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Quando a juventude contagia. - Fernando Braga





Quando a juventude contagia.
Viagem de Aniversário.
Fernando Braga


Gustavo, meu neto mais velho, ia fazer 19 anos. Aproximou-se um tanto ressabiado e disse:

      — Queridos avós, eu gostaria de comemorar meu aniversário em nosso sítio em Rio Preto, levando 10 amigos do clube e do Insper, onde estudo.

— Querido, o sítio é seu, faça o que bem entender, respondemos.  Leve-os!

        Continuou: -Mas, eu gostaria que fossem juntos!

        Sempre fomos muito ligados e ele sabia que com sua avó, não haveria problema com a alimentação.  

         Iriam na semana próxima e lá permaneceriam de domingo a domingo.

        Para esta viagem, achamos que o melhor seria alugar uma Van, que lá permanecesse, para levá-los de um lado para outro. Tudo foi acertado.

       No domingo pela manhã, lá estavam em frente ao nosso prédio para seguirmos viagem. A maioria dos pais fizeram questão de trazê-los, também com o intuito de nos conhecer. Sanduíches, água e refrigerantes foram preparados e colocados na perua. Eu e minha mulher fomos em nosso próprio carro.

       A viagem de 450 quilômetros foi tranquila, com uma parada no meio do caminho, e às seis horas da tarde chegamos, ainda em plena luz do dia. Ao chegarem, resolveram, por unanimidade, dormirem os 10 juntos, em dois chalés, cem metros próximos, dividindo as camas e dois colchões colocados no chão. Queriam ficar à vontade, com privacidade!

        À noite convidei-os, incluindo o chofer, para irmos comer pizza na cidade, comemorando o aniversário do Gu. O consumo foi de 10 pizzas, com muitos sucos e poucas cervejas, com bolo e velinhas no final. Deu para perceber que comiam bem, mas bebiam pouca bebida alcoólica.

       No dia seguinte, logo pela manhã, sai para comprar uma boa quantidade de pão francês, biscoitos, pão de queijo. O resto, minha esposa havia levado, como manteiga, presunto, queijo, requeijão, bolo, etc. Levantaram por volta das 10 horas e vieram todos à grande mesa preparada, em um anexo da casa. Após o desjejum saíram para conhecer o sítio, que na realidade é uma beleza, um primor, com cinco lagos grandes, cheios com água de mina, piscina, campo de futebol, quadra de tênis, ping-pong, uma mata fechada, árvores frondosas por toda parte e a passarada. Sempre procuramos, naquele lugar, preservar ao máximo a natureza.

       Como esperávamos e estávamos preparados, aqueles rapazes fortes, sadios, tinham as mesmas características de nosso neto, eram bons garfos. Comíamos com o chofer, na copa.  Eram comportados, tomavam uma ou outra cerveja, mas a gozação entre eles era grande e palavrões ocasionais, também.

       Quando, ainda em São Paulo preparávamos a viagem, pensei que eu seria   protagonista. Lembrei-me de meus filhos quando pequenos e depois, de meus netos, quando íamos para a o sítio, eu procurava distraí-los, ensinando a fazer e empinar papagaio, fazer e usar estilingue, rodar pião, jogar bolinha de gude etc. coisas próprias de minha infância. Pensei em repetir estas coisas com estes rapazes, que para mim eram matutos da capital, que só sabiam usar celular.  Cheguei a comprar carreteis de linha 24, papeis de seda. Só faltaria ir cortar varetas no bambuzal, para saírem quadrados (papagaios). Mas...ninguém se interessou. Pensando bem, eram duas gerações depois da minha e adultos.

        Só queriam conversar entre eles. Mas eu me sentia deslocado, dentro de meu próprio sitio. Pareciam impermeáveis! Ainda bem que não sou complexado. Compreendi.

       Enquanto um grupo deles jogava ping-pong, outro jogava futebol, ficavam dentro da piscina conversando, ou mesmo nadando no lago. Divertiam-se à beça. Iam dormir tarde e vinham buscar, às 23 horas, nossa TV, para seus joguinhos. Todos os dias, no almoço e no jantar, comiam muito bem, comida não faltou. Resolveram fazer churrasco e os acompanhei ao açougue comprando as carnes que escolheram.

