AMOR E ÓDIO
Antonia Marchesin
Gonçalves
Ângela, como o nome diz, era um
anjo de pessoa. Pouco trabalho deu à mãe, a criança feliz brincava com as
panelinhas com as bonecas fingindo fazer comidinha com açúcar e canela que era
uma meleca. Tanto brincou com isso que ao crescer não suportava o cheiro de
canela. Na adolescência precisou largar os estudos e trabalhar para ajudar em
casa. Tornou-se muito bonita sendo muito assediada até por homens maduros, mas
não tinha ela interesse em namorar, era envolvida pelo trabalho, tanto fora
como em casa e as poucas horas de folga gostava de ler, a sua paixão.
Ficava, horas na poltrona lendo
quando podia, ouvindo broncas da mãe que achava que perdia seu tempo nessas
besteiras que continham os livros. O seu irmão tinha vários amigos que frequentavam
a casa, ela os tratava bem, mas sem maiores interesses. Com o tempo um deles, em
especial, deu de demonstrar interesse, passou a frequentar a casa com mais frequência
tentando acertar os horários em que ela estava. Teve início ali uma amizade Renato
era estudante fazendo faculdade de arquitetura, não era bonito, mas charmoso,
percebeu que se entendiam bem.
Numa tarde os dois
conversando Renato se declarou, estava apaixonado e a pediu em namoro. Ângela
surpresa, nem passava pela sua cabeça namorar, pediu um tempo para pensar,
tinha já dezoito anos, as poucas amigas já namoravam e a encorajaram para
aceitar, assim foi. Tiveram que esperar Renato se formar já no último ano
trabalhava deram entrada no seu primeiro apartamento e ela com seu trabalho com
esmero fez todo o enxoval. Renato a conquistava todos os dias mais, quando se
casaram ela estava totalmente apaixonada, tendo olhos só para ele.
Antes de casar ele a convenceu
de largar o emprego, dizia que a sua mulher não trabalharia fora. Mais uma vez
ela obedeceu, veio o primeiro filho foi ficando cada vez mais mãe e dona de
casa, não percebendo que ele não lhe dava a atenção e carinho como antes,
apaixonada confiava plenamente em seu companheiro, pensava, está trabalhando
muito para nos manter, o mimava, apreendeu a cozinhar, coisa que não sabia fazer,
e até curso de banquete fez, tornando-se excelente cozinheira, recebiam amigos
para jantar com elogios de todos. Renato tinha tudo sob controle, esposa, casa,
filhos, sucesso profissional, invejado. Certo dia Ângela recebe uma carta
anônima que dizia quanto conquistador compulsivo seu marido se tornou. Ela se
abalou, ao pensar melhor, deu a carta como alguém com inveja de sua felicidade.
Passado um tempo começou a
receber telefonemas também anônimos o acusando de estar traindo-a com colegas
de trabalho e as horas extras que fazia não eram para trabalhar e sim sair com
outras. Não teve outra opção senão perguntar a respeito, lógico que o marido negou
veemente usando até o ataque como sua melhor defesa. Apaziguados os ânimos a
vida continuou à sua rotina. Mas agora Ângela andava mais atenta, passou a
observar mais o marido, quando estavam nas festas e jantares e até em
restaurantes, mesmo na sua frente flertava com outras mulheres, magoando e até humilhando
a esposa. Foi quando começou a sentir-se
depressiva e desiludida cada vez mais, a grande paixão foi esvaindo-se. O amor
se desconstruiu a ponto de se tornar quase ódio, que lhe corroía a alma. Pelos
filhos ela não se separou.
Certo dia Renato passou mal,
teve um derrame com sequelas graves ficando na cama. Ângela se desdobrava vinte
quatro horas para cuidar pessoalmente dele, não aceitava ajuda de enfermagem, até
os filhos tentaram, mas ela era irredutível. Uma amiga psicóloga tentou para
que recebesse ajuda, alegando que podia ela adoecer. Mas não. Até que Renato
faleceu, e a transformação de Ângela foi total.
Agora Ângela parecia tranquila,
feliz, tinha recuperado a beleza, o brilho no olhar, a amiga não se conteve e
perguntou, achei que você fosse afundar no fundo do poço com a morte dele, e
ela simplesmente olhou para a amiga e disse:
— Não, querida amiga,
eu tive o prazer de vê-lo morrer.
Após
um mês da morte de Renato, Ângela já tinha o seu futuro definido, com os seus
sessenta e cinco anos tinha a certeza do que queria para o resto de sua vida.
Chamou os filhos para um almoço no sábado, com uma maravilhosa feijoada que
fazia com perfeição e sabia que seria um belo chamariz para ninguém faltar.
Todos compareceram, transcorrendo tranqüilo com caipirinhas sendo consumidas,
nem perceberam o quão tranqüilo tinha transcorrido, sem discussões políticas ou
qualquer outro assunto, sempre geradas pelo pai que divergia dos filhos e
lógico Ângela tentando por água fria para amenizar as divergências.
Satisfeitos foram todos para o
deck da piscina para o café, ela aproveitou para falar. Convidei vocês para esse
almoço com um propósito, quero comunicar vocês que já coloquei a venda a casa,
que para minha surpresa tem vários interessados. Nessa hora todos começaram a
falar ao mesmo tempo, uns a casa que o pai construiu maravilhosa, outros, você
vai para onde e o que vai fazer com o dinheiro? Papai sempre cuidou de tudo.
Sim ele sempre cuidou de tudo, mas agora quem manda na minha vida sou eu, vou
comprar um apartamento que sempre quis, não aguento mais cuidar dessa casa, já
tenho um em vista, com conforto que só com uma empregada dará conta, é um
bairro que terei qualidade de vida, com parque perto, um pequeno comércio que
servirá para as minhas necessidades, mas também como tenho carta e dois carros
saberei usufruir a estrutura que preciso.
Completou, se gostam tanto da
casa, façam uma oferta entre vocês e comprem de mim, afinal está no inventario
que ela é minha. Ninguém se pronunciou, não tinham cacife para manutenção de
uma casa daquela. Tomada a decisão, Angela mudou-se para o apartamento, não
levou nada, fez a decoração com um bom gosto surpreendente. Depois de tudo em
ordem, passou os dias saindo pelo bairro se familiarizando, vizinhança
simpática definiu, tendo perto um pequeno comércio, pequenos restaurantes e até
boutique de roupas femininas e sapatos idem. Numa dessas incursões achou uma
academia de dança, sempre amei dançar, só parei quando casei, lógico pensou,
vou entrar e perguntar quais cursos ele oferecem.
Ao ver que tinha o curso de
dança de salão, não teve dúvida, se matriculou. Feliz, passou a ter aulas três
vezes por semana, sempre no final da tarde, onde iria aprender todos os ritmos,
adorou o professor e fez novas amizades no grupo, incluindo vários solteiros.
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