DICAS DA ESCRITA CRIATIVA

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ROTEIROS PARA TEATRO

Pé de Brinco - Vera Lambiasi


Pé de Brinco
Vera Lambiasi

Ontem a noite, na praia, perdi um pé de brinco.
Meu namorado me deu, um outro cara me fez perder.
Como explicar? Ai ai ai!

Estou enrolada, são cinco da matina, preciso achá-lo, está uma neblina desgraçada.
Só fui perceber agora?
Camisola desgrenhada, vestido de lese enfiado por cima, pés descalços.

São Longuinho, São Longuinho, se eu achar dou três pulinhos!
Corro na areia gramada, suo apesar do friozinho.
Mon Dieu! Aidez-moi!

Oh-là-là! Lá está o dito cujo!
Agora é voltar a dormir.
Tive uma segunda chance!

Pardonne-moi mon amour! 

Um dia imigramos - Ana Maria Maruggi

 


Um dia imigramos...
Ana Maria Maruggi

Nossas mãos rijas se entrelaçaram enquanto nossos corpos tesos, em pé, equilibravam-se no estranho píer. Um tocar severo, mas acolhedor. Era manhã de segunda feira e o sol raiava devagar à oeste, tão lentamente que parecia ser proposital para que conseguíssemos colocar em ordem nossos  pensamentos e pudéssemos aplacar nossas dores. A língua tão diferente da nossa nos assustava mais que  todas as milhas de distância que tivemos que percorrer para estar ali. Nossa primeira hora em terra que nunca visitamos, mas onde viveríamos até o fim de nossos dias. Meu corpo magro respirava alto, e meus pés juntados tremiam aos solavancos. Pensei em olhar nos olhos de meu esposo para dar-lhe apoio, mas tive medo de ver pavor neles. O mesmo pavor que me encobria, e assolava minha alma poderia estar tomando conta dele. As malas, que guardavam nossa história,  jaziam entristecidas ao canto, umas sobre as outras. Uma saga inteira em dois metros de píer. Alegrias e tristezas que pareciam apagar aos poucos para dar lugar à insegurança. Pensei em dizer algo, mas minha boca selada mentia sobre a alegria de aportar no Brasil. Já tinha saudade de minha família, e dos amigos que deixei tão distante. Tinha muito medo de nunca mais vê-los. Meu coração debatia-se feito pássaro engaiolado pela dor da deserção. Desertamos, meu Deus, desertamos! Fugimos! O que viemos desfrutar neste mundo! Meu marido estava certo quando disse que seria muito difícil, e ainda nem caminhamos um passo sequer dentro deste país. Meus pensamentos giravam me atormentando, fervilhava minha cabeça, estourava meu peito.

Nesse momento senti que a mão dele, inconscientemente, apertou a minha. Correspondi. O que dizer a um homem que se sente derrotado, desertor, e estranho? Continuei calada na esperança de que a voz dele rompesse o maldito silêncio que nos amordaçava, e nos levasse para qualquer lugar. Queria olhar seu rosto e oferecer-lhe o conforto que eu não tinha naquele momento. Queria dar-lhe carinho e um doce sorriso, mas minha alma medrosa se acanhava no canto do mundo e tremia toda apavorada pelo que ele poderia dizer.  Um apito soou para tirar-me do pesadelo. Mas o que conseguiu foi mostrar-me a pressa que o mundo tinha em nos empurrar para a vida, fosse ela qual fosse.

Desta vez eu apertei demasiadamente a mão dele, ele correspondeu. Nosso silêncio purulento nos engolia. Precisava dizer alguma coisa que nos tirasse do muro de abismo. Pensei em nossa juventude, em nossa força física, em nosso casamento... ”Tudo bem”...Essas palavras pálidas soaram baixinho, mas tão baixinho que somente eu pude ouvi-las. Apertei novamente a mão dele e esbocei um patético sorriso. Naquele instante era tudo que eu podia dar-lhe. Minha alma se esforçou muito para ofertar-lhe tão pouco.


