O MISTERIOSO UNHUDO
Oswaldo Romano
Do lado oposto a grande pedra, a Pedra Branca, que
acabaram de escalar, encontraram um respeitável canyon, chamado com orgulho de
A Barranca do Rio Tietê. Local ideal para o descanso, onde as horas se perdem
no tempo. O rio pedindo passagem fez essa formação geológica, escavando e
abrindo caminho com a força das suas águas. Correndo para o interior, foge do
mar, muito perto da sua nascente, e percorre mais de mil quilômetros entregando
suas águas ao nobre e respeitado rio Paraná.
O grupo, foi formado pelos trilheiros Carlos e Aracy, Tião e Vera, Mariana e Alcides, e o
Pita. Menos a Mariana e o Alcides que ficaram na tenda em baixo para dar apoio,
os demais subiram a Pedra Branca, a montanha que bota respeito. Foram a procura
do Unhudo, uma misteriosa figura que a domina.
Acomodados na margem, confabulam amedrontadas a aventura que
tiveram escalando a montanha a procura do eventual monstro.
Ficam ali olhando as águas rolando corredeira abaixo. No
meio, a ilha que divide e enraivece o volume espremido do rio que avança, é o
ponto pesqueiro.
Foi o tio Artur quem recomendou esse passeio de despedida
da aventura.
Numa casinha mais acima conheceram o seu Tonho, dono da única
canoa que os deixaria na ilha. Combinaram que antes da caída do sol, voltaria busca-los.
O seu Tonho forneceu as iscas e apetrechos de pesca. Dizia únicas próprias para
o local.
Pita, no grupo era o melhor pescador, usava varas que
impressionavam gente da cidade quando passava, sobrando metros fora do seu
velho Jeep. Mas ficou boquiaberto quando o caipira Tonho lhe deu anzol do
tamanho da mão e grosso cordel com alma de de aço em toda sua extensão.
— Seo Tonho, isto aqui é bom pra pegar crocodilo!
— Tarvez jacaré.— Brincou.
O Tonho sabia que aquilo era um exagero. Tinha ali
guardado há muito tempo e não ia dar as melhores do seu uso, aos turistas, que
ali aportavam. O pessoal da cidade ia lá para namorar. Pescar era só
embromação.
O seu Tonho comentando disse ter encontrado na ilha, fazia
3 dias, entre outras coisas, um garrafão enterrado com cachaça. Foi uma festa!
Seu casebre brilhou com o achado.
Montada a isca, o Pita deixou correr rio abaixo prendendo
a linha num galho de goiabeira. Em seguida juntou-se aos outros que admiravam
aquela ilha forrada de pés de pitangas, goiabas, bananas e árvores que
abrigavam centenas de garças brancas.
Vez ou outra passava um barco carregado pela correnteza
deixando a saudação amiga:
— Oi gente...
tarde......tudo bão aí...?
— Brigado...tudo bão...—
respondia o Alcides querendo comunicar-se, e quando de cócoras só levantava o
traseiro, a moda dos ribeirinhos.
Afinal quem é o Unhudo que
tanto procuraram?
As belezas da ilhota não foram bem exploradas. O que mais
fizeram foi contar e recontar os acontecimentos dos últimos dias,
inacreditáveis para a Mariana que já se dava feliz por não ter subido o morro.
Não participando da expedição, livre das emoções vividas pelo grupo, não
carregava com ela qualquer resquício do sofrimento suportado pelos outros. Era
ela a mais indicada para analisar e concluir quem é o Unhudo.
— Afinal quem é o Unhudo para você, Vera? — A Mariana, que
não se aguentava de curiosa, iniciou o desenrolar de perguntas:
— Eu acho que é um vento, como aquele que causou imensa
tropelia dos animais. Levantou tanta poeira que eu e o Carlos agarrados no
mesmo coqueiro não nos víamos. Era como uma enorme bolsa cheia de ar soltando
pressão, e disforme, com ação e força movimentando a mata, arrancando galhos,
rolando pedras e impondo suas ordens. O Unhudo é aquela massa de vento, não
tenho dúvida. Sua força destrói qualquer inimigo.
