Sodaroman - Sérgio Dalla Vecchia

 


Sodaroman

Sérgio Dalla Vecchia

 

Os casais formados por pessoas que passaram a maior parte de suas vidas intrinsicamente, não deveriam absorver, ao meu entender, o título de eternos namorados. Esse substantivo se adapta muito bem aos principiantes, que se alimentam exclusivamente do amor virgem, de quem nada conhece, mas sonham embevecidos pelo porvir. Isso é lindo!  Entretanto, para nós veteranos pode ser considerado até como um não reconhecimento das nossas proezas.

Logo, o dia dos namorados tradicional não deveria ser comemorado por tais casais.

Esses vencedores, conseguiram sobreviver aos contraditórios da vida por anos a fio, até agora no limiar das suas existências, equilibrando-se sabe Deus como, na gangorra da vida.

Para esses, o doze de junho careceria ser trocado, de dia dos namorados para dia dos sodaroman!

Mas que palavra estranha é essa sodaroman, o leitor curioso poderá perguntar?

Simples, nada mais é que a palavra namorados às avessas e representa fielmente toda a trajetória de vida do casal.

(Só Dá Romance), o ce inseri apenas como sílaba figurante.

Assim para comemorar o dia dos sodaroman, seria gratificante que cada casal criasse seu romance de forma retroativa, repassando toda a vida em comum e decerto capítulos não faltarão!

Que não esqueçam dos filhos, das lágrimas, das conquistas e das tantas outras cenas marcantes, romanceando-as de agora para outrora até culminar no inesquecível primeiro beijo.

Ah! Momentos mais intensos e apaixonantes foram muitos, bem lá no começo do fim!

Feliz dia dos sodaroman a todos os casais veteranos!

12/06/2025

 

 

 

 

EMOÇÃO - Antonia Marchesin Gonçalves

  


EMOÇÃO

Antonia Marchesin Gonçalves

 

         Minha cidade Jesolo, província de Veneza, Itália. Fui com o um propósito de levar meus livros bilíngues para os meus parentes. Aproveitei para visitar também a Biblioteca da cidade para deixar os dois livros para consulta rotativa. E, para a minha surpresa, pediram mais dois exemplares que fariam parte do acervo da Biblioteca como escritora 

ESMERALDO (PELÉ) - Sérgio Dalla Vecchia

 



ESMERALDO (PELÉ)

Sérgio Dalla Vecchia

 

Esmeraldo era um menino diferenciado. Tomava conta de carros no largo Santa Cecília, em São Paulo. Lá, além da Igreja, havia uma boa loja de tecidos denominada Padrão Chique.

Ele, como outros tantos meninos negros na época, levava o apelido de Pelé. Privilégio daqueles que poderiam ser comparados ao famoso jogador de futebol chamado Edson, mundialmente conhecido e que eternizou seu cognome Pelé.

Esmeraldo, irei retratá-lo doravante de Pelé, enxergava todas as pessoas com a mesma cor. Igual para igual, sem restrições. Respeitava e recebia em troca o respeito.

Assim, com sua simpatia impar e um sorriso da maior boa-fé, conquistou o carinho das pessoas da praça.

Lavava carros, carregava sacolas e distribuía gentilezas, sempre com o sorriso largo que o caracterizava.

Certo dia, a dona da loja de tecidos, habituada aos predicados do menino, achou por bem o convidar para trabalhar na loja.

Pelé já não lavava mais carros, era um ótimo ajudante de serviços gerais.

Passaram-se anos, mas por motivos comerciais a loja de tecidos acabou cerrando as portas. O menino cresceu e já era di maior.

Meire, a dona da loja, preocupada com o futuro do Pelé, fez alguns contatos e conseguiu um emprego em um posto de saúde, onde ele lá trabalhou até se aposentar.

Nesse ínterim aconteceu o casamento dele com Dina e tiveram dois filhos.

Com sacrifício, um formou-se engenheiro civil e o outro seguiu no mercado de trabalho.

Aconteceu que Luiz, primo da Meire, possuía uma construtora e, por conviver com o histórico de Pelé, estendeu a mão contratando seu filho engenheiro. Onde trabalhou durante anos até sair para montar uma pequena empreiteira de obras.

Uma das características peculiares do Pelé foi o reconhecimento das ajudas que recebeu durante seu desenvolvimento como pessoa.

A forma mais carinhosa que encontrou foi levando chocolates para os membros da família na Páscoa e no Natal por anos a fio.

Pelo destino, quase todos da família nos trocaram pelo plano espiritual.

Atualmente, Pelé mora em Atibaia e mantém uma lanchonete com um dos filhos. O outro engenheiro continua firme com sua empreiteira em São Paulo.

Assim, por ser minha esposa um membro da família e eu o conhecer desde o tempo de namoro, temos a regalia de continuar recebendo-o em nosso lar ainda hoje.

