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Político por acaso - Ises A. Abrahamsohn




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Político por acaso
Ises A. Abrahamsohn


Ainda não tinham cimentado o túmulo de seu amigo e compadre e já vinham os políticos e funcionários da pequena Iacri cumprimentá-lo com vênias e rapapés que o Dr. Júlio Hirata detestava. Era o vice-prefeito e como tal, em princípio, teria que assumir o cargo com o falecimento do Antenor, seu amigo e prefeito eleito há menos de dois meses. Quando aceitou ser vice do Antenor, foi apenas para fazer um favor ao amigo. Nunca imaginara que ele, com apenas 45 anos, iria ter morte súbita. Só aceitou porque sabia da honestidade do amigo e este o convenceu que precisava do apoio para formar uma chapa com boa chance de desbancar a corja que se instalara há uma década na prefeitura.

Dr. Júlio era médico respeitado e benquisto na cidade. Tinha crescido na cidadezinha, neto de imigrantes vindos no começo do século vinte para trabalhar na lavoura. As três gerações de Hirata moravam no mesmo antigo sobrado despojado no limite da cidade já quase na área rural encostado na pequena chácara da família. Com quinze anos Júlio foi mandado sozinho para São Paulo para completar os estudos como tantas crianças de origem japonesa. Foi morar na casa de apoio ao estudante, uma iniciativa de comerciantes estabelecidos em São Paulo para albergar os jovens da colônia que vinham estudar na capital. O rapaz se sobressaiu no curso científico e cursou medicina.

Já como cirurgião após a residência médica estabeleceu-se com mais dois amigos médicos em Iruí. A cidade contava com uma modesta Santa Casa, mas não havia um grupo que atendesse cirurgias.

Agora quatro anos após sua volta estava casado com Adelina, enfermeira formada em Ribeirão Preto e que trabalhava com o grupo. Os pacientes gostavam do jovem doutor e vinham das cidades vizinhas se consultarem.

Acabrunhado, o Dr. Júlio caminhava sozinho do portão do cemitério para casa. Adelina tinha saído bem antes guiando o carro da família. Tinha recusado os vários oferecimentos de carona. Queria pensar...

O que fazer? Poderia renunciar e então? Assumiria o Genivaldo, presidente da câmara municipal. Corrupto como ele só! Não. Teria que assumir o cargo. Sentiu que devia isso ao amigo morto. Era a possibilidade de tirar aquela gente de lá e fazer algo pelo povo. Adelina o tinha incentivado a aceitar o cargo. 

Creio que ela confia mais em mim do que eu mesmo! Era o que Júlio dizia para si. Não vou decepcioná-la.

De fato, no dia seguinte o Dr. Júlio informou que assumiria a prefeitura. A posse se deu dois dias depois na sala da câmara. Acabada a cerimônia já havia a fila do Genivaldo e seus coligados pedindo conversas em particular. O novo prefeito, que era inexperiente, mas não inocente, marcou só para a outra semana. Queria antes se inteirar da situação da prefeitura. Com a ajuda de um contador e de dois vereadores nos quais o Antenor confiava, logo descobriram as mutretas disfarçadas nos balanços dos gastos do governo anterior. Os roubos mais vultosos eram nas contratações de serviços em valores muito mais altos que os normalmente praticados. Logo viram os nomes de firmas de fora da cidade que se revelaram serem de parentes do tal Genivaldo. Eram fornecedores de alimentos para as escolas, creches e para o hospital da cidade.

Assim na semana seguinte o Dr. Júlio estava bem preparado para a visita do Genivaldo.

Quando eles vão abrir o jogo depois desse lero-lero? Será que a gravação vai sair boa? Pensou, olhando disfarçadamente para a gaveta entreaberta onde tinha colocado o gravador.

Lá pelas tantas, tomados os cafezinhos, o Genivaldo, com voz mansa, começou:

O doutor vai ver que não é difícil ser prefeito. A gente resolve quase tudo na câmara. Tirando uns três abelhudos, dá certo. Pode contar conosco. Tem boas oportunidades. Já percebi que sua casa tá precisando de uma reforminha. Dá pra arrumar fácil. Também tá na hora de o senhor trocar o carro, não é? Uma pessoa de sua posição na cidade...  Não fica bem andar com a pick-up do jeito que está...

O honesto Dr. Júlio se fez de bobo, não disse sim nem não. Ficou de conversarem em uns dois dias. Tempo que ele usou para procurar o Ministério Público em Bastos e fazer a denúncia levando o gravador que foi suficiente para convencer o promotor a abrir o inquérito.

O que o jovem prefeito fez foi cancelar todos os contratos suspeitos. Foi um escândalo. Com muitas repercussões. Chegaram a pichar o muro de sua casa com ameaças.

Mas quando a notícia das falcatruas se espalhou, o povo apoiou o Dr. Júlio. 

Tinham elegido o Antenor e seu vice para se livrar dos corruptos. Os 
vereadores, muitos da turma do Genivaldo, se bandearam para o lado do novo prefeito. Temiam não serem reeleitos.

Assim o novato e honesto prefeito fez um ótimo governo na prefeitura. Apenas um mandato. Não era sua ambição. Mas os moradores da pequena Iacri sabiam agora como podia ser uma boa administração.


Acontecimento fora de contexto. - Fernando Braga



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Acontecimento fora de contexto.
Fernando Braga


       Passo a chamá-lo de X9, por me sentir impossibilitado de dizer seu nome.

       Encontrei-me novamente com um grande, querido e inesquecível amigo. Convidou-me para jantar uma sexta feira, sem as respectivas esposas.

