A incrível história de Píndaro, e a disfemia.
Fernando Braga
Píndaro,
aos seis anos entrou para o jardim da infância, no período da tarde, naquela
pequena cidade do interior. Seu pai era delegado de polícia e sua mãe, do lar. Desde
bem pequeno, os pais haviam notado que ele era canhoto, chutava as bolas com o
pé esquerdo, comia segurando o garfo, atirava pedras, penteava o cabelo com a
mão esquerda. No jardim da infância, ouviam historinhas infantis e todos tinham um caderno,
lápis preto, conjunto de lápis de cor, aprendiam a desenhar, pintar figuras e iniciavam
o conhecimento das letras minúsculas e maiúsculas do alfabeto, a unir
consoantes e vogais para formarem palavras simples como pato, sapo, casa... Era
um início de alfabetização.
Quando começaram a pintar, escrever, Píndaro o
fazia com a mão esquerda e a professora ao notar isto, pediu que usasse a mão
direita. Falava a todos que o certo era escrever com a mão direita e não ia
admitir o uso da esquerda.
— Viu,
meu querido Píndaro! Com a mão direita!!!
Como
várias vezes passava a usar a mão esquerda, a professora chegou a prendê-la com
uma cordinha à sua coxa esquerda.
Ele obedecia, mas sua dificuldade era intensa
e as letras saiam como garranchos. Quando fazia a lição em casa, a professora
pediu à mãe que ficasse de olho, para que ele não escrevesse com a esquerda. Os
pais, obedeciam a orientação!
Após
um ano no jardim de infância, entrou para o primeiro ano do grupo escolar, o
que só podia ser feito quando as crianças já tivessem sete anos completos, sua estatura física era um pouco maior que a
das demais crianças, da mesma idade.
Nessa fase havia somente professoras,
incluindo a diretora. Também elas, não admitiam que canhotos escrevessem com a
mão esquerda e, algumas, chegavam a bater na mão do aluno com a régua, quando estavam
usando a mão esquerda. Na época, era este um procedimento, quase geral na
cidade.
Com
sete anos e meio, Píndaro começou a apresentar mudanças
em seu comportamento. Tornou-se nervoso, ansioso, tenso, indeciso, recalcado, brigando
facilmente com os colegas, respondão nas aulas e ao lado disto, começou a gaguejar,
tartamudear. Com a piora da gagueira, passou a falar pouco, detestando ao ser
chamado à frente da classe, para expor algo ou escrever na lousa. Seus pais
ficaram preocupados vendo a mudança do filho e a gagueira, procurando ajudá-lo
em casa, tratando-o o melhor possível, mais atenção em relação aos dois
irmãos.
As
crianças, colegas da escola, passaram a lhe colocar apelidos como breque
agarrado, vaivém, deixa que eu chuto, mudinho, motor enguiçado, cuspidinha, e por aí vai. Ele não gostava, mas quanto mais
reagia, mais eles o gozavam. O apelido de breque agarrado logo era conhecido em
toda a escola.
Píndaro,
passou a reagir, usar palavras feias, os piores palavrões conhecidos e quando
os gritava para os colegas, geralmente gaguejava menos.
Ele
detestava, principalmente quando os maiores, de anos mais adiantados, passavam também
a gozá-lo no recreio. Queixava-se ao pai e algumas vezes fingia estar doente
para faltar à escola. Os pais notavam que ele tinha algum problema psicológico!
Naquela
época, na cidade, não havia foniatra ou psicólogo infantil, havia poucos
médicos que diziam aos país, que diariamente, precisavam exercitá-lo a falar em
voz alta, colocando algumas pedrinhas em sua boca durante os exercícios, como
fizera Demóstenes, o maior orador grego, que um dia havia sido gago.
Píndaro, tinha porte mais avantajado que os
demais, falava pouco, mas os palavrões saiam de sua boca, a toda hora. Em casa,
usava muito o Vai tomar no banho, mesmo para o irmão, irmã e primos. Um dia sua
mãe o chamou e disse:
—
Filho, não fale “vai tomar no banho”. Fale apenas, ” vai tomar banho”. Ele não
entendeu bem, mas assim tentou proceder.