— E para você, Aracy, quem é o Unhudo?
— A Vera está enganada. Tenho quase certeza de que está em
forma de animal. Vi nos olhos daquele lagarto uma expressão chegada como se já
nos conhecêssemos de há muito. Ele não estava preocupado com nada mais, a não
ser querer falar comigo, expor algo que o prendia ali há muito tempo. Era ele
sim, vi suas enormes unhas. O lagarto é o Unhudo.
— Pita, agora você. Quem é o Unhudo?
— Por eliminação concluí que é um bruxo.
— Bruxo!
— É, naquela noite em que as vassouras deram um passeio em
torno da nossa tenda, as folhas varridas deslocavam estridentes gemidos como
que se negando a serem levadas para seu abrigo.
— Espere, Pita, e pra que?
— Vocês já ouviram falar em cultos com rituais latentes,
geralmente pregados sobre montanhas? São cultos que se realizam de várias
formas chegando à exploração dos fogos-fátuos para se sustentarem. Lavro
madeiras e sei como elas se comportam com atritos. E quando no mar mesmo sem as
folhas combustíveis, não acontece o fogo-de-santelmo? Como lá em cima há pouca
água, ele conta com essas folhas maceradas para produzir a torta.
—Que torta Pita?
Combustível que provavelmente alimenta toda aquela
neblina, onde tudo se esconde. Condensa as labaredas azuladas que lhe dão
forças de aparição, do jeito que quiser...
— Você está fantasioso Pita. Isso é iniciação, esoterismo.
—Como você explica o fato de com tanta mata ele colher
essas folhas nesse dia, e em volta da nossa tenda, hem? — Interveio Aracy.
— Ele não tinha outra escolha. Era 31 de outubro, o dia da
farra dos bruxos. Só lembrei depois. E nós procuramos a melhor clareira para a
montagem da barraca. Foi a melhor porque justamente é ali que ele varre e colhe
seu material. Estava preparada. Montamos a barraca bem embaixo da sua árvore
consagrada! Para mim o Unhudo é o bruxo com sua vassoura ruidosa que nos
assustou!
— Pita! Sua versão é de segurar o fôlego. Eu que não
estava lá quase me transportei. — Comentou a Mariana. E como conseguiu dar essa
esplendida explicação?
— Aí está a prova. Fui ajudado...
— Tá bom Pita, agora...
— E você Carlos, o que diz?
— Estão todos enganados. Quando fui picado pela cobra e
tomei aquela injeção com analgésico tive o sonho mais incrível e real da minha
vida.
Foi assim: Vocês se lembram da parte em que estávamos
agrupados e escondidos atrás dos troncos, vendo a farra dos bichos? Pois bem,
aí vocês fugiram, e eu fiquei. Todos os bichos do terreiro também se retraíram
diante do arrasto que se aproximava. Em seguida fez-se um assombroso silêncio!
... Silêncio emanado daquela nuvem de pó.
— Vai, continue. E depois?
— A poeira deixada pela debandada envolveu a área e num
passe concentrou um turbilhão de vento estático no centro do terreiro, e que
girava no seu eixo. Aí todos os animais que, proibidos não participaram da
festa, e estavam nas redondezas, começaram um intenso barulho com guinchos dos macacos
pulando e movimentos desordenados do restante. Fiquei encolhido, suava frio e
meus olhos arregalados observavam aquilo tudo. Engraçado que eu também me vi de
cima para baixo nesse estado!
— Nossa, Carlos! Vai continue ...continue.
— Todos os bichos aos gritos e prolongados silvos, desciam
correndo e atropelando-se postavam-se ao redor daquele cone giratório de um pó
dourado pela neblina.