       Conheci X9 após termos brilhantemente passado no vestibular e entrado em escola de medicina. Houve uma aproximação normal, uma empatia mútua, logo após as primeiras trocas de ideias. Eu e ele, ao lado de mais três ou quatro colegas formamos um grupo coeso, uma certa panelinha, entre os 66 colegas, agora cursando a anatomia.  Logo, fazíamos parte do grupo de jogadores de futebol, nosso esporte preferido. Em pouco tempo, integrávamos o time principal. Sentávamos próximos nas salas de aula, almoçávamos juntos, estudávamos uns em casa dos outros por ocasião dos exames semestrais, enfim, éramos muito ligados. O amigo X9, era o líder do grupo, programava sempre as nossas saídas em fins de semana, e sem dúvida, entre nós, era o melhor jogador de futebol, também, o mais forte.

       Nossa amizade perdurou todo o tempo de escola. Íamos ao cinema juntos, saíamos nos finais de semana, de carro, a procurar as “minas”, festas, boates, viagens a Santos, etc.

       O tempo passou, cada um seguiu seu caminho após a formatura, mas a amizade manteve-se firme, mesmo após os nossos casamentos, nascimentos de filhos. Nossos encontros persistiram, embora menos frequentes.

       Agora, octogenários, ele um ano mais, ocasionalmente saímos com as esposas para jantarmos. Os outros colegas de nosso grupo, são falecidos e, sentimos prazer quando nós, os derradeiros, nos encontramos.

         Encontrei X9, conforme o combinado e ao vê-lo, após ausência de uns três meses, notei sua fisionomia triste, havia emagrecido, estava abatido, mas mantinha sua espirituosidade. Nos sentamos em um canto do restaurante, que ele escolhera. Cada um pediu o seu uísque favorito, brindamos como nos velhos tempos, pedimos aperitivo e iniciamos nossa conversa, que outrora continha muita recordação. Partindo para a segunda dose, on the rocks, sem que eu esperasse, disse:

      — Quis te encontrar, porque quero revelar-te confidencialmente, um segredo que guardo. Você é o único a quem posso confiá-lo, porque tenho certeza absoluta, que guardará este segredo, entre quatro paredes, não contando nem mesmo para sua esposa.  Ninguém mais sabe o seu conteúdo, nem mesmo minha querida mulher, comigo há 55 anos.

       Notei que titubeou, mas neste momento disse a ele:

       — Vá em frente, X9! Sou todo “ouvidos”! Pode se abrir, porque o que contar ficará apenas entre nós dois!

Muito bem, disse ele:

       — Há exatamente um ano fui ao shopping que sempre frequento. Estava superlotado, difícil de estacionar, procurei uma vaga para idosos e nada encontrei. Ia procurar vaga nos andares superiores, quando a uns 20 metros à minha frente vi um carro com os faróis traseiros acessos e logo imaginei que iria sair. Realmente, o carro manobrou, saiu e imediatamente, enfiei meu carro na vaga. Preparando-me para sair, ouvi um vozeirão gritando junto à traseira de meu carro:

      — Sai daí seu velho safado! Você não conhece as regras do estacionamento! Eu estava 30 metros na frente, esperado por esta vaga! Quer bancar o vivo! Espertinho, né? Pode tirar seu carro daí e rápido. Senão!... 

— Ao ver o cara junto à traseira de meu carro, alto, forte, disposto a me ofender, me agredir. Calmamente peguei um punhal bem pontiagudo, que sempre carrego comigo, coloquei-o na palma da mão direita, virada para trás, escondendo-o. Desci do carro e me aproximei do indivíduo. Ele tinha a cara brava e aproximando-se um pouco mais, disse com voz agressiva:

— Já te falei, não estou brincando, pode tirar seu carro daí! A vaga é minha!

       Interpelei-o, enchendo o peito, mostrando que não tinha medo, apesar de seu tamanho e mocidade e, enfaticamente disse que aquilo não era modo de se falar com alguém mais velho, e que, gritar, ameaçar, não levaria a nada!

      Neste momento, xingou-me de fdp e desferiu-me um soco na lateral da cabeça, que me jogou de lado, vindo em cima de mim.  Foi quando acertei o punhal na mão e sem que percebesse, desferi uma estocada no seu abdômen, que o fez curvar, sair cambaleante e após alguns passos para trás, cair ao solo. Devo ter acertado a sua aorta, para que imediatamente caísse.  Deixei-o caído no chão, entre dois carros estacionados na frente, tranquei meu carro e saí, carregando o punhal, agora escondido. Olhei para os lados, e por incrível que pareça, não vi ninguém. Olhei para ver se havia presença de alguma câmara, mas nada. Saí de fino. Caído, já havia poça de sangue visível a seu lado.

       Desci as escadas, procurei um lavatório onde lavei as mãos, o rosto, e passei água fria sobre o pequeno hematoma que se formara sob o couro cabeludo.  Lavei e enxuguei bem o punhal usando papel higiênico, colocando-o sobre a parede alta da privada.

       Fui à várias lojas, fiz compras para meus netos, minha mulher e para mim comprei um boné que cobrisse o inchaço no crâneo. Depois, tranquilamente fui almoçar e em seguida   fui ao cinema. Não prestei atenção ao filme, de tão nervoso. Voltei ao banheiro, peguei o punhal, colocando-o dentro de um dos pacotes de compra e voltei ao estacionamento por volta das 17,00 horas, carregando todas aquelas sacolas.