Certa
feita, a mãe pediu que fosse até o bar próximo e pedisse duas guaranás e
mandasse colocar na conta. Foi ensaiando pela rua para falar rápido, sem
gaguejar. La chegando, ao ser atendido, o balconista perguntou o que queria.
Disse bem rápido, sem gaguejar: — Duas
guaranás! O balconista perguntou, ”Antártica ou da Brahma?”. Sua fala enroscou
e bravo fendeu o atendente com um palavrão e saiu correndo. O atendente ficou
parado, sem entender.
Não
havia um dia que não brigasse, quase sempre após o chamarem de “breque agarrado”,
e interessante é que nas brigas, mesmo com alguns colegas maiores,
quase sempre levava vantagem. Aprendeu que quando a briga estava para começar, ficava
parado, com os braços abaixados encarando o adversário, olhando bem em seus
olhos e então, subitamente abaixava a cabeça e o corpo, o que era automaticamente,
em instinto de defesa, seguido pelo adversário. Era quando ele desferia de
lado, um soco forte e certeiro na parte lateral da cabeça, sobre a orelha do
oponente, que o tonteava e muitas vezes o desequilibrava, caindo ao solo. Aí, já era meia luta ganha!
Jogava
bem futebol e basquete nos campinhos do grupo. Durante o quarto ano, no período
da tarde, fez simultaneamente a admissão, preparatória para o ginásio, com
ótima professora. Sua família havia decidido colocá-lo interno no Colégio
Arquidiocesano de São Paulo, regido pelos irmãos maristas (IM), onde havia uma
prova no começo do ano, para analisar o nível do aluno, para poder ser aceito.
Quase na época de ir para o colégio, seu pai lhe
disse:
— Filhinho
querido, você vai ser interno em um colégio de padres e vai ter que se
comportar bem. Nada de palavrões e brigas. Ao invés de palavrões, vou lhe
ensinar uma coisa interessante. Se estiver nervoso, ao invés de falar estes
palavrões que está acostumado e que vão ser recriminados, use outras palavras que
parecem xingamentos, mas não são. Assim, o pai lhe ensinou a falar chichisbéu, que
significa galanteador, morígero, uma pessoa honesta, bardo, um trovador, X.P.T.O,
que é abreviação de cristo e significa ungido, messias, e é utilizada para
designar qualquer coisa muito boa, magnífica, grande feito. Estas palavras
ditas agressivamente, quem as ouve e não as conhece, interpretam como xingamento.
O menino sorriu e prometeu praticá-las.
No quarto
ano primário, certo dia a professora teve que se ausentar alguns minutos da
sala e pediu que se mantivessem em silêncio. Ele se sentava nas primeiras carteiras.
Foi quando ouviu uma vozinha vinda lá de trás: “Breque agarraaado!”. Píndaro, não deu atenção. Quando ouviu pela
segunda vez, levantou-se, olhou para trás e disse gaguejando:
—
Quem é o bardo, morígero, XPTO que me chamou deste nojento apelido? Se levante,
se for homem! Ninguém se manifestou! Sentou-se e em seguida ouviu várias vozes:”
Breque agarraaado!” .
Voltou
a levantar-se e disse: “Amanhã, vou
trazer meu estilingue e no recreio, quero acertar uma pedrada no peito de quem
assim me chamar!
Vocês
são todos uns morígeros e XPTO! Quando falava estas últimas palavras a
professora entrou e percebendo a situação, disse a Píndaro:
—
Vamos já para a diretoria! Aqui não é lugar de falar palavrões.
Na
diretoria, jurou não ter dito nenhum palavrão e repetiu as palavras ditas.
Ninguém sabia o significado e tiveram que consultar o dicionário. Ele voltou
para a sala, com a professora abraçando-o.
“Valeu!”. Pensou ele. Graças a meu pai.
Foi aprovado
em sexto lugar entre mais de cem concorrentes, apto para frequentar o ginasial
do famoso colégio Arquidiocesano, localizado na Vila Mariana.