De repente  forte vigor o fez inflar. Sua mão grande encaixou-se  anatomicamente à minha. Com a outra mão agarrou como pode as malas. Presenteou-me com seu melhor sorriso, e conduziu-me para dentro do Brasil. Há 62 anos, e sempre fomos muito felizes aqui. 

Colegas de Classe - Vera Lambiasi



Colegas de Classe
Vera Lambiasi

Pessoas maduras, frequentavam as mesmas aulas de espanhol.

Ele, para o trabalho de representante comercial, na firma de carpetes.
Ela, para aprimorar a língua, e se inscrever no curso de história da arte, em Barcelona.
Na sala de aula o clima respeitoso imperava, mas durante o café, sentiam-se como adolescentes na cantina da escola. Comiam um bauru de tostex e bebiam uma caçulinha.
Embalados pela refeição, voltavam no tempo e paqueravam-se.
A coisa foi esquentando, até o mestre já percebia a mútua admiração.
Não existia mais vida em suas casas. A motivação de existir, vinha das idas às classes de espanhol.
Acabado o curso, foi marcado o secreto encontro em Barcelona.
E bateu nos dois o perigo de largarem seus casamentos.


Por uma paixão de crianças de cantina!

Rude amor - Vera Lambiasi



Rude amor
Vera Lambiasi


Homem rústico, para lá de bonitão, um verdadeiro companheiro.
Trabalhador, rachado dos pés, esperava pela sua amada. Seus beijos suculentos, qual baba de moça, o enfeitiçavam.
Chegava ela toda garbosa, mãos longilíneas o acariciavam.
Vindo da estiva, era plenamente recompensado por tanto amor.
Na areia incandescente acordavam os dois, banhados de sol e sal.

Quem dera fossem já adultos e casados ...

E não primos, que roçam as mãos!

Eu Sei de Tudo! - Vera Lambiasi


Eu Sei de Tudo!
Vera Lambiasi


Sabe nada!
Como iria saber, esse homenzinho azul?

Recebi tudo em espécie, não havia depósito bancário, doc, ted, nada!
O pacote foi entregue no meio do mato, sem câmeras, celulares, canetas espiãs.

Minha mulher não tinha conhecimento, não ia contar à manicure.
Meus filhos nem desconfiavam.
A cozinheira estava ocupada com o doce de abóbora.
O motorista estava lavando o carro.
O jardineiro cuidando da jaboticabeira em flor.
Os vizinhos com filhos pequenos, algazarra demais.
Minha sogra cuidando dos outros netos, na temporada de praia.

E minha mãezinha?
Ah! Minha Mãezinha! A sete palmos de terra!
Perdão, minha mãezinha!

Não receberei mais um tostão!

DO MEDO A FRUSTRAÇÃO - Oswaldo Romano


DO MEDO A FRUSTRAÇÃO
Oswaldo Romano                           
                          
            Há muito guardo este segredo, mas chegou o momento de fazer não só sua revelação, como também enfrentar suas consequências.

            Estou sendo audacioso em trazê-lo à tona, e o faço porque não podia mais suportar o peso dessa aflitiva passagem. Quase já não dormia, a noite ficou longa e inquieta. Quanto mais o tempo passava, mais crescia meu desespero, chegando às raias de um visível desconforto observado por muitos. Enchia meu pensamento, eu rolava na cama, precisava me desvencilhar daquela preocupante aflição.

            É difícil sustentar uma culpa mesmo quando ela já é por nós condenada. Faltava abrir uma válvula de alívio, contar a verdade, expelir aquela permanente pressão.       Faltava coragem.

            Aconteceu numa única noite, depois de ingerir algumas bebidas, nada justificava aquela imbecil traição. Ela era linda, mas a que escolhi há tempos como esposa, supera de longe pela beleza interior.

