Histórias
de irmãos
Ises A. Abrahamsohn
Ivone,
apavorada, encostada na parede da cozinha, sentia no rosto o hálito quente do
whisky enquanto tentava se desvencilhar dos braços do cunhado.
Dois irmãos tão
diferentes. Leandro, seu marido, três anos mais velho, sério, estatura média,
cabelos escuros, olhos castanhos num rosto nem bonito nem feio. Roberto era
mais alto, esguio, cabelos louros, olhos verdes, perfil de Apolo e muito desejado
pelas mulheres. Mancava levemente do pé esquerdo, o que não o impedia de
praticar ciclismo e natação.
Leandro sempre velara
por Roberto cujo temperamento alegre era temperado por momentos de ira
descontrolada. Os irmãos aparentemente se amavam e apoiavam. Pelo menos até que
Leandro se casou com Ivone. Ivone não simpatizava com Roberto, porém disfarçava
o sentimento devido à proximidade entre os dois irmãos. A situação se complicou
quando Roberto mudou-se para o mesmo bairro do casal. O rapaz passou a vir
amiúde visitá-los, e frequentemente fazia comentários de duplo sentido para
Ivone que, inocentemente, os ignorava. Bobagens
de rapaz paquerando as moças nos barzinhos, pensava, sem dar importância maior.
Até
aquela sexta feira, fim de tarde, quando Ivone abriu a porta para o cunhado.
Ela percebeu que Roberto tinha bebido mas, como sabia que ele tinha assuntos a
tratar com o irmão, deixou-o entrar. Leandro só chegaria em uma hora. Ivone
ofereceu café que ele desdenhou.
─ Não quero café, querida. Quero você! Falou,
avançando na sua direção.
Ivone, horrorizada, foi recuando até a
cozinha, seguida de Roberto. ─
Pare com isso, você está bêbado, Roberto. Leandro logo vai chegar...
Mas o rapaz não
desistiu, encurralou-a no canto da cozinha e tentava a todo custo beijá-la.
Ivone o empurrou com força até que, se desequilibrando, Roberto escorregou e
caiu no chão da cozinha. Ivone agarrou uma faca e ameaçou:
─ Se você não parar vou contar ao Leandro. Não
quero saber de você. Não gosto de você e jamais gostei. Estou cheia dos seus
avanços e gracinhas. Hoje foi a gota d’água. Até agora não contei nada ao seu
irmão, porque sei que o quanto são ligados e porque sei que ele sempre te
apoiou. Eu amo o Leandro, entende? Minha vida é com ele!
Roberto, ainda estirado no chão,
revidou:
─ Você ainda vai ser minha, ainda que eu tenha
que tirar Leandro do caminho. Ele já me deixou aleijado, não vou deixar que ele
me roube seu amor.
Ivone, horrorizada, retrucou:
─ Sempre achei que você gostasse do seu irmão,
assim como ele sempre te protegeu. O acidente no mar foi uma fatalidade. Ele
tentou te salvar, mas teu pé foi pego pela hélice do motor. E afinal, você
manca um pouco, mas não é nenhum aleijado.
Roberto, se levantou ainda tonto da
bebida e da queda e resmungou:
─ Essa é a história que ele conta, mas ele é
quem tem a culpa pelo acidente. E eu o odeio! Entendeu? Eu o odeio. Sempre o odiei quando ele com aquele jeito
contido, responsável, todo certinho, se punha a me aconselhar. Queria matá-lo.
E quando você apareceu, o ódio cresceu junto com meu amor por você. Era a
mulher que eu queria, linda, muito linda, inteligente, advogada, assim como eu!
Que bela dupla nós faríamos, hein? Já pensou?
Ivone, apavorada com
o delírio do cunhado, tentou acalmá-lo...
─ Roberto, vá embora. Você está bêbado. Amanhã
vai se arrepender de ter dito essas coisas.
Mas o rapaz, ainda
fora de si, agarrou a faca que ficara sobre a pia e correu para a sala para
perto da porta. Ivone correu para apanhar o celular, mas Roberto deu-lhe uma
rasteira que a fez bater o ombro numa mesa de mármore. Foi quando ela ouviu a
chave rodando na porta de entrada. Era Leandro chegando... Com esforço, apesar da dor, Ivone levantou-se,
pegou a estatueta de bronze de Apolo do aparador e acertou a cabeça do cunhado
que desabou ao chão no momento que Leandro cruzou a porta. A ambulância foi chamada, mas em três
dias Roberto não acordou. Ivone foi absolvida por homicídio culposo, mas após
seis meses se separou de Leandro. A morte do irmão permaneceu, indelével,
sempre presente, entre os dois. Afinal, Roberto conseguiu afastar Ivone do
irmão.
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