No começo do ano letivo, o pai o trouxe para
São Paulo, com todo o enxoval solicitado, juntamente com a linda fardinha azul
que o colégio exigia, para ser usada em festividades e desfiles. Ficou
orgulhoso ao vestir sua farda! Sentiu-se importante como um soldado.
Quando
seu pai o deixou no colégio, sentiu-se quase desesperado, inseguro,
acabrunhado, sabendo que ia ter dificuldade com sua gagueira.
Já
interno, nos primeiros 15 dias, sentia saudade de casa e à noite já deitado,
chorava baixinho até se acostumar!
O
colégio era bem grande, vários andares com cerca de 350 alunos internos, fora
os semi-internos, distribuídos em divisões separadas: os menores, submédios,
médios e maiores, conforme o tamanho e ano letivo em que estavam. Lá, tinha
também o curso científico.
Na
primeira série do ginásio, foi para a divisão dos submédios, onde havia um
grande salão de estudos, um grande pátio fora do prédio principal, com campo
futebol, de vôlei, basquete e em uma parte coberta com mesas de pingue-pongue, duas
mesas de sinuca e os banheiros. Local onde passavam os recreios. Cada divisão
era regida por dois maristas. As salas de aula, com cerca de 40 alunos cada,
ficavam no primeiro e segundo andares.
A
capela era grande e bonita, com missas diárias às 7 horas da manhã e uma
notável gruta no grande pátio de entrada, parecida à de Lourdes, entre duas escadarias
curvas do térreo ao primeiro andar.
A
gagueira de Píndaro, logo chamou a atenção dos colegas e professores. Os maristas
não admitiam qualquer gozação. O regime era um tanto militar. Nas filas, ninguém
podia falar, comer ou mesmo rir. Qualquer deslize, o aluno era colocado no
toco, de pé, olhando para a parede e muitas vezes tinham que decorar poesias
como o I. Juca Pirama, Canção do exílio, Cântico do calvário...
Para
atender os alunos do colégio, havia um médico e um psicólogo. Frequentemente,
crianças afastadas dos pais, podiam ter problemas.
O
regente da divisão, vendo a gagueira de Píndaro, logo o enviou ao psicólogo.
Após algumas sessões, a conclusão foi de que era um canhoto contrariado, por
ter sido obrigado a escrever com a mão direita, o que não era mais admitido em
sinistros! Pelo menos na cidade de São Paulo.
O
psicólogo chamou aos pais, quando após um mês,
vieram do interior para visitá-lo.
Explicou
a eles que temos dois hemisférios cerebrais e dominância de um deles. Nos destros, o
hemisfério dominante é sempre o esquerdo, que contém os centros da fala, da
escrita. Nos canhotos o hemisfério dominante tende a ser o direito, o
contrário. Uma criança canhota, obrigada a escrever com a mão direita, pode
desenvolver gagueira.
No
canhoto, o uso da esquerda faz parte de sua natureza e não é um costume ou
hábito que tenha adquirido.
Não
existe treinamento algum que a faça mudar.
Se
obrigarmos uma criança usar a mão menos hábil na realização das tarefas, os resultados
podem ser frustrantes para ela, tornando-se tímida, insegura, esgotada, em
desvantagem, resultando transtornos como a gagueira e a dislexia. O canhoto já
tem uma preocupação, em se adaptar em um mundo feito, onde a grande maioria é
destra. Nos casos de pai, mãe ou ambos gagos, pode haver um fator genético
associado, que varia de 5 a 15%, mas não era o caso do Píndaro.
Avisem
isto em sua cidade para as professoras que assim agem, que nenhuma criança deve
ser corrigida, envergonhada, por causa da mão que escreve. Isto provoca uma
disfemia, gagueira!
— Meus
queridos pais, analisando as provas feitas pelo Píndaro ele nos pareceu muito,
muito bom mesmo em todas as matérias, principalmente em português. Deve ser
tido ótimos professores.
Peço
a vocês, para eu ter a colaboração de uma fonoaudióloga capacitada, que
conheço, para iniciarmos um tratamento em seu filho, tentando eliminar a
gagueira. Evidentemente, isto vai custar uma soma de dinheiro, mas certamente
vai compensar. O pai disse que era delegado, vivia de seu ordenado que não era
muito, mas faria um grande sacrifício, se não fosse muito dinheiro. Tudo foi
acertado!