            Deixei em minha casa a pessoa  a quem prometi fidelidade. Cuidava com amor das minhas coisas, tomava conta de mim, mas nesse dia falhou sua proteção, a proteção dos seus anjos sempre atentos, nas nuvens, descuidados, deixaram acontecer.

            Com este meu depoimento, desfaz-se o que há tanto tempo me aprisiona.

            Estava decidido: Uma vez livre por fora, nada nem ninguém iria conseguir me aprisionar por dentro.

             Contaria todos os detalhes ao meu permanente amor que em casa, cuida de tudo, nada me cobra e dedica tanto carinho à toda família.

            Assistia na sala de TV a um concorrido jogo de futebol que (em vez de ponto, um pronome relativo QUE) acontecia naquela cidade, a mesma  onde eu cometi tal traição ! Meu time ganhava, eu torcia, ria, estava solto. Coragem... É agora. Sim o momento é propício e nesse dia até a cidade do jogo, me fazia mal. Estava decidido, chamei-a:

            — Bem, amor venha aqui. Quero te contar o que aconteceu. Sabe... foi  na cidade onde ocorre este  jogo...

            Lá do fundo ela respondeu:

            — Agora não posso, conte outro dia. Seu jogo não me interessa.

            

BRINCADEIRA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - ANIMAÇÃO DE FABIANO MACHADO

CRÔNICA DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO TRANSFORMADA EM UMA ANIMAÇÃO DE CURTA METRAGEM COM DIREÇÃO DE FABIANO MACHADO.


EU SEI TUDO - O INFELIZ SEGREDO - Oswaldo Romano


 


EU SEI TUDO - O INFELIZ SEGREDO
Oswaldo Romano

            Manoel viajava pela Ferrovia Central em direção a cidade de Pedreiras de Pasárgada. Pedreiras, uma pequena cidade do interior das Minas Gerais, fica distante quase um mil quilômetros da sua casa.

            Escolheu essa cidade porque iria encontrar nela muito mistério. Era exatamente o que precisava porque estava fugindo de uma verdade. O segredo que ocultava seria a garantia  de manter seu futuro no emprego que ora lhe forçou estas férias.

            Pedreiras de Pasárgada tinha fama de abrigar mulheres bonitas e independentes, livres, tão procuradas que chegou a receber políticos, condes, e o próprio rei. Ora, porque então não poderia também receber o Sr. Manoel? Ele também estava livre, refugiado, frustrado, razão da sua  viagem.

            Fazia tudo para guardar seu tão perigoso segredo.

            Manoel havia brigado, saiu do sério, agrediu sua mulher. Ele soube que estava sendo traído, ao receber um telefonema. A pessoa manteve-se anônima. Deixou claro que não era seu conhecido. Falava para seu bem, a mando de um seu amigo. Assim jamais o descobriria pela voz. Falou bem claro, minuciando detalhes, alterando o tom:             Quem lhe botava os chifres era seu chefe.
            Tinha que escolher: Qualquer abalo na sua reputação perderia o emprego. A traição revelada, vindo à tona, perderia o emprego e a mulher.

             Não foi uma perfídia corriqueira. Ela é uma loira linda, olhos azuis um tipo perfeito desde a tanajura, aguça os olhares masculinos. Quando casou, se colocou no lugar dos homens, sabia que corria esse perigo, mas não acreditou pudesse acontecer. E brincavam com ele: “Manoel, é melhor comer caviar com os amigos, do que mortadela sozinho”. Ele sabia do perigo, mas seu desejo falou mais alto.

