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Político por acaso - Ises A. Abrahamsohn




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Político por acaso
Ises A. Abrahamsohn


Ainda não tinham cimentado o túmulo de seu amigo e compadre e já vinham os políticos e funcionários da pequena Iacri cumprimentá-lo com vênias e rapapés que o Dr. Júlio Hirata detestava. Era o vice-prefeito e como tal, em princípio, teria que assumir o cargo com o falecimento do Antenor, seu amigo e prefeito eleito há menos de dois meses. Quando aceitou ser vice do Antenor, foi apenas para fazer um favor ao amigo. Nunca imaginara que ele, com apenas 45 anos, iria ter morte súbita. Só aceitou porque sabia da honestidade do amigo e este o convenceu que precisava do apoio para formar uma chapa com boa chance de desbancar a corja que se instalara há uma década na prefeitura.

Dr. Júlio era médico respeitado e benquisto na cidade. Tinha crescido na cidadezinha, neto de imigrantes vindos no começo do século vinte para trabalhar na lavoura. As três gerações de Hirata moravam no mesmo antigo sobrado despojado no limite da cidade já quase na área rural encostado na pequena chácara da família. Com quinze anos Júlio foi mandado sozinho para São Paulo para completar os estudos como tantas crianças de origem japonesa. Foi morar na casa de apoio ao estudante, uma iniciativa de comerciantes estabelecidos em São Paulo para albergar os jovens da colônia que vinham estudar na capital. O rapaz se sobressaiu no curso científico e cursou medicina.

Já como cirurgião após a residência médica estabeleceu-se com mais dois amigos médicos em Iruí. A cidade contava com uma modesta Santa Casa, mas não havia um grupo que atendesse cirurgias.

Agora quatro anos após sua volta estava casado com Adelina, enfermeira formada em Ribeirão Preto e que trabalhava com o grupo. Os pacientes gostavam do jovem doutor e vinham das cidades vizinhas se consultarem.

Acabrunhado, o Dr. Júlio caminhava sozinho do portão do cemitério para casa. Adelina tinha saído bem antes guiando o carro da família. Tinha recusado os vários oferecimentos de carona. Queria pensar...

O que fazer? Poderia renunciar e então? Assumiria o Genivaldo, presidente da câmara municipal. Corrupto como ele só! Não. Teria que assumir o cargo. Sentiu que devia isso ao amigo morto. Era a possibilidade de tirar aquela gente de lá e fazer algo pelo povo. Adelina o tinha incentivado a aceitar o cargo. 

Creio que ela confia mais em mim do que eu mesmo! Era o que Júlio dizia para si. Não vou decepcioná-la.

De fato, no dia seguinte o Dr. Júlio informou que assumiria a prefeitura. A posse se deu dois dias depois na sala da câmara. Acabada a cerimônia já havia a fila do Genivaldo e seus coligados pedindo conversas em particular. O novo prefeito, que era inexperiente, mas não inocente, marcou só para a outra semana. Queria antes se inteirar da situação da prefeitura. Com a ajuda de um contador e de dois vereadores nos quais o Antenor confiava, logo descobriram as mutretas disfarçadas nos balanços dos gastos do governo anterior. Os roubos mais vultosos eram nas contratações de serviços em valores muito mais altos que os normalmente praticados. Logo viram os nomes de firmas de fora da cidade que se revelaram serem de parentes do tal Genivaldo. Eram fornecedores de alimentos para as escolas, creches e para o hospital da cidade.

Assim na semana seguinte o Dr. Júlio estava bem preparado para a visita do Genivaldo.

Quando eles vão abrir o jogo depois desse lero-lero? Será que a gravação vai sair boa? Pensou, olhando disfarçadamente para a gaveta entreaberta onde tinha colocado o gravador.

Lá pelas tantas, tomados os cafezinhos, o Genivaldo, com voz mansa, começou:

O doutor vai ver que não é difícil ser prefeito. A gente resolve quase tudo na câmara. Tirando uns três abelhudos, dá certo. Pode contar conosco. Tem boas oportunidades. Já percebi que sua casa tá precisando de uma reforminha. Dá pra arrumar fácil. Também tá na hora de o senhor trocar o carro, não é? Uma pessoa de sua posição na cidade...  Não fica bem andar com a pick-up do jeito que está...

O honesto Dr. Júlio se fez de bobo, não disse sim nem não. Ficou de conversarem em uns dois dias. Tempo que ele usou para procurar o Ministério Público em Bastos e fazer a denúncia levando o gravador que foi suficiente para convencer o promotor a abrir o inquérito.

O que o jovem prefeito fez foi cancelar todos os contratos suspeitos. Foi um escândalo. Com muitas repercussões. Chegaram a pichar o muro de sua casa com ameaças.

Mas quando a notícia das falcatruas se espalhou, o povo apoiou o Dr. Júlio. 

Tinham elegido o Antenor e seu vice para se livrar dos corruptos. Os 
vereadores, muitos da turma do Genivaldo, se bandearam para o lado do novo prefeito. Temiam não serem reeleitos.

Assim o novato e honesto prefeito fez um ótimo governo na prefeitura. Apenas um mandato. Não era sua ambição. Mas os moradores da pequena Iacri sabiam agora como podia ser uma boa administração.


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