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MARCANDO AS HORAS - Oswaldo U. Lopes




MARCANDO AS HORAS
Oswaldo U. Lopes

         Deitada e sem sono, por quê? Acho que já são onze ou meia noite e continuo no escuro pensando neles. Marido e filho de moto rolando por ai tarde da noite de quinta-feira. Antes isso acontecia na sexta-feira e no sábado, agora já começa na quinta-feira.

         Que horas será que são? Isso esta parecendo bolero do Lucho Gatica: “Reloj no marques las horas”  [1].  Que vida de merda... Invejo minha filha, Julia, tem independência econômica, casamento não deu certo se separou e seguiu a vida com dois filhos e olha que mal tinha completado cinco anos de casamento, bodas de madeira, bate nela para espantar o azar.

         A minha geração e a da minha mãe sempre foram de aguentar tudo pela família, é preciso manter todos unidos, custe o que custar. Para ser sincera, o que mais nos dificultava buscar outro caminho era a parte material. Dependíamos economicamente dos maridos. Júlia não, tem profissão e recursos, o marido se engraçou, mandou-o as favas.

         O Henrique, meu filho é um machista sem igual que eu ajudei a criar, mas é solteiro. Que ande de moto tarde da noite, é caso de preocupação e não de sem-vergonhice. Olegário também é machista e eu devia tê-lo mandado pro inferno lá atrás. Em nome da família fui ficando e aguentando desaforo seguido de desaforo. Teve até amante francesa, se tivesse sido um sítio ainda restaria um bem de algum valor.

         Pensamentos tortos, a amante francesa me deu menos trabalho do que daria um sítio que teria de ser limpo, cuidado, arranjado e sortido. Ele ia fazer churrascos que deixavam tudo na maior desordem enquanto caia bêbado de sono e de álcool.

         Epa! Um barulho de moto, qual dois esta chegando, o sem vergonha solteiro ou o casado. Vou olhar no escuro, para que não percebam que ainda estou acordada.

         Que estranho, é uma moto sim, mas esta parada na casa da vizinha da frente. Essa é separada, mas tem uma vida bem regalada. Os filhos, já grandes, aparecem de vez em quando. Se arrumou sem o marido apesar de ser da minha geração. Nunca entendi como.

         Olha lá, o motoqueiro esta entregando três pacotes de embrulho pardo. Agora ela puxou uma colher do bolso e abrindo um dos pacotes experimentou um pouquinho. Fez cara de aprovação, com o que o motoqueiro se mandou.

         Mistério revelado, a vizinha independente faz é trafico. É uma maneira de não depender de marido nem de suas rabugices e infidelidades, amante francesa incluída. Que coisa! Isso nunca me ocorreu.

         Vou pensar, talvez ela precise de uma sócia. A vida ia ficar muito mais interessante. Que pensaria minha mãe?


[1]Esta musica foi criada por um famoso compositor mexicano Roberto Cantoral que entre outras compôs: El Reloj, El Triste, El Preso numero nueve. Lucho Gatica foi um dos mais conhecidos interpretes desta música.

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