       No quarto dia decidiram ir a Olímpia, cidade próxima, nas Termas dos Laranjais, local hoje muito conhecido e muito frequentado, com águas termais, piscinas, brinquedos na água e até a imitação de um oceano com praia. Divertiram-se muito e ao chegarem, no fim da tarde, segundo meu neto, estavam verdes de fome.
                     Na sexta-feira tive uma ideia que era de minha época, que usei com filhos, sobrinhos e netos, para animá-los mais.  Pela manhã, durante o desjejum disse a todos, que havia enterrado três tesouros. Daria as dicas, um enigma, para que tentassem descobrir o primeiro. Se este não fosse descoberto, acabou. Houve interesse de imediato e falei que aquele que o descobrisse, poderia passar um belo dia com a namorada, almoçar ou jantar em bom restaurante, acompanhado por um belo vinho. Com o segundo tesouro, poderia passar uma semana nas mesmas condições e com o terceiro, um mês. Ficaram todos “ouvido” atentos e ansiosos para conhecer logo o enigma.

       Em caso de dúvida, cada um poderia fazer uma pergunta, e eu, responderia apenas com um sim ou não. No papel que lhes forneci constavam duas frases em português, onde o tesouro estava enterrado, que era a seguinte:
       “Está enterrado, bem no meio dos troncos das duas primeiras jabuticabeiras.  Coloquei as sílabas em ordem inversa, substituindo vogais por números, o A por 5, o U por 1, assim por diante”

       Muito vivos, não deu meia hora para que solucionassem o que estava escrito.   Imediatamente, afobados, dirigiram-se à casinha onde ficavam os enxadões e escavadeiras. Meu neto, sabia onde ficava o conjunto de dez jabuticabeiras.  Cavoucaram, cavoucaram, acabaram cortando três tubos de borrachas, que conduziam água para os pés destas árvores, e ... nada.

        Vieram falar comigo e perguntaram qual eram as duas primeiras jabuticabeiras, as que ficavam mais em cima, perto da entrada do sítio ou as de baixo, próximas à sede. Com a pergunta mal formulada, não respondi.

        Nesta altura, a vovó torcendo por deles, começou a me fazer perguntas com respostas para sim ou não. Neguei responder a ela e me retirei. Cavoucaram de todos os lados e ...ainda nada. Descobriram duas outras árvores, mais lateralmente e próximas à garagem dos carros. Após muito exaustão ... nada encontraram.

       Foi quando meu neto, olhando melhor, notou uma jabuticabeira velha a 10 metros da casa e outra ao lado da garagem, com distância de uns 8 metros entre elas. No meio, havia uma área de passagem para carro, com terra batida, coberta por pedregulhos. Um deles, que nenhuma pergunta havia feito inquiriu:
      — O local entre elas tem pedregulho?

Tive que responder, sim.

       Mediram a distância entre os troncos, cavoucaram e logo deram com a presença de uma garrafa de plástico, contendo R$ 500,00, em notas de cinquenta. Alegria geral, após todo o esforço dispendido. Logo, queriam sair em busca do próximo tesouro, que em seus cálculos devia ter sete vezes mais!  Eu disse que, apenas no dia seguinte, sábado.

       À noite programaram ir a uma balada na cidade, em danceteria conhecida. O chofer os levou, preparado para voltar tarde. Lá chegaram por volta das 21horas e o movimento era pequeno. Com o dinheiro do tesouro, meu neto pagou a entrada de todos e ainda deu para sentarem-se em uma área privilegiada VIP, onde refrigerantes, petiscos e algumas bebidas alcoólicas eram livres.

        Por volta das 23 horas, o local estava superlotado, com dezenas de garotas disputando aquele bando de rapazes bonitos, simpáticos, universitários, vindos de São Paulo e, sentados em setor VIP. Imaginou? Todos conseguiram garota! Foi o máximo!

        Quem não gostou muito foram alguns rapazes da cidade. Por volta das 4 horas da manhã saíram, a casa estava para fechar e em vias de quebrar o pau. Um deles já estava escondido dentro da perua, para não apanhar. Nada de pior aconteceu!

        Ao chegaram, pela madrugada, resolveram nadar na represa. Ainda bem que eu não havia comentado que a Sylvinha, mesmo nome da vovó, nome dado a uma enorme Sucuri, que tinha comido aos poucos meus 17 gansos, habitava aquele lago.

       No final da manhã, estando todos sentados próximos à piscina, me aproximei e mostrei o livro que, recentemente, havia publicado e cuja capa mostrava uma tomada fotográfica do sítio. Pedi para ler um de meus contos, O meu chapéu. Após silêncio comecei a leitura e notei que todos ficaram interessados. Na metade da leitura, o sino para o almoço badalou. Tive que parar.