       Ao chegar no andar onde estava meu carro, havia movimento popular e um bloqueio por parte da polícia. Perguntei o que estava ocorrendo e me disseram que haviam matado um cara, cujo corpo havia sido levado ao IML. Falei com o guarda, que me acompanhou até meu carro após tomar nota de meu nome, endereço e  placa do carro. Caminhei mancando de uma perna, mostrando dificuldade na marcha.

        X9 continuou:

       — Nada contei para minha mulher, filhos ou outro qualquer. Somente a você.   

     — Nos dias seguintes fiquei muito preocupado que viessem me buscar. Dormia muito mal à noite, pensando no ocorrido, mas em nenhum momento fiquei com peso na consciência por ter matado aquele cara tão agressivo e covarde! Não me convocaram para qualquer testemunho. Li em vários jornais sobre o crime. O rapaz tinha 41 anos, era solteiro e tinha dois boletins de ocorrência, uma por ter agredido a namorada e outro por briga em restaurante.  Até hoje não fui descoberto.

       Precisava confidenciar com alguém, como se estivesse em um confessionário.  Não procurei nenhum padre, mas sim você, meu irmão!
       Continue escutando, disse ele:

       — Você não sabe, mas, há dois meses fui operado de um tumor no pâncreas, muito agressivo e já com metástases. Rejeitei tomar quimio e na última revisão, conversando abertamente com o colega que me operou, ficou evidente que teria eu, um ou dois meses de vida. Minha mulher e filhos tomaram conhecimento.

       — Assim sendo, quero entregar a você este pequeno pacote, que além do punhal assassino, contém uma carta explicando todo o acontecimento e, motivo do crime. Tem o meu nome e o endereço da delegacia do bairro, onde ela deve ser entregue. Basta colocá-la no correio.

       Faço isto para que nenhuma outra pessoa venha a ser incriminada em meu lugar, e há   suspeitos.  Pensam em queima de arquivo. Entregue na delegacia, após minha cremação!

       Ao sair, dei-lhe um forte abraço, um beijo em seu rosto e chorando disse:

       Adeus meu querido X9. Eu teria feito exatamente o que você fez e também, não teria qualquer peso em minha consciência!

       No mês seguinte, dias após sua morte, fui conversar pessoalmente com sua mulher e postei aquele pacote.



Busca Indefinida - Ledice Pereira



Busca Indefinida
Ledice Pereira


A mesmice daquele casamento de vinte e cinco anos começava a incomodar Gisela. Principalmente agora, que sua filha resolvera fazer um intercâmbio e a casa ficara tão vazia.

Seu trabalho de tradutora juramentada, se, por um lado, lhe permitia ter o horário que quisesse, por outro, provocava-lhe enorme tédio. Trabalhar em casa, sem contato com outras pessoas, tinha sido bom enquanto os filhos dependiam dela. Agora que Renato se casara e Janete partira para a Austrália a casa se tornara enorme para ela e Carlos. Ela sentia falta de gente, de emoções, de movimento.

Carlos era um bom companheiro. Curtia ficar em casa, procurar um bom filme no Netflix, se encorujar no sofá pertinho dela.

Ele até tentava suprir a falta dos filhos, convidando-a para sair, mas não era isso que ela desejava.

Aquela monotonia a deprimia.

Custou a criar coragem e pedir a separação. Ele, a princípio, assustou-se. Achava que tudo estava tão bem, mas com a insistência dela, concordou em mudar-se para um flat. Tinha a certeza de que seria uma situação passageira.

Gisela sentiu-se livre para viver muitas emoções, para conhecer pessoas interessantes, para frequentar nova academia, novos bares, novos restaurantes, enfim.

Os primeiros seis meses foram de descobertas. Gisela saia todas as noites, descobriu locais para dançar, conheceu rapazes de todos os tipos. Não aparentava ter quarenta e oito anos. Relacionou-se com alguns. Ela os achava cheios de vida, atléticos, divertidos. Todos mais jovens do que ela, mas a diferença de idade não parecia ser problema nem para ela, nem para eles. Como ela, nenhum queria uma relação duradoura.

Assim estava ótimo. Continuava com sua independência.

Ela não contava com o charme de Marcelo. Ele apareceu de repente. Os olhares se cruzaram.  Sentiu-se como que hipnotizada. Ele exercia forte atração sobre ela. Não costumava se render ao primeiro encontro, mas não conseguiu resistir. Deixou-se levar a um Hotel próximo dali. Ali viveu momentos de prazer que nunca havia sentido. O rapaz era voraz sem deixar de ser gentil e cavalheiro. Procurou deixá-la à vontade. Não a forçou a nada. Conhecia todos os meandros para levá-la ao ápice. Passaram ali a noite. Acordou com uma bandeja de café da manhã com tudo que tinha direito. Mal podia acreditar. A cabeça rodava. Talvez efeito do Champagne.

Acho que ontem exagerei na bebida, mas confesso que nunca me senti tão bem pensou com um sorrisinho maroto.

Despediram-se sem trocar telefones ou endereços. Ela saiu dali flutuando. O semblante era de felicidade. Chamou a atenção dos passantes. Atravessou a rua sem mesmo enxergar os carros naquela via movimentada. Estava em êxtase.

Ouviu distante o ruído da ambulância, que se aproximava, sem se dar conta.

 “Wiiiiiiiiiiiiuiuiuiuiuiuiui”.

O rapaz, do outro lado da rua, percebeu o que estava prestes a acontecer. Nem pensou duas vezes. Correu na direção da desconhecida e a empurrou para trás. Ela caiu sem entender.

