Mar Aberto - Adriana Frosoni

 

 


Mar Aberto

Adriana Frosoni


Camila o sentiu antes de vê-lo. O perfume amadeirado e cítrico de Rodrigo, seu ex-amante, atravessou os três anos de ausência como uma flecha. No convés do cruzeiro, cercada pelo cheiro de sal e pela culpa, ela congelou. Henrique, seu marido, distraído entre os amigos, não percebeu.

Camila temia que um gesto em falso ruísse o frágil castelo de silêncio que sustentava seu casamento. À noite, enquanto fingia tranquilidade ao lado de Henrique no jantar, a fragrância de Rodrigo voltou a invadir o ar — e a memória. Ele surgiu com um blazer branco, sorrindo com a velha insolência. Era o mesmo: envolvente, descomprometido, devastador.

Mais tarde, sozinha na cabine, ela relembrou a noite em que tudo começara a desmoronar — um beijo ignorado por Henrique, a frustração silenciosa, o fim da intimidade do casal. Tudo isso culminou na entrada furtiva de Rodrigo em sua vida. As lembranças foram interrompidas por um bilhete deslizado por debaixo da porta:

“Cruzeiros são ótimos para encontros inesperados. Convidei o acaso e ele aceitou.”

Sem assinatura. Sem data. Sem remorso.

Na manhã seguinte, Camila subiu ao convés. O bilhete ainda pesava no bolso. Ela se apoiou na balaustrada quando sentiu o calor de uma presença atrás de si. Não se virou.

— Vá embora, Rodrigo. Você não sabe mais nada sobre mim.

— Sei o suficiente — disse ele, numa voz insinuante. — Sei que entre o desejo e a convenção, você escolheu o primeiro. Mas depois me enterrou como se eu fosse um erro.

Ela se virou de frente para Rodrigo:

— Quer saber? Conte ao meu marido, vá em frente! Faça deste cruzeiro um espetáculo. Não tenho medo de você, nem dele.

Rodrigo murchou. Ela, não.

Em passos firmes, Camila desceu para a aula de yoga.

Ao voltar para a cabine, Henrique despertava.

— Foi ver o nascer do sol?

— Fiz um pouco mais que isso — respondeu, serena.

E, naquela manhã clara, enquanto o navio cortava o mar, Camila descobriu uma liberdade que era só dela. Íntegra. Ancorada. Pronta para navegar, ainda que viessem tempestades.

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