O lago da antiga
infância
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Felipe
insistiu ao telefone. ─
Venha, Marcos. Descansar aqui, longe de tudo, fará bem a você. Lembra? Éramos
crianças e, todo o ano, nas férias a gente vinha para o sítio da vó Ida. Ela
nos ensinou pescar.... Cê lembra ainda? Todo o dia à tardinha ela chegava à
beira do lago. Tinha uma cadeira velha que só ela usava. Trazia o caniço e o
cestinho de iscas ou às vezes ficava lá só pra ver o pôr do sol. Era a
meditação dela. Venha! Vai fazer bem a você.
Desde
quando a avó falecera há vinte anos Marcos nunca voltou lá. Os pais queriam
vender a propriedade, mas Felipe insistiu que tomaria conta, ninguém precisaria
se preocupar. Até pensava em se mudar para lá com a família. O que, é claro,
nunca aconteceu. A cunhada e os filhos se negaram terminantemente a viver
naqueles ermos.
Ele
mesmo até tinha se esquecido da existência do sítio. Quase não tirava férias.
Apenas uma semana de folga aqui e ali. Sempre o trabalho, cada vez mais
trabalho, exigências, pressão até que não aguentou mais. O médico disse que se
tratava de “síndrome de burnout”. Tinha que se afastar por um tempo. O convite
do irmão vinha a calhar. Respondeu que iria sim. Dentro de dois dias. Iria só
ele. A mulher detestava mato. Tinha alergia a mosquitos. Ela ficaria feliz em
ir para o apartamento da praia.
Após
desligar o telefone, Marcos sentou-se na poltrona da sala. Lembrava pouco da velha
casa. Apenas que tinha varanda. O piso era de cimento queimado vermelho. A
cozinha com a antiga geladeira de porta única, ,o fogãozinho a gás e um filtro
de barro queimado. Nada mais.
Porém,
vívido, como se fosse ontem, viu o estreito caminho em meio ao mato que levava
ao lago. Via a si, menino, caminhando até o envergonhado ancoradouro construído
pelo avô sobre troncos de eucalipto, as tábuas sem pintura já ensaiando
apodrecer. A cadeira lá à espera, de
braços enferrujados e assento puído. Amarrada a um esteio, descansava a canoa
larga, caipira, de madeira alcatroada, sempre fedida a peixe na qual ele e o
irmão remavam até o meio do lago. Existiria ainda a canoa? E o silêncio quase
absoluto no meio do lago, quebrado apenas por algum pio de pássaro. Pescador quase
não fala...
Até
o fim da tarde ficavam os dois irmãos. Até quando o sol poente iluminasse a
mata do outro lado. A superfície da água espelhando o céu tingido de vermelhos
flamejantes. Ao voltarem, os remos revolvendo as águas em infinitas nuances do amarelo
ao rubro mais escuro. O ancoradouro já alcançado entre as primeiras sombras da
noite. A avó Ida ali sentada, suave como a paisagem, os cabelos brancos
iluminando o rosto. ─
Não esqueçam de amarrar a canoa e de trazer o balde com os lambaris.
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