Ele se desculpou. A ambulância passou ligeira. Ele conseguiu salvá-la.

Passados alguns minutos, Gisela se deu conta de que acabara de sobreviver. Procurou o rapaz para agradecer. Ele desaparecera.

Sentiu um arrepio. Percebeu que estava se expondo demais. Que preço poderia pagar por sua tão sonhada liberdade!

Fez sinal para o primeiro táxi. Deu seu endereço. Ligou para Carlos.

Oi querida, aconteceu alguma coisa?

Aquela voz lhe trouxe uma paz reconfortante.

Senti sua falta. Preciso muito ver você. Venha jantar comigo essa noite.
Quando o enxergou atrás do lindo bouquet de rosas vermelhas, ela desmontou.

Abraçou-o como nos velhos tempos. Parecia querer recuperar o tempo perdido.

Ele não entendeu nada. Deixou-se levar pela emoção que sentia quando estava ao lado da mulher.

Ela reconheceu que havia sido infantil. Que se deixara levar pelo desejo de uma busca indefinida. Reconheceu que a vida pode ter muito mais emoções do que aquela fugaz num quarto de hotel qualquer.





O PREFEITO HONESTO - Antonia Marchesin Gonçalves





O PREFEITO HONESTO
Antonia Marchesin Gonçalves


                   Meu nome Luis e fui por pouco tempo prefeito da cidade de Cafelândia no interior de São Paulo, cidade pequena, mas nos últimos anos com problemas sérios de assaltos e roubos de moradias. Muitos cidadãos, que trabalharam na capital e lá se aposentaram, voltaram para a cidade reformando as casas da família ou construindo novas, todas muito bonitas e grandes. A campanha para prefeito foi exaustiva, sendo que éramos três candidatos. A minha campanha foi baseada na segurança da cidade que eu chamei de “tolerância zero”, e  quando soube que eu havia sido eleito, houve um misto de alegria, surpresa e medo, tinha consciência da bomba que tinha que ser desativada.

                   Antes de tomar posse fui fazer uma investigação na cidade de quantos assaltos aconteciam no ano, fui à periferia,  da parte mais pobre à mais nobre, e descobri que quase todas as casas, mesmo as mais simples tinham sido assaltadas, com bandidos armados.   E o mais agravante era a droga que dominava grande parte dos jovens. Ao fazer o levantamento do efetivo policial sofri a maior decepção, eram apenas dois carros em condições, outros dois quebrados e abandonados, seis policiais em rodízio de plantão, uma telefonista só de dia e uma secretária. Em que furada fui me meter, pensei.

                   Agora é trabalhar! Reuni todos fiz um relatório onde disse que esperava a colaboração para pôr em prática a limpeza da bandidagem da cidade. Interessante foi eu ouvir a piada de um policial que devíamos começar pela Câmara de Vereadores, pois era sabido que alguns tinham ligação com o tráfico de drogas e outros recebiam propinas para que fossem aprovados os projetos escusos, inclusive o antigo prefeito. A campanha foi feita para a segurança dos cidadãos, resolvi focar nisso, sendo que a maioria das casas levantaram altos muros, com arame farpado em volta e algumas até câmeras, quando anos atrás as portas nem precisam ser trancadas. 

                   Comecei mandando as prioridades para que  a Câmara aprovasse, principalmente salários que estavam defasados e equipamentos mais modernos de investigação. Não foi nada fácil, tive que esperar entrar em pauta, e com isso eu me via tolhido de tomar as devidas providencias. Chegando cedo na Prefeitura comecei a receber as reivindicações de muitos eleitores para seus interesses pessoais. Eu sabia que o outro prefeito ficou rico por receber propinas, mas não imaginei o quanto. A cidade era pequena, todos se conheciam, fica mais difícil ter que tomar decisões contra esse tipo de desonestidade. Sou honesto por educação familiar e jamais aceitaria propinas para facilitar a vida de uns e outros, não iria contra a minha convicção e minha proposta de campanha.

          À medida que os meses passavam via que não conseguia levar adiante minha proposta, tendo tantas barreiras para vencer. Senti que a confiança que eles depositaram em mim foi caindo e quase ao término do primeiro ano, não conseguira o meu intento e ainda criei muitas inimizades, tornando a situação bem complicada. Assim tomei a decisão de renunciar do cargo, pedindo desculpas aos meus eleitores, mas não enxergava outra solução, jamais sujaria a minha reputação em troca de benesses a corruptos. Prometi a mim mesmo que nunca mais concorreria à cargos públicos.   

MARCANDO AS HORAS - Oswaldo U. Lopes




MARCANDO AS HORAS
Oswaldo U. Lopes

         Deitada e sem sono, por quê? Acho que já são onze ou meia noite e continuo no escuro pensando neles. Marido e filho de moto rolando por ai tarde da noite de quinta-feira. Antes isso acontecia na sexta-feira e no sábado, agora já começa na quinta-feira.

         Que horas será que são? Isso esta parecendo bolero do Lucho Gatica: “Reloj no marques las horas”  [1].  Que vida de merda... Invejo minha filha, Julia, tem independência econômica, casamento não deu certo se separou e seguiu a vida com dois filhos e olha que mal tinha completado cinco anos de casamento, bodas de madeira, bate nela para espantar o azar.

         A minha geração e a da minha mãe sempre foram de aguentar tudo pela família, é preciso manter todos unidos, custe o que custar. Para ser sincera, o que mais nos dificultava buscar outro caminho era a parte material. Dependíamos economicamente dos maridos. Júlia não, tem profissão e recursos, o marido se engraçou, mandou-o as favas.