            Partiram para uma possível separação. Retirando-se achou que esfriaria o acontecido e resolveria seu indigesto segredo, embora ruminando diuturnamente. Com suas forçadas férias em Pasárgadas, encontraria novos ares, novas mulheres, e com sorte conheceria o rei.   Assim pensando como balanço do trem sentiu-se mais leve, quase dormia quando surge o inesperado:

            Vem o guarda-vagão com alguns jornais e passando por ele que cochilava, com sarro, arrebatado anunciou:

Eu Sei Tudo, Eu Sei Tudo, Eu Sei Tudo, e foi passando para o fundo do vagão. Manoel despertou completamente. Com os mais tortuosos pensamentos, tomou uma decisão. Na próxima paradinha que a composição vinha fazendo recolhendo gente da roça, hábito daquelas paragens, em surdina desembarcaria. Não demorou, parou nas proximidades de uma fazenda, e conforme decisão desceu. O trem seguiu, ele suspirou.Olhou pro campo, o que ele vê? Vacas, vacas, vacas, vacas uma bem louraça. Sentou-se no dormente, matutou, levantou as mãos pro céu e disse: Eu sou mesmo, um chifrudo predestinado!

(Para os nascidos agora, Eu Sei Tudo, era o nome de uma importante revista, a mais vendida nos trens).

O SEGREDO DE DONA ANGELINA - Oswaldo Romano



O SEGREDO DE DONA ANGELINA
 Oswaldo Romano

            No desespero fui procurado pela Natália, informando com compulsivo choro, que sua mãe Angelina estava morrendo. Eu sou o Sebástian,  seu vizinho, nossas casas são geminadas.

            Moramos num Village, na cidade de Eze, França. A filha Natália e Angelina moram sós. O pai havia falecido há quatro anos deixando a mulher e dois filhos, Natália e Josep.

            Não sou muito de presenciar velório, enterro e muito menos ver alguém morrendo. Não quero acreditar no fim. Fico inerte indefeso e só de pensar eu morrendo, não saberia como me comportar.

            Mas precisei socorrer a moça. Assim que cheguei foi um choque para dona Angelina. Minha presença levantou desconfiança, acho que ela aceitou a morte. Questionava a Natália, o porquê eu estava ali. Foi-lhe dito que precisava de ajuda para vira-la na cama.
            — Não quero, ela disse, fico assim mesmo. Onde está Josep que não me visita?
            — Mãe, já chamei.
Nesse momento Angelina compreendeu o drama, e disse:

            — Não vai dar tempo de o Padre chegar Natália. Vou confessar com Sebastian, em nome de Deus.

            Surpreso com o pedido, para não contrariar a fúnebre vontade da moribunda sinalizei que Natália saísse. Retirando-se disse:

            — Mãe, vou na sala junto a imagem de Santa  Ângela, fazer sua reza.

            — Filha, você se lembra da oração?

            — Natalia retirando-se... Sim mãe. Vou rezar alto para a senhora ouvir:
Da sala chegavam às primeiras palavras...

            “Deus, nosso Pai, quando o sofrimento vier nos visitar, e, na aflição, não quisermos aceitá-lo, dai-nos força para não cairmos no desespero. Conservai viva e inabalável a nossa esperança. Na hora da dor, fazei-nos compreender, Senhor”.

            — Angelina me chamou para bem perto e disse: Moço, Sebástian. Escute bem, preciso revelar um segredo.

            — Hum... Mas comigo? - Não gostei, mas naquela situação não pude esquivar-me. — -Qual é o segredo Dona Angelina? Pode falar...

            — Natália não é minha filha. Ela não pode saber. Foi recolhida da porta de casa, chorava muito dentro de um cesto. Você fica com o segredo e só  conte isto ao meu filho Josep. Ele deve guardar como eu guardei, até seu último dia. Avise-o, se contar à Natália ou a qualquer outra pessoa, vai viver muito infeliz e amargar profundas crises pelo resto de sua vida.

            — Dona Angelina, me diga porque?