Adoçando nossas vidas com chocolates e nos alegrando com seu sorriso despretensioso.

Testemunho essa história viva de superação de quem nada buscava, apenas rasgou seu coração puro para o Universo, que prontamente reagiu, dando-lhe as oportunidades necessárias nos momentos certos.

 

 

 

 

 

DETETIVE APOSENTADO - Antonia Marchesin Gonçalves

 



DETETIVE APOSENTADO

Antonia Marchesin Gonçalves

 

             Silvio estava inconformado por ter que se aposentar, mesmo após quarenta e cinco anos de intensas atividades.

          Recém-aposentado, decidiu mudar-se para a sua casinha na praia de São Vicente. Recentemente, perdera a esposa após longo tratamento de câncer, tinha certeza de que lá teria qualidade de vida.

           Após um mês da mudança, já estava ambientado na cidade e se aventurava a algumas caminhadas na orla. O sol ofuscava sua vista, para evitar isso, além dos óculos, ele usava o chapéu de palha importado do Caribe. 

         Nesse dia, percebeu que no final da rua havia um grupo de jovens dos seus dezoito anos, rindo muito e brincando entre eles com tapinhas nas cabeças. Eram seis garotos. Ao passar pela calçada, começaram as gozações. Vizinho novo, diziam e um deles pegou o chapéu e, debochando, punha na sua cabeça:

— Oi, fico bem de chapéu de velho?

             Pela sua experiência, Silvio viu se tratar de marginais delinquentes. Lançou a mão na tentativa de tomar de volta seu chapéu.  Foi aí que começaram a passar de uma mão para outra, na brincadeira de “bobinho”. Ele está no meio tentando pegar o chapéu, todos rindo. Irritado, tentou dar um soco no que estava mais perto, foi em vão. Sentiu-se humilhado e furioso, partiu pra cima dos outros, foi aí que começaram os pontapés, tapas na cabeça. Muitas risadas; olha o velhinho querendo reagir, diziam. Foi quando levou um pontapé no estômago e desmaiou.

             Quando acordou, um vizinho que tudo assistiu chamou a polícia. Sentiu-se revoltado, os policiais contaram que não conseguiam domar essa pequena gangue e que tinham a proteção do chefe do morro.  Viu seu chapéu no chão, ainda bem que não estragou, “vou acabar com eles, isso não vai ficar assim” — pensou.

            Nos dias seguintes, Silvio chamou o seu parceiro da polícia João, que também estava recém-aposentado e contou o caso. Juntos, resolveram que iriam dar uma lição nos marginais.

             Lógico que eles, os marginais, demoraram um tempo para voltar na sua rua. Silvio descobriu que eles atuavam nas vizinhanças por diversão e também para pequenos furtos, como dinheiro e relógios, sempre de idosos. Silvio e João convocaram a nova geração de policiais detetives da ativa, seus amigos e armaram um plano. Os dois seriam a isca e ao serem abordados com a escuta, chamariam seus colegas de folga.

               Assim foi. Num final da tarde, caminhavam pela orla quando viram o bando, os mesmos seis.

             Ao passarem, foram abordados e as mesmas brincadeiras com as agressividades, Silvio deu o alarme na escuta e mais quatro amigos vieram de imediato. Deram a maior surra nos delinquentes. Apavorados, prometeram não mais voltar. Finalmente, Silvio e João puderam gozar de suas aposentadorias em paz.

            

 

            

            

Lembranças da Escola. - Sérgio Dalla Vecchia

 



Lembranças da Escola.

Sérgio Dalla Vecchia

 

Grupo Escolar Érico de Abreu Sodré, inaugurado há duas quadras da nossa casa na Rua Luiz Góes. Ano esse que coincidiu com a idade apta para se ingressar na Escola Primária na época.

Pérsio e eu somos irmãos gêmeos univitelinos, portanto, juntos fomos matriculados naquele Grupo novinho em folha.

A emoção foi grande para os nossos poucos sete anos.

Primeiro contato com os colegas, a professora Alcione, a cartilha de alfabetização Caminho Suave, a merenda e tantas outras novidades. Enfim, um novo mundo surgiu!

Nesse período de adaptação, algumas crianças sentiram o impacto do inusitado, disciplina, ordem e tarefas a se cumprir. Daí surgiam choros, birras e outras manifestações. Assim, aflorou no meu irmão uma reação de insegurança. Ele não conteve a emoção e a descarregou nas próprias calças. Era cocô mesmo!

A diretora atenciosa tomou as providências e nós fomos para casa! Pérsio, envergonhado, cabisbaixo, me segurou e, de mãos dadas, lá fomos nós para os braços seguros da Mamãe Yvette. Os dois choravam, ele pelo cocô e eu por solidariedade, mas nada que um abraço caloroso de mãe e um bom banho não curasse.