         O Henrique, meu filho é um machista sem igual que eu ajudei a criar, mas é solteiro. Que ande de moto tarde da noite, é caso de preocupação e não de sem-vergonhice. Olegário também é machista e eu devia tê-lo mandado pro inferno lá atrás. Em nome da família fui ficando e aguentando desaforo seguido de desaforo. Teve até amante francesa, se tivesse sido um sítio ainda restaria um bem de algum valor.

         Pensamentos tortos, a amante francesa me deu menos trabalho do que daria um sítio que teria de ser limpo, cuidado, arranjado e sortido. Ele ia fazer churrascos que deixavam tudo na maior desordem enquanto caia bêbado de sono e de álcool.

         Epa! Um barulho de moto, qual dois esta chegando, o sem vergonha solteiro ou o casado. Vou olhar no escuro, para que não percebam que ainda estou acordada.

         Que estranho, é uma moto sim, mas esta parada na casa da vizinha da frente. Essa é separada, mas tem uma vida bem regalada. Os filhos, já grandes, aparecem de vez em quando. Se arrumou sem o marido apesar de ser da minha geração. Nunca entendi como.

         Olha lá, o motoqueiro esta entregando três pacotes de embrulho pardo. Agora ela puxou uma colher do bolso e abrindo um dos pacotes experimentou um pouquinho. Fez cara de aprovação, com o que o motoqueiro se mandou.

         Mistério revelado, a vizinha independente faz é trafico. É uma maneira de não depender de marido nem de suas rabugices e infidelidades, amante francesa incluída. Que coisa! Isso nunca me ocorreu.

         Vou pensar, talvez ela precise de uma sócia. A vida ia ficar muito mais interessante. Que pensaria minha mãe?


[1]Esta musica foi criada por um famoso compositor mexicano Roberto Cantoral que entre outras compôs: El Reloj, El Triste, El Preso numero nueve. Lucho Gatica foi um dos mais conhecidos interpretes desta música.

CARAMBA! - Oswaldo U. Lopes




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CARAMBA!
Oswaldo U. Lopes


Caramba! Não pensava que ela ainda estivesse viva. Quantos anos faz? Eu estava terminando o colegial. Que me formei na medicina já faz 50 anos. É, as mulheres vivem mais tempo, mas fenecem mais cedo. Como é a música? “Quem jamais esquece não pode reconhecer”.

         Silvia Maria Marques dos Santos, o que estará ela fazendo aqui? Esta noite de confraternização era para ser entre ex-alunas do Des Oiseaux e ex-alunos do Colégio São Luís, ela era Sion, disso eu tenho certeza.

         A memória me confunde um pouco, para não dizer que me confunde muito, mas minhas lembranças dizem que a conheci no tempo dos bailecos de fim de ano, nas formaturas de colegial. Nada de muito complicado, você arrumava um smoking e um convite e lá ia bailar. Sion, Des Oiseaux, Sacré-Couer, Assunção, Notre Dame, tudo colégio de menina fina.

         Os bailaricos ficaram por ali, ao entrar na Faculdade de Medicina (1956) tudo mudou e as amizades também, fiquei um tempo sem vê-la até aquela noite no PS do HC. Eu sabia que o pai dela era Major do Exército (Intendência), não me lembro dele prepotente, nem ostensivo como milico.

         Como me localizaram ainda hoje é um mistério para mim. O que eu soube é que ela tinha ingerido um monte de comprimidos (tentativa malsucedida de suicídio) e que falava o meu nome. O pai a trouxera ao Pronto Socorro. Começaram a me procurar e eu queria era me esconder, me mandar. Contei um resumo-sumário ao Gayotto que na ocasião já era Residente de Segundo Ano (R 2) e cujo plantão eu frequentava.

         Ele me convenceu a ir lá vê-la, falar com ela e com o pai. Ele estava visivelmente acabrunhado, mas preocupado com a filha e disposto até a passar vexame, me explicou o estado dela. Conversamos um pouco e ela ficou tomando soro e depois foi para casa. É tudo que a memória me permite. "Devia haver um produto que se você passasse, ela deixava de ser fosca e ficava que nem vidro limpo"

         Ela nunca fora bonita, daquela beleza de chamar a atenção, tinha até espinhas no rosto. Agora não tinha mais as tais espinhas da adolescência, estava mais gorda, bem, todos estávamos, tinha um lábio meio caído e o cabelo ralo.

         Não deu para escapar, veio na minha direção sorriso no rosto, falando baixo.

— Lembra de mim? Sou difícil de esquecer não é o que você esta pensando, donde saiu esse traste?

— Lembro. Só acho estranho, a Festa e Des Oiseaux x São Luís e você era Sion de carteirinha.

— Tenho amigas que me contam coisas e convidam para espairecer. Imaginei que você era capaz de aparecer, aí deu vontade de te ver.

— Como daquela vez no Pronto Socorro?

— De certo modo sim, mas não tomei nenhum comprimido desta vez. Está pensando o que será que ela quer? Nada em especial. Sei que você enveredou por um caminho longo e complexo, o meu foi mais reto e simples.

         Ela parece ser capaz de ler pensamentos, não estranharia se ela montasse numa vassoura e saísse voando. A vida nos apronta cada uma. Como escapo desta?

— Quer escapar? Faz pelo método antigo, diz que vai procurar um drinque e some.

         Foi o que fiz. Sumi pelos fundos, a memória latejando e fosca como sempre.

