O VERSO MAIS LINDO - Dr. Oswaldo U. Lopes

 

   


      

O VERSO MAIS LINDO

Dr. Oswaldo U. Lopes

 

Contam que Guilherme de Almeida elegeu o verso mais bonito da língua portuguesa, o seguinte:

— E tu pisavas nos astros, distraída.

Tão bonito que até propôs trocar o nome da música do Orestes Barbosa para “Chão de Estrelas”.

Não discuto a escolha de Guilherme de Almeida, falta-me desde qualidade, até fama e jeito poético. Aliás, sou tão estranho no mundo dos poetas que escolhi como verso dos mais lindos, um verso que não é verso, mas uma simples frase de uma peça teatral. Autora: Maria Clara Machado.

Peça; Pluft, o fantasminha.

Frase: Mamãe, gente existe?

Tantas ideias vêm junto que Pluft se tornou um clássico do teatro infantil. Eu assisti umas duas vezes acompanhado das minhas crianças (uma ótima desculpa). Não é fácil encontrar um ator mirim que tenha a idade certa e o momento certo para fazer o Pluft. Ele pode já ser muito velho e não convincente (se preferirem pode não ser consebastião, como brincava o meu inesquecível técnico Alexandre–da USP)

Sempre achei, e continuo a achar, a ideia do fantasma que tem dúvidas se gente existe, genial, com múltiplas possibilidade e encaminhamentos. Pluft está perguntando se gente existe, dando certo e claro que ele, fantasma, existe e até já viu gente.

O teatro infantil sempre me agradou, lembro-me bem de, em Londres tínhamos uma frisa para assistir Peter Pan, e o Capitão Gancho, vinha pela borda da frisa com seu gancho espetado cutucando o veludo da própria. Meus dois filhos ficaram assustados para valer e eu fiquei sério, minha mulher ria muito e o teatro todo era lindo visto dali. Além do capitão Gancho outros atores passavam pela frisa: Peter Pan, Wendy e até Sininho.

O que nos leva a outro personagem, este real, chamado Sr. Nuarc que tinha uma lojinha a cem metros de casa numa pracinha no bairro de Hampstead. A sala dele era minúscula, tinha um balcão onde ele atendia e atrás armários cheios desses vãos que se veem em hotéis, onde ele enfiava misteriosos envelopes. Em meio aos armários, uma porta dava pra trás, certamente não tinha jardim ou quintal. Tenho-a ainda na minha cabeça, mas não é fácil descrevê-la.

Você chagava e pedia quatro lugares para assistir Peter Pan. Ele dizia que por esse preço melhor comprar uma frisa. Estas, argumentava ele, não eram tão mais caras e ofereciam um espetáculo inesquecível. Para variar o Sr. Nuarc tinha toda razão. Mas o incrível é que ele arrumava ingressos para quaisquer espetáculos e sempre os melhores lugares. Quando você ia conferir os preços no teatro de verdade, eram os mesmos, ele não cobrava nenhuma comissão. Se você acha que o Sr. Nuarc era só lugares no teatro, está sumariamente enganado.

Queríamos passar o Natal na Áustria e fomos consultá-lo. Arranjou-nos por um preço muito acessível uma estação de esqui na Áustria, Fiberbrun, maravilhosa, quase junto a Salzburg, a terra do Mozart, onde passamos um dia inesquecível.

Estamos falando dos anos entre 1974–1976, certamente não encontraríamos, hoje, estas facilidades a cem metros de casa, com opiniões e conselhos que a Internet não nos dá.

 

 

Paixão avassaladora - Dr. Oswaldo U. Lopes

 


Paixão avassaladora

Dr. Oswaldo U. Lopes

 

No mais das vezes, estamos acostumados a ver ao nosso redor famílias organizadas segundo um padrão que não muda muito no chamado mundo ocidental. A mulher escolhe o homem, queiram ou não os meus detratores, constituem uma família e têm quantos filhos lhes aprouverem. Se não aprouverem, recorrem ao aborto. Legalmente, há três possibilidades de abortagem no Brasil.

1-  Fetos anencefálicos.

2-  Eminência de morte materna.

3-  Fetos frutos de estupro.

 

      Quanto ao aborto, as mulheres se acham donas da matéria e não há como negar-lhes o interesse e o efeito que têm nelas a história. “Assunto de mulheres” é não só um filme argentino, mas uma verdade incontestável. Sucede que, numa sociedade democrática ocidental, os homens também votam, embora desconhecendo certos aspectos da matéria que fazem a distinção de gênero.

