A fábrica de robôs - Ises de Almeida Abrahamsohn

                                                        


                                    A fábrica de robôs

                                    Ises de Almeida Abrahamsohn


Júlio e Igor eram amigos de escola e moravam na mesma rua. Compartilhavam o mesmo entusiasmo por robótica. Passavam muitas horas na garagem da casa de Júlio montando circuitos, soldando cabos, instalando minúsculas lâmpadas de LED e criando robôs que executavam os mais diversos movimentos. Já tinham levado suas criações para competições e recebido um prêmio por seu robô ninja, capaz de lutar com espada e dar saltos como um guerreiro da época do Japão feudal. Porém, eram limitados pelos materiais disponíveis e os robôs tinham no máximo uns vinte centímetros de altura. O sonho dos garotos era construir um robô humanoide que executasse tarefas rotineiras na casa, como arrumar as camas, limpar o chão e os banheiros. Além de se livrarem dessas obrigações, imaginavam fundar uma Tech para desenvolver e vender os autômatos domésticos. Afinal, a Apple no início fazia as reuniões na garagem da casa do Steve Jobs.

Na sexta-feira à tarde Igor viu o recado de Júlio no celular. Era urgente. Ligou de volta. Júlio estava empolgadíssimo.


Cara, estava no carro na volta do dentista quando vi aquela nova construção do lado direito da avenida, sabe, aonde tinha a antiga fábrica de móveis. Reformaram e agora tinha uma placa “Robotech tecnologia robótica”. É lá que a gente pode conseguir material para o nosso robô.


Igor, que era mais sensato retrucou:


E aí, você acha que é só a gente chegar lá e eles vão nos receber sem mais nem menos?

 
Júlio não diminuiu o entusiasmo, queria ir até a Robotech de qualquer maneira.  Mesmo quando Igor argumentou que não daria certo. Até que Igor desistiu de convencer o amigo e aceitou de irem os dois até a empresa na segunda feira depois das aulas.


Foram de bicicleta pela rua de terra que saia da avenida principal até chegarem ao alambrado que cercava o prédio de blocos cinzento com uma única placa do nome da empresa. Uma guarita com roleta e câmara dava acesso ao entorno árido do prédio. Terra batida com algumas poças d’água. Prenderam as bicicletas a um poste de cimento e olharam pelo portão da guarita. Ninguém à vista. Estranho, pensaram, será que ainda não estão funcionando?  Porém viram duas caminhonetes brancas estacionadas do lado de dentro.


Quando estavam para ir embora, ouviram uma voz metálica.


Olá rapazes, boa tarde. O que desejam?

 
Júlio se apressou a responder que eram interessados em robótica, queriam visitar a fábrica e que estavam construindo um robô e precisavam de alguns materiais. Se tivessem alguns materiais para descarte eles podiam aproveitar.


A voz respondeu com:


  Um momento, preciso verificar.


Igor puxou o braço de Júlio. Vamos embora. Isto não está me cheirando bem. Mas o amigo insistiu. Vamos lá, Igor. É claro que se é uma fábrica de robôs não iam colocar gente para tomar conta da guarita. Tem a câmara filmando e a resposta é automática.

 
Alguns minutos depois o portão se abriu para os garotos. Chegaram à porta principal do edifício, ou pelo menos a única que viram. A enorme porta vidro gradeada por dentro com metal deslizou e eles estavam no que parecia o saguão principal, cimentado, de onde quatro rampas davam acesso ao andar superior. Nenhum ser humano à vista.


Igor, bastante nervoso falou:


Júlio, vamos dar o fora daqui. Você viu que não há janelas em lugar nenhum e nenhuma indicação escrita.

 
Eu li que onde eles fazem os chips para computador não tem janelas mesmo por causa da poeira e precisa ser tudo com ar condicionado e isolado. Então, fica frio, aí.


Foi quando ouviram por algum microfone de novo a voz metálica:

Subam pela primeira rampa do lado direito.



Ao subir, Júlio e Igor se defrontaram com três portas metálicas largas pareciam portas de elevador.

 
Sigam pela porta do meio, ouviram de novo a mesma voz com a instrução.

Você tá maluco, Júlio. Vamos embora. Isto tudo aqui tá muito estranho.


Mas Júlio não desistia. E ainda falou brincando:


Deixa de ser medroso, Igor. Você não leu? Agora com inteligência artificial as fábricas vão ser assim mesmo. Tudo eletrônico, tudo comandado por computador.


Igor, não estava convencido, mas calou-se.


Ao se aproximarem a enorme porta metálica abriu-se automaticamente.


Os garotos entraram e a porta fechou-se atrás deles sem ruído algum.

Era um enorme salão do qual nem se via o fundo. Ao longo da parede estavam presos por ganchos uns vinte robôs humanoides ainda inacabados, armaduras de metal faltando braços, ou pernas, outros sem cabeça ou tinham as cavidades dos olhos vazias.