— E você?
— Agarrei-me ao tronco. Senti várias cobras passarem por
mim, deslizaram sobre meus ombros, deixavam um brilho azulado e gosmento. Uma delas
picou meu braço. Olhei assustado e vi que inflamava formando uma grande bolha.
Quis identificar a cobra no meio de tantas que já estavam no terreiro e não
consegui.
— Olhe Mariana. — A Aracy cortou a conversa mostrando seus
braços— Estou toda arrepiada!
—Tem mais?
— Tem. Com um violento e último giro, a poeira subiu e no
meio lá estava ele. Veio do pó!
— Tá aí. Tenho razão. Do vento. — Confirmou a Vera.
— Porque você não me contou antes, Carlos? — Perguntou
indignada a Aracy.
— Não podia.
— Ué? Não podia contar para sua mulher! Sua esposa, por
quê?
— Fui proibido e ameaçado.
— Você ameaçado?!
— Sim! Fui, quero continuar...
— Apareceu imponente abrindo os braços recebendo e
saudando toda aquela bicharada.
Na sua mão direita sustentava uma cobra toda enrolada no
braço. Acho que era a mesma que me atacou! Virou-se para meu lado e a estendeu
na minha direção. Não posso explicar como, fui atraído e me aproximava dele
enquanto todos abriam caminho, com olhares fixos em mim.
Insensível, entorpecido cheguei e meu braço ferido
involuntariamente levantava em sua direção.
— E aí, Carlos? — Perguntou a Vera assustada. — Como ele
é?
— Olhei bem pra ele. Uma figura de rosto liso, bigode,
cabelo e barba brancos sem trato, enormes. Com a mão esquerda alisou o cabelo e
ao tocar na barba eu vi suas enormes unhas! Impressionava não pelo comprimento,
que era respeitável, e sim pela aparência roliça e cascuda. Vestia uma túnica
branca, largas mangas, que se confundiam com a neblina tingida pela poeira.
— E seu ferimento Carlos?
— Ah! Tem mais uma coisa que ia me esquecendo: Ao puxar o
cabelo mostrou que sua orelha era grande, a parte de cima caía e sustentava um
brinco.
— Um brinco...!
— Sim, o brinco era uma esfera na cor do ébano...isso, isso mesmo...no
tamanho e cor da jabuticaba. Enquanto isso ele mantinha aquela víbora que
mirava a picada e a estranha bola no meu braço! Ela soltava a língua,
bifendida, lançada tocava no meu ferimento. Um choque! Perdia o chão.
Querendo proteção, olhei para a bolha. Estava sumindo! Ela sugava!
Espantado olhei pra ele, fez sinal que me calasse enquanto ouvia, não de fora,
mas de dentro de mim o seguinte;
— Enquanto estiveres nesta montanha cale-se sobre isto, ou
morrerá.
— Internamente isso repetia em forma de eco, vibrava!
— Nossa! E aí?
— Concordei plenamente. Claro.
— E aí?
— Vocês me acordaram. Foi quando eu caí, com aquele saco
de dormir...
— E porque só agora você está contando e com tantos
detalhes?
— E quando deveria contar? — Só agora achei que podia,
estou fora da montanha, e sinto que só agora fui lembrado e ajudado nos
detalhes.
Todos ficaram bestas
e irados com a história do Carlos.
— Carlos, - interrompeu a Mariana.— Quem é o Unhudo?
— Não sei... se aquilo foi um sonho...
—Caramba! Vocês me enlouquecem.
— Tião, quem é o Unhudo?
— Nossos amigos estão envolvidos e confusos. Eu estive
mais próximo dele. Eu vi, subi e colhi jabuticabas.
Senti a morte de perto quando cai naquele abismo.
Enrosquei-me naquela pequena árvore. Jamais ela poderia ter nascido ali.
Apareceu no preciso momento. Senti sua presença. Morto seria mais um entre
eles.