      No chamado dia a dia, há inúmeras maneiras de evitar a concepção. Alguns temporários, outros definitivos. Parece que a grande questão é saber se existe uma paixão tão ardente, tão arrebatadora que tudo isso é esquecido, do que resulta, entre outras, nas mais conhecidas: a abortagem ou na monoparentalidade.

     É difícil avaliar abortagem de fato. Por força de lei, ninguém aparece com aborto por gravidez indesejada nas folhas do Hospital. Ainda assim, há várias maneiras de se realizar a interrupção da gestão. A agulha de tricô da aborteira da esquina. A clínica de aborto instalada numa casa com todos os aparatos necessários e os títulos falsos para internação em hospital conceituado. Curetagem de prova, a fala é tão conhecida que já apareceu em show de estudantes.

      Tudo isto torna muito difícil qualquer levantamento estatístico ou não sobre as características do aborto, as condições em que são praticados. Há paixões tão intensas e arrebatadoras que não se leva em consideração a prenhez não desejada. Para muitos, isso não existe, os casais têm consciência e domínio sobre o ato sexual. Para outros, a paixão sem limites, o desejo dos corpos domina sobre a frieza do arranjo intelectual. O crescimento da criação monoparenteral, vide as cidades grandes americanas ou as favelas brasileiras, mostram isso com clareza.

     Família, aborto, prenhes não esperada, criação de filhos, presença de ambos os pais, tudo isto aparece numa grande mistura onde procuramos nos identificar e colocar sem sucesso. O entendimento é complexo e nos faltam dados e informações que nos ajudem.

     Às vezes misturamos literatura com realidade. Se pensaram como eu no grande exemplo de Romeu e Julieta, aí temos a campeã da ficção. Mas onde colocar Tristão e Isolda, Fernão de Aragão e Isabel de Castela, e se estamos a falar de Portugal, por que esquecer Pedro e Inês? Por aqui mesmo, Anita e Garibaldi, e, de armas na mão, Bonnie and Clyde?

    Como viver uma paixão arrebatadora sem ser vítima da prenhez indesejada? Como deixar de ser humanos, se tudo isso está escrito em nossos genes?

      

      

 

O DESTINO DE FERNANDO - CONTO COLETIVO 2025

 


O DESTINO DE FERNANDO
Conto coletivo em andamento.



PERSONAGENS:

Virgínia / Evandro / Jorge, pai dela / Fernando, filho de Virgínia, Evandro (pai de Fernando), Dolores (companheira do avô Jorge), Queiroz (gerente do haras), Lenita Fragoso (investigadora).

CENÁRIO INICIAL: Rio de Janeiro – Copacabana

CENÁRIO RESIDENTE: Cidade de Lapinha em Minas Gerais

CENÁRIO FIXO: Vassouras, RJ



O DESTINO DE FERNANDO

 

Trechos elaborados por:

Ledice Pereira, Yara Mourão, Silvia Villac,  Suzana da Cunha Lima e Sergio Dalla Vechia

 

 

A VIAGEM INESQUECÍVEL

CAPÍTULO I

 

Estava amanhecendo quando o ônibus chegava ao Rio de Janeiro vindo de Lapinha, Minas Gerais. Uma tênue nuvem de ocre transparente cortava na horizontal o céu, criando uma silhueta mágica no perfil da cidade.

Virgínia esfregava os olhos, já se maravilhando com a impressão fantástica que tudo lhe causava. Sempre imaginara estar numa grande cidade, de arranha-céus, avenidas movimentadas, com muitas pessoas caminhando apressadas, agasalhadas num frio estrangeiro.

Sua imaginação era, e sempre fora, muito maior que a realidade.

Naquela manhã de dezembro, entretanto, o Rio fervia num calor quase insuportável, que há dias pairava no ar. Mas tudo ali estava posto para grandes acontecimentos, grandes encontros.

Como que para fazer jus à fama da “Cidade Maravilhosa”, tudo se deu muito rápido para Virgínia.

Ela mal podia acreditar que estava ali, naquele momento mágico com que sempre sonhara. Ela que vinha de cidade inexpressiva, de onde nunca saíra. A vida na fazenda lhe proporcionava fartura. Mas almejava mais, queria viajar conhecendo outros lugares. Receoso, Jorge, seu pai, concordou em satisfazer a vontade da única filha, permitindo que ela passasse aquele réveillon de sonhos em Copacabana, Rio de Janeiro.

Foi ali, naquele cenário encantador, embalada pelos fogos que coloriam o céu de Copacabana que ela conheceu Evandro, um belo rapaz que a cativou instantaneamente pela simpatia, gentileza, cavalheirismo e charme.

A “arte do encontro”, como dizia o poeta, consolidou momentos felizes, com brinde de champagne e votos de um feliz ano novo.