Eu me senti um herói pela segurança que lhe ofereci, escoltando-o pela Rua Acarapé.

Esse fato ocorreu só uma vez, pois ele logo entendeu a nova vida e a aceitou tranquilamente.

Assim, tudo se acomodou e o aprendizado ia muito bem, éramos bons alunos.

Vieram as esperadas férias de julho e a família foi para a fazenda do vô Chico, no município de Ibitinga.

Era só alegria, passeios a cavalo, mergulhos no poção, ordenha das vacas, leite purinho na hora, laranjas no pé e gomos de cana-de-açúcar para mascar.

Tudo ótimo, mas acabaram-se as férias.

Saída de madrugada, vô Chico e vó Maria emocionados no portão nos acenando, e o Ford 51 partiu para a jornada de quase seis horas, com direito à estrada de terra e suas sequelas.

Enfim, São Paulo!

Jururus, seguimos para a Escola logo no dia seguinte. Flashes das férias ainda pipocavam nossas mentes.

Ocorreu que, no auge da aula, uma angústia incontrolável me envolveu e cresceu a cada segundo até extravasar em lágrimas.

Envergonhado diante dos colegas, debrucei-me sobre a carteira escolar. Surgiram soluços e logo a professora me acudiu, dirigindo-me à diretoria.

Serenado com as palavras carinhosas da diretora, fui contendo o choro até que ela, em momento propício me indagou:

— Por que você está tão triste, Sérgio? Pode desabafar comigo, querido!

Ainda melancólico, encarei, foquei firme os olhos dela, criei coragem e lasquei o verbo:

— Saudades de Ibitinga!

Lá se foram os gêmeos de mãos dadas outra vez para casa.

Pelo menos dessa vez, sem cocô, somente lágrimas.

 

 

 

Cheiros de São Paulo - Sergio Dalla Vecchia

 


Cheiros de São Paulo

Sergio Dalla Vecchia

 

Na minha longa trajetória de engenheiro civil de infraestrutura, oportunidades não me faltaram para conhecer diversos lugares, pitorescos às vezes e nem tanto em outras.

Minha área de atuação era na cidade de São Paulo e municípios adjacentes.

Por tanto dirigir o automóvel pelas ruas e avenidas, meus sentidos se acostumaram e gravaram determinados aromas, odores, cenas características de locais, sensações prazerosas e tantas outras nuances da terra de Piratininga.

O cheiro, decerto, locai, mesmo antes de lá chegar, meu GPS humano informava as coordenadas, era meu Waze.

Descrevo abaixo algumas sensações captadas pelos meus cinco sentidos que me tocaram:

Quando chegava a São Paulo pela rodovia Castelo Branco, já na confluência do Rio Tiete com o rio Pinheiros (Cebolão), já salivava com os cheiros adocicados de uma fábrica de aromatizantes naquela região, ora cereja, ora uva, morango e tantos outros sabores.

Na construção da av. Escola Politécnica, o aroma dos panetones ao forno na fábrica ali instalada na época melhorava em muito o meu humor.

Na zona Leste, em São Miguel, durante a construção de um coletor de esgotos, o trajeto passava defronte a uma pequena fábrica de biscoitos champanhe. Ali, o aroma dos farináceos rodando pelas esteiras pós-fornada me seduzia.

Convidado pelo proprietário da fábrica, tive o prazer de degustar alguns desses biscoitos quentinhos retirados na hora. Inesquecível!

Já na zona Oeste, em Itapevi, tive o privilégio de ir à inauguração da Casa Suíça da Wickbold. Lá presenciei a extrema qualidade dos bolos, acompanhando a produção e degustando fartamente cada produto, hipnotizado pelo cheiro dos fornados quentinhos.

Na zona sul, existia uma fábrica de pães da Pullman, de longe eu a identificava. Que delícia!

Não poderia esquecer das cores e perfumes das orquídeas, mantidas em luz, temperatura e umidade ideais, nos orquidários do Parque do Estado, onde peixes coloridos desfilavam em pequenos canais de pedra, completando o cenário paradisíaco. E, na área ao lado, o canto dos pássaros e os urros das feras do Jardim Zoológico descerraram as cortinas do palco.

Não citei o mau cheiro dos rios Pinheiros e Tiete, pois notei, presentemente, evidências de revitalização, como dragagem do leito, paisagismo das margens, construção de usinas de tratamento de esgotos, efluentes e outras medidas oportunas.

Assim, finalizo este texto revigorado pelo oxigênio das Matas do Horto Florestal na zona Norte!

Sou otimista, ainda teremos uma São Paulo de rios piscosos, despoluída e repleta de cheiros agradáveis.

Difícil, mas não impossível!