No meio do grande salão duas esteiras com peças de metal. Havia braços, pernas, pés, mãos, tudo metálico e até olhos com cabos de conexão para serem instalados.  A um lado da esteira havia uma tela com projeções de corpos humanos com a musculatura exposta em movimentos diversos. Do outro lado havia outra tela com a imagem de um robô humanoide do tamanho de um adulto mostrada em três dimensões. O robô movia de maneira desengonçada pernas e braços. Os braços moviam-se em várias direções, a cabeça também e as pernas se dobravam e estendiam em ritmo automático. Era uma visão assustadora.


E não havia nenhum ser humano à vista!


Os dois olharam em volta e Júlio, com medo pela primeira vez, falou baixinho:


  Vamos dar o fora daqui, Igor!

 
Os dois garotos voltaram até a porta de entrada que permanecia fechada. Não havia maçaneta, trinco e nem mesmo um teclado numérico para acionar. Era controlada remotamente.

 
Estavam os dois presos ali. Ouviram de novo a voz metálica.
Como viram não conseguimos que os nossos robôs façam os gestos coordenados como os humanos fazem. Para aperfeiçoar os nossos amigos de metal vamos aproveitar que estão aqui para analisar os circuitos cerebrais de vocês enquanto fazem os movimentos. Vamos colocar os eletrodos em pontos do cérebro e dos membros e enquanto vocês andam, agacham ou pegam coisas com as mãos saberemos quais os circuitos cerebrais e nervosos são acionados e transferimos as informações para o computador e depois para os robôs. Não é genial?

 
Júlio e Igor, estavam apavorados. Como sair dali? Nem janela havia e a porta não se abriria para eles.


Temos que achar o computador que controla tudo isso, disse Igor. É a nossa única maneira de escapar daqui.


Dessa vez, Júlio concordou.

 
Deve haver uma outra saída daqui. Se achamos os cabos que controlam as portas, podemos tentar cortar. Você está com o seu famoso canivete suíço?

Foi quando viram, vindo do fundo da oficina dois robôs humanoides que se moviam na direção deles. Eram lentos e a cabeça se movia de um lado a outro, os olhos luminosos varriam o espaço para localizar os alvos.

Igor, falou.


— Eles têm sensores de laser nos olhos para nos localizar. Vamos pegar as peças do corpo dos robôs penduradas na parede e colocar na frente como escudo. São de metal, os lasers devem se desviar e eles vão se desorientar.

Dito e feito...

 
Júlio e Igor, cada qual segurando uma peça de metal à frente, foram acompanhando a parede lateral do enorme salão, movendo os escudos para despistar os humanoides que se deslocavam erraticamente pelo recinto.


De fato, havia uma outra porta metálica deslizante ao fundo do corredor. Estava aberta.


Uma rampa conduzia ao andar inferior. Chegaram a um enorme espaço pouco iluminado onde viram dois grandes computadores, Work Station, pareciam um armário com algumas luzes acesas.


E agora o que fazer?


O canivete suíço do Igor, não ia servir para nada.


Precisamos descobrir qual a fonte de alimentação para esta Work Station. Se cortarmos o cabo... disse Júlio.


—  E aí, seu sabichão como vamos achar o cabo? falou Igor. Além disso, se eu tentar cortar algum cabo de força vou levar um choque elétrico e posso até morrer.


O melhor é procurar uma porta de saída. Tem que ter. Afinal, eles recebem materiais aqui e algum técnico tem que mexer nos computadores.


Foi quando ouviram uma porta se abrindo no canto mais afastado.

É a nossa chance, murmurou Igor.


Vamos indo pra lá onde está mais escuro.

 
De novo foram se esgueirando pela parede. Ouviram duas pessoas conversando.
Os dois robôs grandes ficaram maluquinhos. Temos que ver o que aconteceu com eles.


Eu falei pro chefe que essa ideia de construir robôs para fazer serviços e depois assaltar os bancos não ia dar certo. Só tinha esses dois, que funcionavam mal e mal.


—  Preciso entrar no histórico gravado para ver o que aconteceu. O chefe disse que uns dois garotos entraram na sala de montagem. Devem estar ainda por aqui escondidos com medo.


Acho que vi duas bicicletas do lado de fora. O que fazemos com eles?


Cara! Não vamos fazer nada. Eu não quero me encrencar com a polícia. Nós só fazemos a parte de computador e tal. Nada de agressão. Não quero ser preso.

 

 

— Tá! E se o chefe perguntar? O que agente faz?
Esfria, cara. Entramos, não vimos ninguém. Desativamos os robôs e pronto.

Júlio e Igor estavam mais que apavorados, imóveis lá no canto mais escuro, respiraram para se acalmar. Ouviram os dois técnicos subirem a rampa e saíram porta afora. Correram como nunca, e saltaram a catraca. Ouviam a voz metálica repetindo para olharem para a câmara de identificação.
Soltaram as bicicletas e em minutos estavam pedalando para chegar na avenida. Para ficar o mais longe possível da tal Robotech.

No dia seguinte, ainda cogitaram em ir à polícia. Mas pra falar o que? A polícia não acharia nada lá. Era uma fábrica de robôs e eles tinham invadido a propriedade. Melhor ficarem calados foi a decisão.

Uns seis meses depois viram a notícia de um incêndio que destruiu completamente a fábrica. Ficaram aliviados.

 


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