Sob o efeito da festividade que o momento proporcionava, brindaram e pularam as sete ondas e quantas mais vieram. O breu da noite era quebrado apenas pelo luar esplendoroso que fazia companhia para o casal. Quase não conversavam mais, havia urgências dentro deles. Embalados pelo momento, ali ficaram até adormecerem profundamente. Ela acordou com o sol nos olhos, estava feliz, não queria se preocupar em entender que havia passado a noite ali com um homem encantador.

Ele dormia ainda, sua exaustão o deixava ainda mais atraente. Ela se ergueu lentamente, sua roupa estava encharcada de água e areia, decidiu ir embora, precisava de um banho, não queria que ele a visse assim. Saiu devagar arriscando pequenas olhadelas para trás. Mais tarde, percebeu que não mencionou onde estava hospedada, nem anotou o telefone dele.

Voltou lá outras vezes, mas não o encontrou. Virgínia saboreou esse réveillon por dias! Parecia até um sonho! Os dias se passaram, ela estava intrigada com o acontecido naquele primeiro de janeiro, guardando para si a imagem do rapaz que ficou registrada nas selfies tiradas antes daquela meia noite.

Mas, essas nuances foram se dissipando à medida que o tempo passava, até quando ela se viu voltando, meio realizada, meio frustrada, para sua cidadezinha mineira, banhada por um belo rio, rodeada de montanhas, alheia a ventos futuros.

Virgínia voltou para casa, mas não voltou sozinha. Trazia, junto com muitas lembranças de Evandro, um filho em seu ventre que logo ela tomaria conhecimento.

Apesar da surpresa e certa indignação, Jorge a apoiou como sempre o fazia desde a morte da mulher. Ele sabia da importância do avô na vida da criança, procuraria substituir a figura paterna que, certamente, não conheceria.

E assim nasceu Fernando, longe de um pai que nem o sabia, mas que estava em algum lugar, aguardando o destino.

Tornou-se um garoto esperto, cheio de vida e muito curioso para o aprendizado da lida na fazenda. Tal qual a mãe, era amante da literatura, e quase não encontrava tempo para amizades. Sua vida era a lida, a família, e a escola.

A proximidade com a terra, com o gado, com a vida rural, levou Fernando para a área de Veterinária, e seguiu cursando a Universidade Federal de Minas Gerais.

Entretanto, a ideia de conhecer o pai, cujas fotos a mãe lhe mostrara, era uma constante na vida do rapaz que só aguardava o momento certo para isso.  

 

 

EM BUSCA DO PASSADO

CAPÍTULO II

 

 

Quando cursava o último ano da Faculdade, vô Jorge o presenteou com uma viagem para o Rio de Janeiro, para que conhecesse as maravilhas da cidade litorânea, e também pudesse investigar a identidade de seu pai. Sobre ele, Fernando sabia o que sua mãe lhe dissera:  que chamava Evandro, que era empresário e que deveria ter pouco mais que quarenta e cinco anos.

O jovem estava ansioso para o que descobriria. Mas, Virginia que tinha a cena do Réveillon tão viva na memória, trançava dos dedos na esperança de obter notícia daquele homem que lhe dera a noite mais feliz da vida.

Era como procurar uma agulha no palheiro. Mas, o jovem era obstinado e resolveu entrar de cabeça em busca do antigo sonho.

O primo de segundo grau, Ary, advogado experiente, indicou a detetive muito conceituada no Rio, oferecendo-se para ajudar no que fosse necessário.

Foi assim que Fernando conheceu Lenita Fragoso a quem relatou sua história. Na verdade, a história de sua mãe, mostrando-lhe as fotos no celular, selfies tiradas por Virginia naquele réveillon. A profissional o escutou atentamente enquanto fazia anotações num caderninho preto.

O rapaz sentiu-se esperançoso com as possibilidades que ela disse que haveria. A detetive tinha lhe passado uma ótima impressão - comentou com o primo.

Baseada em suas anotações, Lenita logo colocou a mão na massa, investigando todos os empresários de nome Evandro que atuassem no Rio, São Paulo e imediações. Surpreendeu-se com o grande número de indivíduos com esse perfil. Tinhosa que era, tratou de pesquisar traços da vida de cada um, colocando Fernando a par do curso das investigações.

Porém, o tempo passou muito depressa. As férias do jovem estavam terminando e ele teria que retornar, mas deixaria em boas mãos a elucidação de algo que, para ele, era primordial. 

 

 

UM VETERINÁRIO BEM-SUCEDIDO

CAPÍTULO III

 

Tão logo se formou, Fernando conseguiu arrumar um emprego em um haras localizado em Vassouras, cidade a pouco mais de 100km do Rio de Janeiro. Sendo ele um veterinário de animais de grande porte, os cavalos sempre foram sua maior paixão.  

