Incrível coincidência
Fernando
Braga
Ano
de 1983. Início da noite. Havia chegado em minha casa, após árduo dia de
trabalho. Toca a campainha, saí para atender. Era um colega, muito amigo, que
morava próximo. Convidei-o para entrar. Sentamo-nos e ele disse:
-Desculpe
vir incomoda-lo a esta hora, mas preciso tirar com você uma dúvida.
-Atendi
ontem um paciente português, que veio conhecer o Brasil e passar uns dias com
seus parentes, aqui residentes. Dizia o portuga que logo que colocou os pés no
aeroporto começou a sentir-se mal, zonzo, sem equilíbrio na marcha, vontade de
vomitar e dor de cabeça. Chegando em casa de seu parente pediu para ir
deitar-se por não estar se sentindo bem. Sua prima comentou:- Será que não está
com saudade de Portugal?
-No
mesmo dia trouxeram-no ao meu consultório. Além da cefaleia, apresentava apenas
um ligeiro desequilíbrio para caminhar. Solicitei uma tomografia
computadorizada do crânio, que fez hoje à tarde e está aqui comigo. Foi
relatada como normal, mas decidi vir até sua casa para ouvir sua opinião.
Ao
examinar a tomografia logo percebi que havia uma imagem de hematoma subdural
bilateral, o que mostrei ao colega.
-
Mas, como não fizeram o diagnostico no Hospital? Retrucou ele.
-Provavelmente
porque, como é bilateral, não há desvio das estruturas da linha média e o
sangue subdural, está com a densidade parecida à do cérebro.
-
Bem, este paciente tem que ser operado e sem perda de tempo. Não se pode dar
chance ao azar. Deve estar com aumento da pressão intracraniana, que pode
descompensar a qualquer momento. Tem ele, alguma história de trauma na cabeça?
-Ele
não referiu nada sobre isto, e também não perguntei. Precisa ser hoje a
cirurgia? São oito horas da noite!
Você
tem o telefone deles? Peça-os para irem imediatamente para o hospital, não
comer mais nada e avisarem-me logo após sua internação.
Por
volta das 22,00 horas o paciente já
estava no centro cirúrgico pronto para a cirurgia.
O
hematoma subdural crônico, é a formação lenta de uma coleção de sangue escuro, venoso
que se forma sobre a convexidade cerebral. Origina-se após um trauma craniano,
que não precisa ser intenso, em geral, cerca de dois ou três meses, antes do
aparecimento dos sintomas. Diagnosticado, a operação deve ser imediata.
A
cirurgia consta de uma trepanação na região parietal anterior, abertura da
duramater, a membrana que envolve o cérebro. Em seguida, a abertura da capsula
do hematoma, por onde vai sair o sangue escuro liquefeito com pressão. É feita
a colocação de uma ou duas sondas de
nelaton para a drenagem e lavagem da cavidade com soro fisiológico. Esta
lavagem deve ser feita até que o liquido injetado saia da cor da agua, quando
se lava carne. A ferida cirúrgica é fechada. A sonda é deixada 24 hs, para sair
o restante do sangue e do ar que penetrou na cavidade, o que é feito pela
pulsação cerebral.
Trata-se
da cirurgia mais fácil dentro da especialidade e, com o melhor prognóstico.
Foi
este o procedimento feito neste paciente, só que dos dois lados, com a abertura
da capsula dos hematomas ao mesmo tempo, para evitar um desvio da linha média
do cérebro, caso seja esvaziado um lado e meia hora após, o outro.
O
paciente teve ótima recuperação e alta hospitalar no segundo dia. Conversei
bastante com ele, que se chamava Joaquim Aveiros. Disse morar no Funchal,
capital da Ilha da Madeira, onde trabalhava como taxista, com ponto no
aeroporto da cidade.
Em
nova viagem à Europa, decidi desta vez, fazer uma visita à Ilha da Madeira,
terrinha de meus vós, naturais de Sant´Ana. Estava com minha mulher e filha.
Descemos no aeroporto de Funchal, fui imediatamente alugar um carro, colocamos
nossas bagagens no porta-mala e já íamos sair, quando vi uns táxis parados
junto à porta principal e três taxistas conversando. Pedi licença à minha
mulher e caminhei em direção a eles. Aproximei-me, encarei-os e perguntei ao
que estava no meio:
-Me
desculpe, mas qual é o seu nome?
-Meu
nome é Aveiros, porque?
-O
senhor foi operado da cabeça, não foi?
-Fui
sim, como o senhor sabe?
-
Sei, porque fui eu que te operou!
Ele
me encarou e muito surpreso exclamou:
- É
o doutor Fernando?
-
Sou eu mesmo!
Meu
Deus, que coincidência! Faz 19 anos que o sr.me fez a cirurgia!
Fazia
muito anos, mas me lembrei do português que havia operado e que havia dito ser
chofer de praça, no aeroporto de Funchal. O nome dele eu havia esquecido, mas
quando ele falou Aveiros, imediatamente reconheci o nome, não a pessoa.
Cada
uma!!!
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