O
psicólogo, ainda disse que fariam duas sessões por semana, com exercícios para
o relaxamento dos lábios, da língua, melhora da tensão muscular, coibir os
sentimentos de medo, ansiedade, timidez, com pausas na fala, para ela ficar
automática. Ainda, que pediria aos irmãos, para que o colocasse no orfeão da
escola, cantar em coro, que poderia melhorar sua fluência. Seria interessante também
que aprendesse violão, para cantar. Falar é diferente de cantar, inclusive
pelas áreas ativadas pelo cérebro.
O
lado direito é mais musical, o esquerdo é a fala.
Os
gagos podem cantar normalmente, enfatizou. Quando sozinhos, não travam tanto a
fala, mas piora quando fala com alguém que o deixa tenso, com ansiedade.
No final da conversa, disse que os irmãos em de
sua divisão, tinham observado que jogava muito bem futebol, o que seria um
handicap positivo para ele.
— Os
canhotos podem ser melhores nos esportes, confirmou.
Durante
as férias escolares, em julho e quase três meses em dezembro, vocês irão aprender
como proceder; vamos ensinar-lhes tudo. Evitar criticá-lo quando gaguejar ou
completar suas frases. Quando apresentar dificuldade, não o interromper,
animá-lo a terminar a frase. Começar uma frase e pedir que continue. Não deixar qualquer familiar lhe dar apelidos,
gozá-lo.
Vai
fazer exercícios de sopros, encher bexigas, balões, assoprar velas. Ler em voz
alta e outras coisas mais! Trabalhar a respiração diafragmática. Acreditamos
que em dois anos ou pouco mais, tenhamos um excelente resultado. Agora, vão despedir-se dele e feliz regresso à
sua cidade.
Os
pais saíram muito satisfeitos, confiantes.
Píndaro
começou o tratamento, terapia vocal, entrou para o orfeão do colégio, do qual
fazia parte alunos dos diferentes anos e divisões e passou a ter aulas de
violão. Autorizaram-no a escrever com a mão que lhe aprouvesse! Acabou se
tornando ambidestro! O colégio lhes proporcionava tudo.
O
ensino era excelente, aprendiam também o latim, francês na primeira e segunda
séries e inglês a partir da terceira. Durante o dia, tinham o período das
aulas, de estudo e recreios, com a prática de esportes. Píndaro, Na segunda
série, já fazia parte do time principal dos submédios. Tudo o que treinasse,
jogava bem, incluindo a sinuca. Tinha facilidade para os esportes, os quais
adorava e fazia amigos facilmente.
No
futebol, corria muito, driblava bem, dava passos precisos e seu chute com a
canhota era forte e certeiro. Não perdia um pênalti e o goleiro sempre pulava
do lado oposto àquele que a bola entrava. Apesar da gagueira, com a qual
ninguém mexia, era querido e admirado por seus colegas. Evitava falar palavrões
e quando os usava eram aqueles ensinados pelo pai, e outros, que encontrou no
dicionário: gárrulo, facundo, debicador, deífico, donoso, dadaísta, nefelibata,
etc. Além de estudar bem as matérias, sempre estava lendo um ou dois livros,
retirados da grande biblioteca.
No
recreio, frequentemente, se isolava em um canto para ler em voz alta, onde
também cantava canções próprias da época. Seu pai lhe comprou um violão. Gostava
muito de ouvir Nelson Gonçalves com aquele vozeirão lindo, pronunciando bem as
letras da música. Adorava cantar Bohemia! Soube que o Nelson era gago, o que
ninguém percebia quando cantava!
O
professor de Música, contratado, que conduzia o orfeão do colégio ao receber
Píndaro, fazendo o teste para ver se era apto, ficou entusiasmado com seu
ouvido musical e ainda, com o timbre diferente de sua voz. Cantando, realmente
quase não gaguejava. Várias músicas lhes foram ensinadas dentre elas Rosa, de
Pitanguinha, No Rancho Fundo de Ari Barroso, o Velho realejo.
Logo
Píndaro, estava cantando, sem gaguejar.