Fernando estava orgulhoso de ter arranjado esse emprego. Tudo havia sido acertado on-line, curriculum, entrevistas com o administrador, salário e horário de trabalho.

Finalmente o dia de sair de casa chegou e, com um misto de alegria e incertezas, ele partiu para Vassouras, onde o destino lhe “pregaria uma peça” e tanto!

E logo estava na estrada que o levaria à cidade conhecida por Princesinha do Café, e aquele frio na barriga foi substituído por um vendaval de emoções. Embora tivesse pesquisado um pouco sobre a cidade, sempre o desconhecido o afetava assim.

Como o povo do local o receberia?  Como seria a cidade, quanto à diversão, restaurantes e garotas!  Sim, Garotas!  era um rapaz fogoso, em plena juventude e queria se divertir como qualquer rapaz de sua idade.

Sabia do charme da cidade, de suas históricas fazendas de café e a possibilidade de tédio naquele lugar era quase inexistente.

O automóvel de pouco uso, agora seria seu companheiro mais presente. À medida que chegava, percebeu que mal conseguiu observar a paisagem por onde estava passando. Cada vez mais excitado, finalmente estacionou no posto de gasolina à entrada de Vassouras. Perguntou sobre a pousada que já estava reservada com antecedência; “è bem ali” – respondeu o frentista apontando para uma rua que corria paralela e finalizava na praça da Matriz.

Bom, agora é pra valer mesmo – pensou – Vamos lá, Vassouras! Me mostre o que tem de bom!

No centro, deparou-se com um casario alinhado ao longo da estreita rua e imaginou-se morando numa daquelas casinhas.  A cidade já lhe parecia acolhedora. Encantado, mas um pouco receoso. Mal sabia que tinha muita razão para isso... 

Fazia muito calor apesar de o relógio da igreja mostrar 18 horas. O ar denso parecia estar nas costas de Fernando. Ele estava cansado.  Ouviu o lamento do sino anunciando a Ave-Maria. Viu um grupo de senhoras se benzendo ao entrar na igreja matriz. Lembrou do avô tão religioso, tão positivo. “Deve estar rezando a esta hora, como sempre fez” – pensou.

Na mente e no coração, os pensamentos e as lembranças se misturando, Fernando decidiu abraçar a própria história naquele momento. Começou a alinhavar todas as emoções, as esquecidas alegrias, a mãe tão dedicada, o avô grande exemplo de vida, o pai que ainda não conhecia, e construir sua fortaleza a partir do que viria.

Com a determinação de lutar batalhas e vencer as guerras, traçou os rumos que queria seguir. Instalou-se na pousada Vila Hibisco, era a mais próxima do haras. Não era exatamente o que havia imaginado, mas era um local limpo, arejado e bem frequentado, apesar de que isso não importava. Precisava mesmo estar próximo daquele local para tentar conseguir regularizar sua situação no trabalho.

Na manhã seguinte apresentou-se ao haras. Observou com encanto o gramado verde se estender diante dos olhos, as cercas brancas delimitando pastos, alguns animais a trotar ali e acolá. O cheiro que vinha das baias se misturando ao cheiro de grama aparada. Tudo tão organizado e limpo.

O gerente, Queiroz, um homem grande com vozeirão solene, cheirando a água de colônia, deu-lhe as boas-vindas. Apresentou-lhe a propriedade. Disse que o proprietário não morava ali, mas visitava o haras semanalmente. “Aqui tudo tem que estar sempre em ordem, os animais saudáveis, os funcionários satisfeitos” – disse o gerente trocando um olhar levemente severo com Fernando. Dali a alguns dias, haveria um evento bem importante no haras, acontecia anualmente: seria uma semana inteira dedicada ao Bem-Estar Animal, quando todos os cavalos seriam devidamente examinados, vacinados, higienizados e preparados para a maior competição do Brasil. Viriam de toda a região, todos animais competidores e valiosos, por essa razão o haras o contratou. Outros veterinários trabalhariam no evento, todos contratados exclusivamente para essa época. Muitos deles permaneciam no haras, outros buscavam novas oportunidades.

Esta lhe pareceu uma ocasião bem propícia para mostrar sua capacidade de atendimento de qualidade, no posto de veterinário visitante que o haras estava oferecendo, pensou Fernando.

Assim foi que na manhã de seu primeiro dia, o nascer do sol o encontrou já de pé na varanda da pousada com uma fumegante xícara de café nas mãos. Estava seguro, ansioso pelo que viria.

As tarefas diárias no horas, corriqueiras para um veterinário, não punham em teste a qualidade de atendimento de Fernando.