            — Porque... Vou contar para você o mistério: Quando achei o bebê, tive um abalo, quase desmaiei. Surgiu do nada, a Santa Ângela de quem sou fiel devota, abriu seu manto rubro e abençoou a criança. Olhou para mim e levantando as mãos, disse:- “Guarde em segredo este achado. Só o revele no leito de morte à pessoa confiável. Quem souber, deverá continuar com este mistério. Este bebê chegou de um espaço repleto de espanto e sofrimento. A partir deste momento, deixo a alma desta criança livre, e exorcizada”.



Escuta Sebástian, falou Angelina, prometa cumprir e fazer cumprir este segredo. Depois de contar ao Josep, este segredo vai sumir da sua vida, se apagar na sua memória. Tudo para você,  será um sonho esquecido.


E vem o sol - Mario Augusto M. Pinto



Releitura do Conto  E vem o sol, de João A. Carrascoza.


A partir daí cada um não era mais a andorinha solitária que não faz verão. Corriam para o quintal e voltavam ao pirilim do vídeo-game. Iam e vinham como pêndulos de relógios que batiam as horas quando chegavam ao piques.
A bola do canto da sala estava murcha. Tiraram as meias e as enrolaram como as avós faziam com os fios para tricotar seus agasalhos.
Qual sapos à beira dum riacho, pulavam e davam cambalhotas; gritavam de alegria como saracuras  e riam-se imitando as galinhas d´Angola: tô fraco, tô fraco...
As gotículas de suor nos seus rostos, qual prismas, refletiam as cores da luz do sol que pintavam a alegria de viver aqueles momentos.
O sol renasceu neles......



Mario Augusto Machado Pinto
marioamp@terra.com.br


CONTO COLETIVO

CONTO COLETIVO: Título ainda a ser desenvolvido no final da história. 

 À noite reluzia com os olhos claros e maquiados da vedete Laiza, elegantemente, postada à esquerda do escuro palco esfumaçado, onde apenas uma singela luz branca a identificava. Seus dedos lânguidos deslizavam apetitosos pela pele clara indo tocar os lábios vermelhos que em silencio aguardavam a deixa para começar sua tão elaborada interpretação de “Me Deixas Louca”. A casa estava lotada, nenhum ruído era ouvido, todos à espera da voz rouca e sensual da mulher mais desejada do Rio de Janeiro. 

Tantos homens a assediavam, tanto dinheiro lhe era oferecido. E com todos ela se deitava. Desejada por políticos, cantores, atores, turistas e qualquer um, Laiza não era mulher de homem fixo. Era apaixonada pela novidade, pelo bolso cheio, pela conta bancária recheada, pela oportunidade. Uma grande mulher de negócios! – Era assim que a qualificavam no Cabaret Best Night Club. Esperta, era tida como a raposa da noite carioca. 

A dançarina fez a vida nos palcos do mundo. Já trabalhou em Paris, Buenos Aires, em outros países onde ganhou muito dinheiro. Agora no Rio há mais de cinco anos, é proprietária do Cabaret Best Night Club, onde se apresenta com o principal número de palco. 

Seu currículo foi sempre de muito trabalho. Quase não se conhecem particularidades de sua vida, pois todos os seus dias são dedicados ao palco e à administração de casa noturna. 

Mas, um tenebroso segredo era guardado atrás desse olhar tão enigmático. Um bárbaro crime de assassinato praticado por suas tão delicadas mãos, de maneira fria e perversa. 

Uma noite de casa lotada enquanto uma nova dançarina se apresentava, Laiza encostou-se no balcão do bar para aprecia-la de longe. A escuridão do lugar tornava a visão turva e quase impossível distinguir as pessoas que estavam na plateia, era assim que a casa atraia seus clientes, com muita discrição. Foi quando uma voz masculina, bem perto do ouvido de Laiza sussurrou: “Eu sei o que você fez, e vou provar”. Ela voltou-se assustada, sem conseguir definir quem dentre tantos homens teria dito aquilo. Acendam as luzes! – ordenou ela. E tentando parecer calma rodou os olhos em todas as direções. Não havia nenhum cliente que ela já tenha visto na casa. Disfarçou: E então o que acham de nossa caloura. Fica ou vai embora? – perguntou em voz alta de onde estava. Ouviu um uníssono “fica”. Ela sorriu artisticamente: Continue, meu bem! 