Este
orfeão, sempre se apresentava em festividades
comemorativas da escola. No dia 6
de junho, na comemoração do dia do Padre Champagnat, o fundador dos irmãos
maristas na França, havia festa o dia todo.
À
noite no amplo teatro, o orfeão se apresentou e Píndaro, pela primeira vez,
sozinho ao microfone, cantou “O velho realejo” com excelente voz, sem desafinar:
-Naquele bairro afastado... Onde criança vivias...A remoer melodias...De uma
ternura sem par! ...E daí vai.
Foi muito ovacionado.
Ele
realmente tinha dom! Foi adquirindo uma autoconfiança que o ajudava muito em
tudo, principalmente com sua gagueira!
Tornou-se
o primeiro aluno da classe por suas notas excelentes, sempre classificado como
primeiro ou segundo da classe. Chamava a atenção do professor e dos seus
colegas, como escrevia bem redações de português. Usava muitas figuras de
linguagem, parecendo que teria futuro, se um dia viesse a ser escritor.
Ficou
na divisão dos submédios dois anos. Na terceira séria, com 14 anos, foi para os
médios, onde o campo de futebol era maior, com medidas profissionais. Os
futebolistas que já o conheciam por suas qualidades neste esporte, ficaram
empolgados. Na ocasião, com apenas 14 anos, estava com 1,75 metros, era forte, musculoso,
pois também fazia barra fixa.
Nas
férias, quando ia para o interior, todos notavam seu desenvolvimento físico e
que sua gagueira, ainda ligeiramente presente, havia melhorado muito. Todos
queriam sua companhia e os tios diziam que era o sobrinho preferido,
principalmente um deles, que também adorava cantar ao violão! No clube, nos
rachas, era sempre o primeiro a ser escolhido, mas também jogava basquete e
nadava. Ia ao clube todas as tardes, e à noite, ao cinema ou jogar sinuca com
os amigos. Tinha namoradinhas, assistia, com os primos e amigos, “o footing”, vendo
as mulheres desfilando na rua principal, após a saída do cinema nas terças e
quintas e após a missa das 10 horas aos domingos.
Quando
na quarta série ginasial, vieram buscá-lo no colégio porque seu avô materno,
com 65 anos havia falecido no interior. Este avô, que viera da Ilha da Madeira
no final do século XIX, mesmo sem instrução, mas devotado trabalhador da roça,
havia, conseguindo após anos, comprar fazenda, onde plantou o café, o chamado “ouro
verde”. Mais 10 anos estava rico, tendo
construído excelente casa, comprado casas bem localizadas na cidade e fazendas
umas próximas, outras distantes, na barranca do Rio Tiete. Deixou muita coisa
para suas cinco filhas e três filhos, quase todos casados e com filhos. Com a
herança da mulher, o pai de Píndaro deixou a delegacia, tornou-se fazendeiro de
café, além de ficar com a metade de uma grande casa comercial, de secos e
molhados, localizada na rua principal da cidade.
Voltando
ao Píndaro, na quarta série ginasial, prestigiado pelos colegas, além da autoconfiança,
tornara-se expansivo, sem qualquer complexo, timidez. Nada
restara de sua gagueira, graças ao psicólogo e sua foniatra.
Passou
a adorar falar em público, tinha boa retórica, com uma gesticulação manual
própria, que ninguém sabia onde conseguira aprender. Era dom!
Houve
uma grande festividade no final do ano, no término da quarta série, no encerramento
do ano letivo do ginásio! No dia seguinte seria a festa do científico. Eram
muitos pais e parentes presentes. Todos os alunos fardados!
No
amplo auditório, primeiro houve a apresentação do coro, do qual Píndaro fazia
parte há quatro anos. Em seguida, a distribuição das medalhas pelo Reitor, àqueles
com melhores desempenhos nas notas das 9 matérias do quarto ano. Os alunos
premiados eram chamados na frente do palco e o reitor, ele próprio, colocava as
diferentes medalhas de ouro, prata e bronze em seus peitos, citando as matérias
em que haviam sido os primeiros, segundos ou terceiros colocados. Pareciam
heróis de guerra!