Até que começou o movimento Bem-Estar-Animal e uma grande agitação tomou conta do lugar. Havia muitos cavalos e seus respectivos proprietários chegando quase ao mesmo tempo. Todo o staff estava presente, orientando ou conduzindo proprietários para a sede ou para as baias onde os animais seriam alojados.  

Fernando estava exultante com o vaivém de convidados, jornalistas, empresários e animais. Reconheceu grandes criadores como Tolentino, Rezende e nomes que não imaginou conhecer tão cedo. Devido à grande movimentação, Fernando preferiu ficar nas baias cuidando do bem-estar dos cavalos do seu patrão. Tinha um animal preferido, a égua Neblina com pelagem cobre, crina esbranquiçada e olhar, indiscutivelmente, hipnotizador, puro-sangue inglês, raça considerada como a mais veloz entre todas, sempre presente em provas do turfe e hipismo. Foi Fernando que a conduziu até a pista da prova, queria passar tranquilidade para ela, pois a conhecia o bastante para saber que essa agitação interferiria em seu desempenho.

Da cabeceira da pista, Fernando examinou o ambiente. Os cavalos que ali estavam eram altamente competitivos. Foi quando avistou uma moça alta, longilínea, de cabelos castanhos claros e olhos verdes, uma imagem significativa para Fernando. A jovem afagava calmamente a pelagem escura de um puro-sangue árabe. Sentiu Neblina dar um tranco na rédea, de alguma maneira, ela se sentia desconfortável. Voltou os olhos para a moça que avistara há pouco, mas não a viu mais.  

Neblina passou com louvor na prova e se classificou para a etapa seguinte. De repente, o sino da sede badalou, chamando os convidados para o almoço.

Queiroz, muito ocupado nesses dias, encarregou Fernando de algumas atividades da gerência para ajudá-lo na empreitada do evento.

 

Havia vários garçons e copeiras – alguns Fernando reconhecia como empregados do haras – circulando bebidas e hors d’oeuvres. O living estava lotado de visitantes, as conversas soavam daqui e dali. Entre tantos, lá estava ela novamente, conversando com um senhor mais velho. Os dois pareciam se conhecer.

 

Fernando, Fernando, tome sua linha e não invente sarna para se coçar”, ele disse para si mesmo. “Isso tudo é muita areia para seu caminhãozinho”.  Mas ela parecia ser especial! Aquele tipo de pessoa que não se esforça para ser elegante e chic e, mesmo sem querer, chama a atenção para si, com seus traços delicados e modos finos.

 

Seu pensamento é afastado quando ouve alguém dizer “o almoço está servido”, e logo começou um movimento em direção ao buffet, e depois seguiam para a mesa com lugares previamente marcados.  

 

A maior surpresa para Fernando, foi constatar que o lugar reservado para ele era exatamente ao lado de Tereza Cristina, “Que situação, meu Deus!”. Com o peito em alvoroço, sentou-se: “Com licença”. Imediatamente se serviu da água à sua frente. Alguma coisa precisaria fazer para aplacar a inquietação que o dominava. Foi quando ela lhe disse: “Sem dúvida, Neblina é uma égua especial”.

 

A partir daí, falaram muito sobre equinos, sobre competições, sobre a raça puro-sangue.  Nem viu as horas passarem. A noite chegou devagar, tomaram um chá ali mesmo. Só se deu conta de ter anoitecido quando ela disse que já estava tarde, iria se retirar, precisava poupar forças para o dia seguinte.

 

Ele teve uma noite agitada, acordou várias vezes, não conseguia parar de pensar no dia anterior, no quanto havia sido agradável o almoço com Tereza Cristina.

 

Desceu cedo para o café de manhã e já havia hóspedes conversando alegremente àquela hora. Ouviu alguém ao lado mencionar o nome Tereza Cristina.

Sim, ela voltou da Espanha há 2 semanas, veio para o casamento que deve ocorrer daqui há 1 mês e meio”. O José conseguiu, finalmente, encontrar uma pretendente para aquele inútil do filho dele”.

 

Foi como se Fernando tivesse levado um soco no estômago.

Quem era ela, afinal? Pensava Fernando.

 

Entre um pensamento e outro, faiscava também algo que o deixava tenso: recebera um e-mail de Lenita Fragoso. Ela falava de suas pesquisas, comentava as possibilidades, as coincidências e os enganos que encontrara. Gentil, ela se despedia com um abraço. Mas havia um P.S. que assinalava uma informação intrigante: “Coincidência com seu propósito de carreira, dentre os Evandros pesquisados, encontrei um que ama cavalos de raça e possui alguns garanhões que costumam participar de competições., é o Dr. José Evandro Polinesi, mas não há evidência nenhuma de que ele seja o homem que procuramos, não ainda”

 

 

O NOVO MUNDO DE VIRGÍNIA

CAPÍTULO IV

 

A vida de Virgínia, após o nascimento de Fernando, resumiu-se em cuidar dele e ajudar o pai na fazenda. Os afazeres tomavam quase todo seu dia, fazendo com que ela não tivesse tempo de ver a vida passar.