— Um macaco... — Ironizou a Vera.
— Antes um macaco vivendo lá com as macaquinhas do que um
tímido e criticado cervo aqui.
A Mariana logo interveio:
— Estão degenerando minha pesquisa, gente. Volte ao
assunto Tião.
— Ok, ele existe e permanentemente vigia sua sagrada montanha.
Sagrada e consagrada pela exuberante mata que abriga um respeitável reino
animal que vive com um mundo irracional e mitológico. Libertam-se do racional
do jeito como fomos afastados do seu habitat. Ali não há lugar para o ser
humano porque este carrega mais veneno que aquelas cobras. Está preso a leis
arcaicas elaboradas para serem aplicadas por uma justiça de julgamento do homem
para o homem.
Não temos direito a autodefesa de imediato como têm e
revidam os animais irracionais lá em cima. É na própria hora que eles resolvem
seus problemas. No racional os inocentes se enclausuram enquanto os bandidos
estão soltos caçando, atacando e matando os desarmados por lei.
Continuou:
— O Unhudo engana a todos. Não podemos provar que vimos
uma ossada na gruta porque ela desapareceu.... Tampouco provar que ali vive um
velho arcado em seu cajado, ou mostrar suas faladas frondosas fruteiras. A
Pedra Branca é branca, tem brilho verde e é encantada.
Um dia o homem fará dela o que ela merece.
Um dia a força do conhecimento
humano impulsionada pelo desenvolvimento cibernético, quando o pensamento se
tornar realidade virtual haverá o entendimento com o misterioso Unhudo. O
protetor da natureza.
— O Pita
estava fantasioso e você não deixou por menos, hem Tião?
— Tenho esse
crédito! A pedra salvou minha vida!
— Tem razão. Sabe
que eu gostei? Mas, afinal você não disse quem é o Unhudo.— Completou Mariana.
— Acho que ele foi muito bom
comigo. Estou vivo! Por isso respondo sua pergunta convicto. Ele é diferente. É
fácil identificá-lo sem cometer erro. É preciso entenderem, e só passando pelo
que passei a gente encontra a resposta.
Não importa. Ele foi meu
protetor.
Enquanto isso...
Seu Tonho se inquieta com a volta. Mas foi cobrado pela Vera.
— É seo Tonho, na ilha, os homens pescando se divertiram.
Mostre pra nós agora aquela mágica misteriosa que disse ser de despedida.
Levantou-se pegou o facão e cortou um pau, grosso uns cinco
cm por dois metros.
O Tião não se conteve:
— Explique o que vai fazer, seu Tonho?
— Deixa ele,- interveio a Vera.
Começou furando a terra muito úmida, lama grossa e escura,
batendo e girando o pau até mais ou menos a metade.
— Ocêis não vão se
arrependê de vê isso! Quem tem um fórfe?
Curiosos juntaram-se em torno daquele pau que já perfurava
bem um metro. Tirando-o com força saiu todo lamacento, logo deixado de lado, acendeu
o fósforo na boca do furo.
Provocou com espanto e susto geral um curioso fogo de chão
com línguas compridas e azuladas!
— Nossa que magia, seo Tonho— Disse a Vera com aprovação
geral.
— Como acontece isso?
—É... gente da cidade. Por aqui não é só Unhudo, não. Tem
muito mais coisas misteriosas. Nosso grito de socorro no vale da serra, o espirito
do Unho devolve um Éco que rebimboca por todo
esse nosso vale.
A Mariana intervindo disse para o Alcides: Tá bem, tá bem,
só que ninguém me convenceu quem é o misterioso Unhudo.
O mínimo que faço agora é gritar, gritar...
—Unhudo!!!!!!
Unhudooo...
Ele não deixou por menos...
—Unhuuuuudo... unhuuuuuuuudo... unhuuuuuuuuudo...
Deus me livre Alcides... Vamoemboradaqui