Vizinha bipolar - José Vicente J. de Camargo



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Vizinha bipolar 
                         Encontros e Desencontros                                 
José Vicente J. Camargo

Têm vezes que me arrependo e xingo o momento que tomei determinada decisão. Foi assim que me senti ao aceitar o convite e ir poderia ter dado uma desculpa à festa de apresentação da nova família que se mudou para o quarteirão de casa. Eu, que aprecio música clássica, quase estouro os tímpanos quando chego e ouço aquela aberração de música metálica muito além dos decibéis suportáveis para qualquer mortal civilizado. Fora isso, me deparo com uma galera totalmente estranha ao meu convívio social. Num passar de olhos atino que a família deve ter filhos adolescentes, já que o cenário é mais para uma discoteca funk do que para uma festa familiar.

Isso não é para mim!”, penso e já me preparo para sair de fininho, quando sinto um aperto no ombro, viro e dou de cara com a dona da casa que dias antes me entregou o convite, me fazendo prometer não faltar. Sua imagem, bem diferente da daquele dia:  séria, bem vestida, pouca maquiagem, me deixa surpreso e com um ponto de interrogação: “será a mesma ou alguma alma gêmea ninfomaníaca?”, pois sua imagem me faz instantaneamente recordar a da Marilyn Monroe de vestido longo brilhante colado ao corpo expondo suas formas imbatíveis de Vênus sussurrando o “parabéns a você” ao presidente  Kennedy com uma taça de champagne borbulhante na mão, e muitas outras mais na cabeça,  contorcendo-se sensualmente com os lábios comprimidos na forma de  beijinho. Me encara e diz enrolando a língua:

Não creio que você seja fã de funk! Como gosto de estar rodeada de gente jovem, que me eleva o espírito, convidei a turma da academia de ginástica que adora se alongar e brincar de bambolê para dar uma atmosfera mais sadia ao ambiente. Vamos à outra sala nos juntar ao pessoal mais maduro, experiente, que sabe degustar uma boa bebida e apreciar os canapés que preparei. E seguiu trocando, com um garçom perfilado, seu copo de Whisky por outro cheio e me servindo um duplo.

Entro no segundo salão e ouço aliviado um jazz pausado combinando com os convivas presentes, que conversam e riem em tom ameno que me aguça a vontade de compartilhar. Não vendo nem sendo apresentado a nenhuma alma gêmea e ouvindo dela que não é casada, nem tem filhos, concluo em seguida:

Minha vizinha é bipolar! Primeiro, seu modo de vestir, e agora, na sua festa, dois mundos completamente diferentes sob um mesmo teto. Só falta agora, ela sugerir para o polo jovem, que inicie o baile do cabide e, para o polo maduro, um jogo de bingo! E nessa, onde fico? Vou dizer a ela que estou curioso para conhecer a casa. Quem sabe ela não tem um polo neutro e me leva para algum cômodo onde possamos estar sozinhos? De qualquer maneira, retiro minha opinião sobre a festa não ser para mim, pois, após cada novidade, gosto mais...


Quando a juventude contagia. - Fernando Braga





Quando a juventude contagia.
Viagem de Aniversário.
Fernando Braga


Gustavo, meu neto mais velho, ia fazer 19 anos. Aproximou-se um tanto ressabiado e disse:

      — Queridos avós, eu gostaria de comemorar meu aniversário em nosso sítio em Rio Preto, levando 10 amigos do clube e do Insper, onde estudo.

— Querido, o sítio é seu, faça o que bem entender, respondemos.  Leve-os!

        Continuou: -Mas, eu gostaria que fossem juntos!

        Sempre fomos muito ligados e ele sabia que com sua avó, não haveria problema com a alimentação.  

         Iriam na semana próxima e lá permaneceriam de domingo a domingo.

        Para esta viagem, achamos que o melhor seria alugar uma Van, que lá permanecesse, para levá-los de um lado para outro. Tudo foi acertado.

       No domingo pela manhã, lá estavam em frente ao nosso prédio para seguirmos viagem. A maioria dos pais fizeram questão de trazê-los, também com o intuito de nos conhecer. Sanduíches, água e refrigerantes foram preparados e colocados na perua. Eu e minha mulher fomos em nosso próprio carro.

       A viagem de 450 quilômetros foi tranquila, com uma parada no meio do caminho, e às seis horas da tarde chegamos, ainda em plena luz do dia. Ao chegarem, resolveram, por unanimidade, dormirem os 10 juntos, em dois chalés, cem metros próximos, dividindo as camas e dois colchões colocados no chão. Queriam ficar à vontade, com privacidade!

        À noite convidei-os, incluindo o chofer, para irmos comer pizza na cidade, comemorando o aniversário do Gu. O consumo foi de 10 pizzas, com muitos sucos e poucas cervejas, com bolo e velinhas no final. Deu para perceber que comiam bem, mas bebiam pouca bebida alcoólica.

       No dia seguinte, logo pela manhã, sai para comprar uma boa quantidade de pão francês, biscoitos, pão de queijo. O resto, minha esposa havia levado, como manteiga, presunto, queijo, requeijão, bolo, etc. Levantaram por volta das 10 horas e vieram todos à grande mesa preparada, em um anexo da casa. Após o desjejum saíram para conhecer o sítio, que na realidade é uma beleza, um primor, com cinco lagos grandes, cheios com água de mina, piscina, campo de futebol, quadra de tênis, ping-pong, uma mata fechada, árvores frondosas por toda parte e a passarada. Sempre procuramos, naquele lugar, preservar ao máximo a natureza.