Acordou quando Fernando foi para Vassouras.

Aos quarenta e poucos anos, desejou mais. Queria conhecer pessoas, viver sua própria vida. Havia parado os estudos quando de sua gravidez e nunca mais voltara para entrar na Universidade, embora o pai a tivesse estimulado a voltar.

Conversou com o pai. Demonstrou sua vontade de retornar aos estudos. Ele, mais uma vez, a apoiou.

Passou a estudar assiduamente, com o intuito de prestar vestibular na metade do ano. Gostava mais da área de humanas. Nesses anos todos, havia devorado uma quantidade de livros. Ler era sua paixão e única diversão. Empenhou-se com ideia fixa.

Quando Fernando recebeu mensagem da mãe, contando a novidade, deu-lhe o maior apoio.

Havia momentos em que ela se questionava. Pensativa, sentada na varanda da casa quando se punha a fazer uma retrospectiva da vida.

A sensação que tinha é que o tempo havia sido congelado e que nada de muito proveitoso havia feito. Desde que seu filho nascera, vivera exclusivamente em função dele e, quando o menino cresceu, sua vida virou-se em direção do pai que, embora mais velho, não se entregava à idade, e ainda trabalhava na roça dando ordens e acompanhando os serviços.

Há dois anos Jorge conheceu Dolores na “Feira da Roça”, evento que acontece anualmente em Lapinha. Dali por diante trocaram muitas conversas, passeios e amores. Ela, quinze anos mais jovem, tinha uma história de vida e perdas familiares que quase a levou à depressão. Mas, motivada pelo que lhe parecia ser o novo amor de sua vida, deixou sua casinha na cidade e foi morar com Jorge na fazenda. Para Virginia, um alento ver o pai apaixonado àquela altura da vida.

As pessoas se desafiam, provocam mudanças na rotina da vida, até meu pai e Dolores, pensava Virginia.

Mesmo atuando com muito afinco no trabalho voluntário da Associação de Combate ao Câncer, onde comparecia duas vezes por semana, exercendo trabalho burocrático, de secretária, administradora e levantadora de fundos, promovendo bingos, bazares, sorteios e tudo o mais, apesar de todas essas atividades a vida de Virginia clamava por mudanças.

O amanhecer ainda tardaria, mas essa era a hora em que ela acordava. Nos últimos tempos seu corpo se habituara a poucas horas de sono. Isso estava causando muito incômodo durante o dia porque ela se sentia cansada demais, a ponto de ter um ataque de nervos.

Não era para menos. Ela vira sua vida mudar rapidamente, da mansidão do convívio familiar para a distância das pessoas e das realizações que fizeram parte de seu dia a dia.

Virgínia queria seguir na esteira das novas experiências, adquirir conhecimentos e habilidades que sua idade ainda poderia oferecer. O sucesso profissional do filho a entusiasmava. Tinha grande orgulho de ter podido criá-lo, prepará-lo para uma carreira bonita. Ela até o invejava, pois queria que ele também se orgulhasse dela. Por isso decidiu partir. Deixar o aconchego da casa do pai, se aprimorar no que fazia.

Suas decisões eram corajosas, mas demandavam muitas considerações. Por isso não conseguia mais dormir direito. Passava os dias preparando a partida que é muito mais do que um “adeus” na porta de casa.

Um dia, sem hesitar muito, disse ao pai:

— Pai, como já falamos, vou ao encontro de meu filho. Tenho saudades e preciso estar com ele.

— Entendo, filha, na verdade, eu também sinto falta do nosso Fernando, suas risadas, seu abraço apertado...

— Mas, escuta, pai, vou ficar por lá uns tempos, vou morar por lá.

— É mesmo? – Jorge sentiu uma fisgada no estômago, mas imediatamente recebeu um olhar de correção vindo de Dolores. Então ele disse: “Faça isso, a vida é curta, menina.”

—Vocês ficarão bem. Voltarei com grandes novidades certamente! Vou estudar e, se tudo der certo, farei uma bela carreira!

— Vá, minha querida. Siga seu destino. Deixa que eu cuido do nosso Jorginho – Disse Dolores em tom bem animado.

— Te desejo sucesso, filha! A vida traz oportunidades impensadas. Siga seu coração e seja feliz!

Assim faria Virginia.

