Nove
Anos de Silêncio
Yara
Mourão
Um
nascimento é uma festa, uma agitação. Um renascimento também.
Só
que a espera é uma sensação e a esperança é um sentimento.
Se
esgueirando pelas portas abertas, a vida quer acontecer de qualquer forma. Ainda
que perturbando a ciência e glorificando os céus.
Bento
é como um baú enterrado com mensagens para serem lidas no futuro, quando forem
descobertas. E, também, é uma testemunha do tempo. De qual tempo? Desse que
passa célere e impiedoso, queimando memórias e roubando vivências.
Quando
apareceram os primeiros sinais de que Bento acordaria de seu coma profundo,
houve uma comoção enorme. Toda a família acorreu ao leito. Entre lágrimas e
orações, os apelos de todos fizeram os olhos de Bento se abrirem, suas mãos
tocarem outras mãos e ele balbuciou sons incompreensíveis.
Depois
que todos se foram, Bento se deu conta de que existia.
Mas,
ser um homem, o que seria? Seu corpo lhe era desconhecido; mexer qualquer coisa
era estranho e doído. Enxergar luzes e sombras, grandes superfícies ou detalhes
pequenos tudo era bem instável ainda. Mesmo perdido nessas sensações, ao menos
estava feliz percebendo que ainda estava vivo.
E
assim se passaram dias, semanas. Um pouco a cada dia Bento veio ao mundo. Ao
mundo que ele não conhecia mais.
Não
tinha lógica o que via nos jornais, ou na T.V. O idioma era quase outro,
recheado de abreviações incompreensíveis. E aquela maneira silenciosa e
interminável de comunicação pelo celular o incomodava bastante.
Bento
nem gostava de lembrar de seus anos passados. Já tinha pudor de fazer
perguntas, as pessoas se impacientavam com ele. Pois tudo lhe causava espanto e desilusão: “ Brexit? Como assim?
Covid-19? O que é isso? A rainha morreu?
Tsunami implacável?” Era uma jornada diária de sustos e decepções, o que levou
Bento a crer que dormira mais de um século.
Começou
a formar uma nova filosofia para a sua vida onde o tempo, ganho ou perdido, era
apenas uma questão de perspectiva, e que ele não iria mais se angustiar com
isso. Só queria viver.
Assim,
seguiu a vida.
E um
dia, cansado de tantas voltas que o mundo dá, chamou de lado o companheiro de
sempre, e disse assim, meio ansioso: “Sabe, uma coisa eu gostaria muito de
saber: será que nesse tempo todo o Corinthians foi campeão?”
Ai,
Bento, essa não!
Na
verdade, creio que por mais que se filosofe, uma coisa é eterna: o coração dos
homens é uma caixinha de surpresas, e às vezes, mais vale uma pequena notícia do
que uma grande revelação!
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