Os
pais ficavam sentados nas primeiras fileiras levantando-se, quando seu filho
era chamado para subir no palco. Durante a premiação, um silêncio absoluto!
Píndaro
foi chamado, seus pais se levantaram. Foram colocadas, três medalhas de ouro,
duas de prata e duas de bronze. A plateia se levantou para aplaudi-lo, seus
pais choravam. O pai falou baixo no ouvido de sua mulher: — Esse é meu filho!
Eu sabia que me daria orgulho!
Em
seguida, a entrega dos diplomas de término do ginásio e finalmente, o discurso
do orador da turma, escolhido pelos próprios colegas do quarto ano.
O orador
escolhido, quem foi? ... Píndaro!
No
palco, peito cheio de medalhas, subiu no pequeno púlpito, ajeitou o microfone
próximo à boca, com voz firme, pausada, gestos manuais precisos, deu início ao
seu discurso. Cumprimentou inicialmente todas as senhoras e senhores presentes,
pais, parentes, amigos dos formandos. Em seguida, referiu-se aos componentes da
mesa diretora, composta pelo reitor, o capacitado maestro, os vários irmãos
maristas presentes, fazendo referência especial ao já envelhecido irmão
marista, com o apelido de Carrasquinho, que diariamente, há anos, tocava órgão
na igreja, durante as missas.
Continuou
falando da convivência com seus professores irmãos maristas, grandes educadores, plenos
de conhecimentos e, que seguiam religiosamente o que foi determinado pelo
venerando Padre Champagnat, ao criar a
ordem dos Irmãos Maristas, com a função precípua de educar os jovens.
Dirigiu a palavra a seus colegas, lindas
palavras, envolventes, entusiasmadas, denotando a felicidade de nascerem em
nosso gigantesco país, que ansiosamente aguardava pelo nosso futuro brilhante
e, que cada um cumprisse com o seu dever. Gozando, citou o nome de alguns
colegas, que junto com ele, faziam parte do time principal de futebol e, que
embora fossem os campeões do torneio Interescolar, levaram a lavada recente de
4 a 1, dos reservas do time do Santos.
Após muitas outras considerações, inclusive
filosóficas, chegando ao final disse:
— Está
guardada no baú de meu imo, a primeira vez, que pisei no pátio central deste
colégio, com a visão da gruta da N.S de Lourdes em minha frente! O meu primeiro
contato com os irmãos maristas, com meus colegas de divisão, a sala onde tive a
primeira aula, a primeira missa, a visão do pátio da divisão dos submédios!
Fez uma pausa e em seguida enfatizou o temor,
o medo que sentiu, ao ficar só, sem sua família quando aqui me largaram e se
despediram. Eu era pequeno, inseguro, nervoso e mais que tudo, um gago, bem gago!
Graças
à convivência com os irmãos maristas, com meus verdadeiros colegas e amigos e,
principalmente, à ajuda do meu donoso psicólogo Eustáquio e à deífica foniatra
Claudia, consegui me livrar da incômoda, insólita, prejudicial, inaceitável
gagueira.
Disse
que naquela exata ocasião se sentiu acabu..acrabu...aaacrabru, com dificuldade em
falar esta palavra, como se tivesse voltado sua gagueira.. Parou um pouco e em
seguida substituiu a palavra que queria falar por, abatido, prostrado, magoado por
trazer em sua alma, aquele deprimente apelido que trazia de sua cidade “Breque
agarrado”.
Sorrindo,
mostrando confiança, disse que felizmente, em pouco tempo sentiu-se normal, e que
gostaria que os presentes, compreendessem que, às vezes, a língua emperra e não
conseguimos falar a palavra acabrunhado! Acabrunhado! As palmas vieram em
seguida.
Terminou
com um agradecimento especial a todos os pais presentes, que, sem dúvida
fizeram sacrifício, trabalharam arduamente, para que seus filhos pudessem
frequentar tão bom colégio. Olhando em direção a seus pais, colocando sua mão direita
sobre o lado esquerdo do peito, enfatizou:
Um
enorme e caloroso beijo em seus corações! Muito obrigado!
Foi
o último dia a permanecer no Colégio Arquidiocesano de São Paulo.