       Como esperávamos e estávamos preparados, aqueles rapazes fortes, sadios, tinham as mesmas características de nosso neto, eram bons garfos. Comíamos com o chofer, na copa.  Eram comportados, tomavam uma ou outra cerveja, mas a gozação entre eles era grande e palavrões ocasionais, também.

       Quando, ainda em São Paulo preparávamos a viagem, pensei que eu seria   protagonista. Lembrei-me de meus filhos quando pequenos e depois, de meus netos, quando íamos para a o sítio, eu procurava distraí-los, ensinando a fazer e empinar papagaio, fazer e usar estilingue, rodar pião, jogar bolinha de gude etc. coisas próprias de minha infância. Pensei em repetir estas coisas com estes rapazes, que para mim eram matutos da capital, que só sabiam usar celular.  Cheguei a comprar carreteis de linha 24, papeis de seda. Só faltaria ir cortar varetas no bambuzal, para saírem quadrados (papagaios). Mas...ninguém se interessou. Pensando bem, eram duas gerações depois da minha e adultos.

        Só queriam conversar entre eles. Mas eu me sentia deslocado, dentro de meu próprio sitio. Pareciam impermeáveis! Ainda bem que não sou complexado. Compreendi.

       Enquanto um grupo deles jogava ping-pong, outro jogava futebol, ficavam dentro da piscina conversando, ou mesmo nadando no lago. Divertiam-se à beça. Iam dormir tarde e vinham buscar, às 23 horas, nossa TV, para seus joguinhos. Todos os dias, no almoço e no jantar, comiam muito bem, comida não faltou. Resolveram fazer churrasco e os acompanhei ao açougue comprando as carnes que escolheram.

       No quarto dia decidiram ir a Olímpia, cidade próxima, nas Termas dos Laranjais, local hoje muito conhecido e muito frequentado, com águas termais, piscinas, brinquedos na água e até a imitação de um oceano com praia. Divertiram-se muito e ao chegarem, no fim da tarde, segundo meu neto, estavam verdes de fome.
                     Na sexta-feira tive uma ideia que era de minha época, que usei com filhos, sobrinhos e netos, para animá-los mais.  Pela manhã, durante o desjejum disse a todos, que havia enterrado três tesouros. Daria as dicas, um enigma, para que tentassem descobrir o primeiro. Se este não fosse descoberto, acabou. Houve interesse de imediato e falei que aquele que o descobrisse, poderia passar um belo dia com a namorada, almoçar ou jantar em bom restaurante, acompanhado por um belo vinho. Com o segundo tesouro, poderia passar uma semana nas mesmas condições e com o terceiro, um mês. Ficaram todos “ouvido” atentos e ansiosos para conhecer logo o enigma.

       Em caso de dúvida, cada um poderia fazer uma pergunta, e eu, responderia apenas com um sim ou não. No papel que lhes forneci constavam duas frases em português, onde o tesouro estava enterrado, que era a seguinte:
       “Está enterrado, bem no meio dos troncos das duas primeiras jabuticabeiras.  Coloquei as sílabas em ordem inversa, substituindo vogais por números, o A por 5, o U por 1, assim por diante”

       Muito vivos, não deu meia hora para que solucionassem o que estava escrito.   Imediatamente, afobados, dirigiram-se à casinha onde ficavam os enxadões e escavadeiras. Meu neto, sabia onde ficava o conjunto de dez jabuticabeiras.  Cavoucaram, cavoucaram, acabaram cortando três tubos de borrachas, que conduziam água para os pés destas árvores, e ... nada.

        Vieram falar comigo e perguntaram qual eram as duas primeiras jabuticabeiras, as que ficavam mais em cima, perto da entrada do sítio ou as de baixo, próximas à sede. Com a pergunta mal formulada, não respondi.

        Nesta altura, a vovó torcendo por deles, começou a me fazer perguntas com respostas para sim ou não. Neguei responder a ela e me retirei. Cavoucaram de todos os lados e ...ainda nada. Descobriram duas outras árvores, mais lateralmente e próximas à garagem dos carros. Após muito exaustão ... nada encontraram.

       Foi quando meu neto, olhando melhor, notou uma jabuticabeira velha a 10 metros da casa e outra ao lado da garagem, com distância de uns 8 metros entre elas. No meio, havia uma área de passagem para carro, com terra batida, coberta por pedregulhos. Um deles, que nenhuma pergunta havia feito inquiriu:
      — O local entre elas tem pedregulho?

Tive que responder, sim.

       Mediram a distância entre os troncos, cavoucaram e logo deram com a presença de uma garrafa de plástico, contendo R$ 500,00, em notas de cinquenta. Alegria geral, após todo o esforço dispendido. Logo, queriam sair em busca do próximo tesouro, que em seus cálculos devia ter sete vezes mais!  Eu disse que, apenas no dia seguinte, sábado.

       À noite programaram ir a uma balada na cidade, em danceteria conhecida. O chofer os levou, preparado para voltar tarde. Lá chegaram por volta das 21horas e o movimento era pequeno. Com o dinheiro do tesouro, meu neto pagou a entrada de todos e ainda deu para sentarem-se em uma área privilegiada VIP, onde refrigerantes, petiscos e algumas bebidas alcoólicas eram livres.

        Por volta das 23 horas, o local estava superlotado, com dezenas de garotas disputando aquele bando de rapazes bonitos, simpáticos, universitários, vindos de São Paulo e, sentados em setor VIP. Imaginou? Todos conseguiram garota! Foi o máximo!

