoas, tudo ali era só de fachada para dar cobertura para a espiã, procurada pela Interpol. Com certeza o nome nem era Cleo, ele os velhos nem eram seus pais.  

A casa já está novamente com placa: Aluga-se.