DILEMA - Sérgio Dalla Vecchia

 


DILEMA

Sérgio Dalla Vecchia

 

O relógio retrô da sala de jantar já havia tocado as doze badaladas, anunciando o falecimento do dia e brindando o nascimento de um novo. Acomodado na cama, eu acabara de assistir ao último telejornal do dia. Desliguei a luz do quarto e comecei a dialogar com o sono. Ele era difícil de conversar, mas, após algum tempo, acabava cedendo-me o prazer de dormir.

Ainda no primeiro estágio do sono, meus ouvidos captaram ruídos no andar térreo do sobrado. Logo passei para o modo alerta: respiração acentuada, ritmo cardíaco aquecendo-se para receber a adrenalina.

Daí a pouco, outro ruído — agora mais intenso — parecia que alguém estava mexendo em utensílios da casa.

Mais adrenalina, e o cérebro ordenou que eu pegasse uma arma.

Obedeci na hora. Com um porrete em punho, desci à caça dos ruídos misteriosos.

Pé ante pé, fui descendo cada degrau como se fossem feitos de ovos, acompanhado de um silêncio momentâneo, até chegar ao piso térreo. Nada!

Andei mais um pouco. Ouvi um barulho — e não um ruído. Coração a mil, dedo no gatilho... e lá estava ele: o assaltante!

Era o gato do vizinho! O boêmio que, além de pegar as gatas da região, ainda tinha tempo para bisbilhotar minha cozinha atrás de comida.

Quando me percebeu, fixou seus olhos felinos bem no porrete, depois os desviou para mim, exibindo os dentes afiados daquela boca escancarada. Eu não distinguia se era ataque ou conversa! Na dúvida, pró réu. Mantive-me estático, aguardando a reação do bichano.

De repente, manifestou-se com um miado desesperado: "Miauuu!" E veio em minha direção. Eu, ainda imóvel, o vi enroscar-se nas minhas pernas, carinhosamente, como se estivesse pedindo desculpas.

Assim, tomei uma atitude drástica: abri a geladeira e servi uma generosa porção de leite para o boêmio arrependido.

Dos males, o menor!

Decotes e acidentes de trabalho - Adriana Frosoni




Decotes e acidentes de trabalho

Adriana Frosoni

 

Furlan, o assistente do presidente da empresa, tentava equilibrar a xícara de café quando Doralice surgiu com aquele vestido que parecia ter sido feito apenas para desorganizar os pensamentos dele. O coração disparou; o suor escorria pelas têmporas e a razão falhava em assumir o controle da situação.

A mulher atravessou a sala, foi até a poltrona em que Olavo, seu marido, estava instalado e abaixou-se graciosamente para beijá-lo, sem o menor constrangimento diante do assistente. Tentando fingir naturalidade, Furlan tropeçou na ponta do tapete e lançou o café na direção do patrão, que urrou de dor e fúria.

— Furlan! O que deu em você?!

Doralice, aflita para resolver o problema, abaixou-se para recolher a xícara no mesmo instante em que Furlan também o fez, instintivamente. Acabaram ambos de joelhos, frente a frente, inclinados em direção à xícara. Foi então que o decote de Doralice se revelou traiçoeiro e capturou o olhar do assistente, deixando-o imobilizado.

O patrão, ainda ocupado em descolar a camisa do corpo para aliviar o calor do café, percebeu a cena e se indignou.

— Furlan! Hoje eu te mato…

Nesse momento, os olhos de Doralice e de Furlan se cruzaram e, naquele breve instante, tudo o que ele escondia há anos foi descoberto no susto. O destino, cruel, decidiu revelar o amor platônico no momento mais inoportuno.

E pensar que ele jamais teve intenção de se declarar… sentia-se indigno da atenção da patroa e se contentaria, pelo resto da vida, em apenas estar por perto, admirando-a em silêncio. Agora, porém, seu segredo estava exposto — e ele se via envergonhado por sentir qualquer coisa por ela. Não havia como reverter a situação, nem explicar que era somente um encantamento, sem esperança e sem querer ser atrevido.

Doralice levantou-se, recompôs o vestido e foi ajudar o marido a se livrar do incômodo. Antes de sair, lançou um olhar rápido para Furlan — o suficiente para ele entender que ela agora sabia. Ele pensou ter percebido também um leve sorriso de canto de boca, daqueles que as mulheres não conseguem segurar quando o ego está inflado por serem notadas e admiradas. Se isso fosse verdade, talvez seu amor não fosse tão platônico assim, e todo aquele rebuliço tivesse sido bom. Mas isso foi só um delírio momentâneo. Passou rápido e nem deixou vestígios.

Furlan não foi demitido e parou de tropeçar em tapetes. Mas nunca mais tocou em um café sem pensar em decotes.