ATENÇÃO PARTICIPANTES DA OFICINA ESCREVIVER DO CLUBE ALTO DOS PINHEIROS

1. Criar uma sequência para esta história, e enviar para Ana Maria.
2. Tamanho: um parágrafo de no máximo 10 linhas. 
3. Não finalize a história agora, pois a continuaremos por muito tempo, muitas vezes, até que vocês criarão desfecho. 
4. Vamos tentar levar este CONTO COLETIVO até setembro/2013, quando só então o finalizaremos. 
Estou aguardando sua contribuição com esta história.



CONTO: A conselho do marido - Artur Azevedo

Artur Azevedo - A Conselho do marido:



A CONSELHO DO MARIDO
Artur de Azevedo

Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no Rio de Janeiro, um de quarenta e outro de vinte e cinco anos, conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.

- Pois é como lhe digo, meu amiguinho! - dizia o passageiro de quarenta anos - o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a mulher quem for, deve mostrar que é homem! Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putifar reproduz-se todos os dias!

- E se o marido for nosso amigo?

- Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como José do Egito.

- O que você está dizendo é simplesmente horrível!

- Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em risco de pagar com a vida um crime que não praticou?

- Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?

- Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso amigo, paciência! Não se casasse com uma mulher assim! Olhe, eu estou perfeitamente tranqüilo a respeito da Mariquinhas! Trouxe-a comigo nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro teria ficado e eu estaria da mesma forma tranqüilo.

- Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos...

- Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la... chegou a persegui-la... Ela foi obrigada a dizer-mo para se ver livre dele... Dei um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!

Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas.

O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.

Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou nos seus braços. Era a Mariquinhas.

- Então? - perguntou ela - consultaste meu marido?

- Consultei...

- Que te disse ele?

- Aconselhou-me a que não fizesse como José do Egito. Amigos, amigos, mulheres à parte.

E o passageiro de vinte e cinco anos correu cautelosamente o ferrolho do camarote.



O PEQUENO PRÍNCIPE – AUDIOBOOK

O  Pequeno Príncipe - (parcial) Obra de Saint Exupèry

Arranje um tempo e dedique a esta audição. Você vai ganhar o dia!

Voz de Paulo Autran
Música de Tom Jobim


Vendedor Ambulante - Vera Lambiasi




Vendedor Ambulante
Vera Lambiasi


Alameda Gabriel Monteiro da Silva, anos 70.

Supermercado Sirva-se! Nome sugestivo, como se tudo fosse de graça. Só pegar e levar. Bela jogada de marketing, pois na verdade era bem carinho, comparado ao Mercado de Pinheiros.

Brunella Doces, point da moçada nas tardes iluminadas. Bomba de chocolate, torta de morango e o recém-descoberto fenômeno dos paulistanos endinheirados : sorvete de crocante!

E lá no meio-fio, alheio aos modismos da rua, Agenor! O tio do cachorro quente e seu carrinho, Dogão!

Meninas do Colégio Madre Alix, com suas saias que deveriam estar abaixo do joelho, correm ao seu encontro, a procura de um alimento descontraído.

Ah, essas saias, pensa seu Agenor, com singelo respeito.

Lembra-se de certa vez que a madre superiora desfez a barra assanhada da aluna atrevida. Chegou ao seu encontro com olhos lacrimosos, como uma injustiçada, e ele lhe ofereceu um Completão : 2 wieners, purê, molho, catchup, mostarda e maionese.

Semana seguinte, lá estava a menina modernosa com a barra feita, como manda o figurino freiral, mas com a saia toda enrolada no cós.
        Como controlar essa mocidade ?     
Dizia ele num queixume.