        Quem não gostou muito foram alguns rapazes da cidade. Por volta das 4 horas da manhã saíram, a casa estava para fechar e em vias de quebrar o pau. Um deles já estava escondido dentro da perua, para não apanhar. Nada de pior aconteceu!

        Ao chegaram, pela madrugada, resolveram nadar na represa. Ainda bem que eu não havia comentado que a Sylvinha, mesmo nome da vovó, nome dado a uma enorme Sucuri, que tinha comido aos poucos meus 17 gansos, habitava aquele lago.

       No final da manhã, estando todos sentados próximos à piscina, me aproximei e mostrei o livro que, recentemente, havia publicado e cuja capa mostrava uma tomada fotográfica do sítio. Pedi para ler um de meus contos, O meu chapéu. Após silêncio comecei a leitura e notei que todos ficaram interessados. Na metade da leitura, o sino para o almoço badalou. Tive que parar.

        À tarde todos queriam saber do segundo tesouro. Coloquei um cheque de R$ 3.000,00 entre as páginas de meu livro, enrolado em um plástico e coloquei-o junto ao pé de uma arvore, dentro da mata densa. Dei a eles o trajeto que deveria ser usa do:

      — Na árvore de Pau Brasil, contar vier itch steps em direção leste, virar 90 graus em direção sul e contar zieben san steps. Seguir em direção sudoeste e na terceira árvore grande, o tesouro. Meu neto nada sabia de Pau Brasil e eu não falei. Foram ao celular e procuraram pelas características desta árvore. Tiveram êxito!  Um deles que conhecia alemão e outro, que conhecia os números em japonês, decifraram os 47 passos iniciais para leste e depois os 73 passos em direção sul. Conseguiram localizar os 4 pontos cardeais pelo celular, utilizando o local da nascente do sol.

        Saíram todos, menos um deles que havia cortado o pé, animados à procura. Com o prazo até as 20 horas, quando começaria a escurecer, teriam quatro horas pela frente. Ficaram demoradamente procurando à sudoeste, na mata ao lado da represa e... nada.  A dúvida era se o tesouro não  estaria do outro lado do lago, dentro da mata densa. Neste local, uma parte do lago estava assoreada, mantendo uma passagem estreita em U, uma parte dentro da lama.

       Será que teriam que atravessar a lama?  

       A vovó, muito viva, novamente querendo ajudar, foi até a sede à procura de meu tênis velho e lá encontrou-o todo molhado, lavado, mas a sola ainda com barro.  Concluiu que eu havia atravessado para o outro lado do lago. Voltou, e contou sua descoberta.  Um deles, o Vitor, imediatamente decidiu procurar do outro lado e logo viu as pegadas que eu havia deixado. Elas sumiam na entrada da mata. Vitor pensou em entrar, mas onde?  Era muito fechada.

       Ficaram bom tempo zanzando para cá e para lá e resolveram voltar, pedindo uma nova dica.

       Eu, observando, percebi que se o Vitor se entrasse onde, por várias vezes passou, tudo estaria perdido, para mim. Faltavam ainda 20 minutos para as 20,00 horas. Aceitei dar-lhes mais uma chance, com a certeza de que o tempo se esgotaria:

— Há muitos anos assisti a filme que muito gostei, cujo nome é Sansão e Dalila. O Vitor pegou imediatamente o celular e em dois minutos saiu correndo, gritando: Sou eu, sou eu! Viu que o nome do artista era Victor Mature. Concluiu que significava que era ele, o que estava mais próximo do tesouro. Voltou ao lugar onde estava, entrou na mata, em um dos locais onde as pegadas desapareciam e após 5 minutos, estava eufórico, gritando, com livro nas mãos.

        Ao se depararem com o cheque, se animaram, propuseram dividi-lo. Apenas enfatizei que o Vitor, que havia descoberto devia ficar pelo menos com a metade.

       O terceiro tesouro, ficaria para a próxima vez, disse eu.

       No dia seguinte, era o retorno à São Paulo.

       Domingo pela manhã, após o café, com pãozinho torrado, que sai para comprar, estávamos prontos para levantar âncora. Então, meu neto, aproximando-se, me entregou o cheque dizendo:


— Vô eles não aceitaram e quiseram devolver o seu dinheiro. Disseram que o senhor complementou esta viagem, trazendo a maior alegria a todos, que deram nota 10 a este passeio. Enfatizaram peremptoriamente, que “em hipótese alguma queriam ficar com o cheque”

 Já que é assim, me aproximei dizendo:

      — Obrigado a vocês, citando o nome de cada um!

       Um adendo. Na noite, anterior à partida, reunidos, pediram-me que terminasse a leitura daquele conto: O Chapéu. Aceitei aquilo, como uma atenção por parte deles. Entreguei a eles o exemplar do livro Uns e Outros, com uma dedicatória, para cada um.

       Nós, os avós, gostamos muito de toda turma. Confesso que cheguei a sentir saudade de minha mocidade e até daquela criança, que um dia fui.  Meu neto, complementou nossa alegria agradecendo, comentando que, nunca se esqueceria do seu décimo nono aniversário! Valeu!

        Em São Paulo, nos dias seguintes, recebemos telefonemas da maioria dos pais, agradecendo pela grande acolhida que demos a seus filhos.

        Um deles me mandou entregar um livro seu, Pinturas do Antigo e Novo Testamento. Não o conhecia e não sabia que um exemplar como este, considerado uma obra prima, havia sido presenteado pelo governo ao Papa João Paulo II, por ocasião de sua visita ao Brasil. O pintor é simplesmente o famoso Carlos Araújo.