Aproveitou que, coincidentemente, a Associação mudou a sede física para Vassouras, ela decidiu que também era hora de provocar mudanças em sua vida.

Mudou-se para Vassouras, lá também estaria perto de Fernando, isso a deixava tranquila. Cortou os cabelos, emagreceu 7 quilos. Seria Assistente Social e, quem sabe, se tornaria a presidente de sua querida Associação...

 

VIRGÍNIA PODEROSA!

CAPÍTULO V

 

Ela mesma não acreditou em sua mudança física, após emagrecer e tomar “um banho de loja”.

E o mais notável foi sua mudança interior. Estava feliz, sentia-se bonita e pronta para a vida, seja lá como ela se apresentasse.  Com pouco mais de 40 anos, não pensava mais em príncipes encantados.  Agora é minha vez, pensou.

A cidade era bem maior que Lapinha, parecia tão aconchegante com aquelas casas alinhadas. Tratou de alugar uma casinha jeitosa no centro da cidade, bem perto da Universidade.  O imóvel já estava mobiliado com o essencial, o que muito lhe convinha. Tudo muito arrumado e cujo preço cabia bem no seu bolso. Além disso, tudo era bem pertinho. Uma feira enorme aos domingos, um pequeno cinema local e, na pracinha, perto da igreja, da Prefeitura, dos Correios, ainda havia uma lanchonete muito visitada, que servia também de parada rodoviária intermunicipal. 

Tinha suas economias, mas pretendia logo arrumar um emprego, não mexeria em sua poupança.

— Esta será a nova Virgínia! — pensou.

Assim, sorrindo por dentro, sonhou por instantes.

Esparramou-se na cama e suspirou algumas vezes. Murmurava para o travesseiro, como estava feliz.

A casinha servira anteriormente de república para moças, era bem aconchegante. Os ambientes ainda estavam perfumados pelo blend de lavandas das colegas que ali habitaram antes dela.

Ela estava excitada com sua nova Virgínia. De cara, contratou Dona Sebastiana para a arrumação, limpeza e refeições. Dona Sebastiana cozinhava na república para as estudantes, e agora seria mensalista para atender Virgínia. Seriam amigas e parceiras.

Mal podia esperar pela primeira aula no curso que a levaria à sua meta de carreira: assistente social.

Assim, de posse de um caderno espiral, recém-adquirido na papelaria próxima, contendo a foto do Roberto Carlos na capa, partiu poderosa para sua nova fase de vida!

Fez questão de pisar com o pé direito na escadinha de acesso, após caminhar cinco minutos-luz até ali.

Foi quase impossível não pensar em Fernando naquele primeiro dia tão atribulado.  Queria muito saber como o filho estava se ajeitando no haras. Assim que terminar de arrumar a casinha, vou chamá-lo para jantar e tomar um pé das coisas, planejava.

 

 

FERNANDO E O PROJETO OUSADO

CAPÍTULO VI

 

 

Enquanto isso, Fernando ia se enturmando no trabalho, apesar de haver pouca gente fixa para trabalhar. Diante daquele haras tão bem cuidado, animais tão saudáveis, pensou em estabelecer um planejamento de coleta de sêmen cujo seria um caminho financeiro moderno para o haras, já trabalhavam com qualidade e competições.  Tinha estudado muito o sistema, participou de muitas atividades correlatas. No evento de bem-estar-animal, catalogou os melhores reprodutores, registrou estabelecimentos e sentiu a necessidade de terem ali mesmo um Centro de Coleta e Processamento de Sêmen. Conversou longamente com Queiroz, mostrou planilhas, pesquisas, exigências, leis, e principalmente um demonstrativo de ganhos no primeiro ano. O gerente ficou surpreso com a dinâmica do jovem veterinário. “Muito bom, Fernando! O patrão deve gostar dessa iniciativa. É um processo caro, mas em se tratando de uma alavancada financeira como essa, tenho certeza de que pode levar adiante o projeto. Já peça uma avaliação zoogenética, isso demora uns dias para que o laudo chegue para nós. O chefe está viajando, estará aqui no mês que vem. Teremos tempo para alinhavar os caminhos. Prepare tudo para nossa conversa”.

Era isso! Fernando estava tomando as rédeas de sua profissão.

Estava focado, mal arranjava tempo de ir à cidade. Sabia que a mãe estava bem alojada no centro e isso significava muito para ele. Conversavam por videochamada quase todos os dias. Notava o encanto em sua voz quando lhe contava sobre pequenas passagens na sala de aula. Por outro lado, Virginia estava orgulhosa pelo audacioso projeto que Fernando estava estabelecendo para o haras.