        À tarde todos queriam saber do segundo tesouro. Coloquei um cheque de R$ 3.000,00 entre as páginas de meu livro, enrolado em um plástico e coloquei-o junto ao pé de uma arvore, dentro da mata densa. Dei a eles o trajeto que deveria ser usa do:

      — Na árvore de Pau Brasil, contar vier itch steps em direção leste, virar 90 graus em direção sul e contar zieben san steps. Seguir em direção sudoeste e na terceira árvore grande, o tesouro. Meu neto nada sabia de Pau Brasil e eu não falei. Foram ao celular e procuraram pelas características desta árvore. Tiveram êxito!  Um deles que conhecia alemão e outro, que conhecia os números em japonês, decifraram os 47 passos iniciais para leste e depois os 73 passos em direção sul. Conseguiram localizar os 4 pontos cardeais pelo celular, utilizando o local da nascente do sol.

        Saíram todos, menos um deles que havia cortado o pé, animados à procura. Com o prazo até as 20 horas, quando começaria a escurecer, teriam quatro horas pela frente. Ficaram demoradamente procurando à sudoeste, na mata ao lado da represa e... nada.  A dúvida era se o tesouro não  estaria do outro lado do lago, dentro da mata densa. Neste local, uma parte do lago estava assoreada, mantendo uma passagem estreita em U, uma parte dentro da lama.

       Será que teriam que atravessar a lama?  

       A vovó, muito viva, novamente querendo ajudar, foi até a sede à procura de meu tênis velho e lá encontrou-o todo molhado, lavado, mas a sola ainda com barro.  Concluiu que eu havia atravessado para o outro lado do lago. Voltou, e contou sua descoberta.  Um deles, o Vitor, imediatamente decidiu procurar do outro lado e logo viu as pegadas que eu havia deixado. Elas sumiam na entrada da mata. Vitor pensou em entrar, mas onde?  Era muito fechada.

       Ficaram bom tempo zanzando para cá e para lá e resolveram voltar, pedindo uma nova dica.

       Eu, observando, percebi que se o Vitor se entrasse onde, por várias vezes passou, tudo estaria perdido, para mim. Faltavam ainda 20 minutos para as 20,00 horas. Aceitei dar-lhes mais uma chance, com a certeza de que o tempo se esgotaria:

— Há muitos anos assisti a filme que muito gostei, cujo nome é Sansão e Dalila. O Vitor pegou imediatamente o celular e em dois minutos saiu correndo, gritando: Sou eu, sou eu! Viu que o nome do artista era Victor Mature. Concluiu que significava que era ele, o que estava mais próximo do tesouro. Voltou ao lugar onde estava, entrou na mata, em um dos locais onde as pegadas desapareciam e após 5 minutos, estava eufórico, gritando, com livro nas mãos.

        Ao se depararem com o cheque, se animaram, propuseram dividi-lo. Apenas enfatizei que o Vitor, que havia descoberto devia ficar pelo menos com a metade.

       O terceiro tesouro, ficaria para a próxima vez, disse eu.

       No dia seguinte, era o retorno à São Paulo.

       Domingo pela manhã, após o café, com pãozinho torrado, que sai para comprar, estávamos prontos para levantar âncora. Então, meu neto, aproximando-se, me entregou o cheque dizendo:


— Vô eles não aceitaram e quiseram devolver o seu dinheiro. Disseram que o senhor complementou esta viagem, trazendo a maior alegria a todos, que deram nota 10 a este passeio. Enfatizaram peremptoriamente, que “em hipótese alguma queriam ficar com o cheque”

 Já que é assim, me aproximei dizendo:

      — Obrigado a vocês, citando o nome de cada um!

       Um adendo. Na noite, anterior à partida, reunidos, pediram-me que terminasse a leitura daquele conto: O Chapéu. Aceitei aquilo, como uma atenção por parte deles. Entreguei a eles o exemplar do livro Uns e Outros, com uma dedicatória, para cada um.

       Nós, os avós, gostamos muito de toda turma. Confesso que cheguei a sentir saudade de minha mocidade e até daquela criança, que um dia fui.  Meu neto, complementou nossa alegria agradecendo, comentando que, nunca se esqueceria do seu décimo nono aniversário! Valeu!

        Em São Paulo, nos dias seguintes, recebemos telefonemas da maioria dos pais, agradecendo pela grande acolhida que demos a seus filhos.

        Um deles me mandou entregar um livro seu, Pinturas do Antigo e Novo Testamento. Não o conhecia e não sabia que um exemplar como este, considerado uma obra prima, havia sido presenteado pelo governo ao Papa João Paulo II, por ocasião de sua visita ao Brasil. O pintor é simplesmente o famoso Carlos Araújo.


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