Combinaram que ele a visitaria em breve. Afinal, ele queria ver como era o imóvel, queria conhecer a querida Sebastiana, já tão comentada em suas conversas. Precisavam falar também sobre as buscas pela identidade de seu pai.  

 


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CONTO COLETIVO: O DESTINO DE FERNANDO

10/12/2024


O destino de Fernando

 

..Era uma cidade movimentada como São Paulo, ou Rio de Janeiro. Virgínia, uma moça solteira, veio de pequeno lugarejo mineiro, estava a passeio na cidade. Foi quando conheceu Evandro, decidiram passar juntos o réveillon na praia. Ele era, segundo comentários, um empresário rico, também solteiro. Ela não sabia nada sobre ele, e nem ele sobre ela. Ela fez algumas fotografias no celular, registros de momentos bem felizes do casal num brinde festivo na mudança do ano. Dois dias depois, ela voltou para casa sem saber que estava grávida. E quando tomou conhecimento de seu estado, decidiu não procurar Evandro, já que estava certa de que jamais o veria de novo. Na verdade, ela o julgava um aventureiro. E, sobre o que diziam dele, ela não acreditava.

Virginia sempre contou a verdade para o filho Fernando: que o pai, que ela mal conheceu, mas que ouviu dizer, era grande empresário, dono de frigoríficos, transportadoras e imobiliárias. Nem sabia se isso tudo era mesmo verdade. Mostrou-lhe algumas vezes as fotos que ela guardava com muito carinho, única referência paterna que Fernando teria.

Virgínia nunca se casou. Não fosse o avô Germano, sempre presente, Fernando não teria uma figura masculina em sua vida. Cresceu ouvindo os conselhos do avô, aprendeu a lidar com a agricultura, o que o impulsionou para a Engenharia Agrônoma.

Quando Fernando atingiu os 18 anos, veio para São Paulo estudar e decidiu procurar o pai.  Não queria nada dele, não estava interessado no dinheiro do pai, afinal a mãe era herdeira de uma terra boa no interior de Minas, arrendou alguns alqueires, o que lhe rendia uma boa soma. Mas Fernando precisava conhecer sua origem, quem sabe obter o nome de família, já que na certidão de nascimento havia uma grande mentira dizendo que o pai era desconhecido.

 

COMO FUNCIONA O CONTO COLETIVO: Semanalmente, os autores enviam um pequeno trecho da história (2 parágrafos, por exemplo). Envie quantos trechos quiser. Aqui, selecionaremos o melhor trecho, o que melhor vai definir o andamento da trama. Depois, inserimos na estrutura do conto e publicamos no blog. 

Pode acontecer de serem juntados trechos de 2 autores diferentes. 

Todas as semanas teremos um trecho novo.

A história pode ganhar capítulos. Pode ser grande (sempre é). Mas a participação de todos é que vai alimentar o coletivo do enredo. 

Imagine um enredo cativante, que provoque emoções no leitor. Tenha personagens dinâmicos. Aplique ferramentas literárias que valorizem o texto.

Não esqueça, é um conto coletivo, que você também assina autoria.


ANTOLOGIA 2025 - ALÉM DAS PALAVRAS - CONVITE

 

ALÉM DAS PALAVRAS
Antologia EscreViver 2025


Participe da antologia 2025.

Convide familiares e amigos, incentive-os a enviar um texto para este livro.
Vamos aguçar as lembranças de fatos que nos trouxeram até aqui.


Em continuidade ao processo de criatividade textual, nossos incentivos para o ano de 2025 vão mesmo “além das palavras”. Provocaremos a memória sensitiva dos participantes através de textos que homenageiem as amizades, estimulem os sentimentos e enalteçam as relações familiares.

    ANTOLOGIA 2025ALÉM DAS PALAVRAS” - Será um processo de registros de acontecimentos importantes dentro do clube e fora dele, de momentos que mereçam registros literários. Vamos chamar temporariamente de “Além das palavras”.

A Antologia de 2025 será aberta aos associados (filhos e netos), e dependentes. Os textos devem ser enviados para o e-mail oficinadetextosescreviver@gmail.com até a última semana de agosto.
 
Para não integrantes da Oficina, no email de envio deve constar: Nome completo do autor, idade, número de registro no clube, telefone de contato, uma curta biografia e um foto de rosto. 

Podem participar com quantos textos desejar, e não haverá limite de número de páginas. Todos os textos serão analisados, o autor receberá um retorno com o aceite do material. Os textos devem ser respeitosos e devem atender a temática do livro: enaltecimento de amizades, de familiares, boas lembranças, curiosidades, pequenos relatos, além de fotografias que fortaleçam a memória afetiva do texto.

O custo da edição do livro será rateado entre os participantes de acordo com o número de páginas que cada um ocupar dentro da obra.