Agenor começou sua carreira de homem do hot dog em Curitiba, por isso referia-se à salsicha como wiener. E era VIP de origem! Vim do Interior do Paraná.

Contava divertidas histórias de paulistas, que quando perguntados se queriam uma ou duas wieners no sanduíche, respondiam que não queriam esse troço não. Entregues sem salsicha, vinham as reclamações. E quantas gargalhadas!

Lá pelos anos 90, seu carrinho foi roubado, e qual não foi sua surpresa ao ver os comerciantes, da já agitada Gabriel das lojas de decorações, se cotizarem e lhe comprarem um novo, último tipo!

Seu Agenor continua lá, com novidades! Entrou no ramo das batatas suíças, moda trazida do seu amigo Beto Batata, de Curitiba.

As saias das meninas saíram de cena e deram lugar aos jeans esfarrapados.

Até parecem aquela barra toda desfiada pela madre num dia de fúria!

VENDEDOR AMBULANTE - Mario Augusto M. Pinto




VENDEDOR AMBULANTE
Mario Augusto M. Pinto


Fuad estava cansado da sua vida repetitiva, rotineira de vários anos no Amazonas: acordar, fazer sua higiene matinal quando possível, vestir-se, engolir o café, dependurar as malas nos ombros e sair pelas ruas e rios, verdadeiros desertos líquidos buscando compradores para os produtos que tinha para vender. Era como assistir diariamente ao mesmo filme, sempre em preto e branco e mais alguns tons de cinza.

Escreveu ao seu tio Farid, de São Paulo, explicando sua situação e sentimento. Não aguentava mais o chamarem de turco da prestação, as desfeitas das moças, a gozação dos homens e a recusa das quengas em estar com ele – era libanês, falava francês, árabe e bastante do idioma ribeirinho. Não conseguia entender o porquê da recusa geral das mulheres comprarem seus produtos. Estava ansioso e aguardava resposta a qualquer momento.

Hoje, com seu tríplice idioma conseguiu falar com a mocinha Juriti, verdadeira perola engastada na região e pediu que ela lhe explicasse a situação. A conversa, difícil, era como trem que ia e voltava de uma estação para outra, resfolegando, derrapando pelos trilhos que levavam para um horizonte lindo na confusão feérica de suas cores.

Ela lhe disse que todos gostavam muito dele, mas depois de tanto ele dizer inch alá, as mulheres começaram a ficar ofendidas. Achavam que ele estava cada vez mais atrevido.

-Atrebido? Landinia lê! Que atrevido lê? Euô? Nunca! disse Fuad.

-É verdade seo Fuad. Quando as muié diz que vão comprá mais no mêis qui vem, ocê cruza os braço no peito e diz prelas incha lá, pra inchá os peito delas! Elas num gosta!

-Muié intendi nada! Alah, Deus. Fuad diz si Deus quêr!!!  Juruti, fia, exbrica prelas, vai, exbrica.

Depois das devidas explicações feitas por Juriti, aumentaram as vendas e Fuad sentiu-se melhor, podia flanar durante o fim de tarde nos igarapés e qual Dionísio mirar sua imagem refletida nas águas límpidas esverdeadas.

Para agradecer aos compradores, agora, no inicio de cada venda falava Bom Dia em árabe que seus fregueses entendiam assim Kifa, mabsut, lê! e sorria satisfeito. Ficava animado e vendia melhor. Não se sentia mais como camelo transsaariano carregando o mundo às costas buscando oásis de ternura e felicidade.

Quando chegou a carta com a resposta do tio Farid dizendo que as coisas estavam difíceis em São Paulo ele respondeu que então ficaria pelo Amazonas mesmo e agradeceu muito.

Sair dali? Nem amarrado! Ele agora assistia a filmes com cores diferentes. Já estava até com uma quenga fixa...inch Alá... para sempre, que ninguém é de ferro.        


Descobertas Literárias - Vera Lambiasi



Descobertas Literárias
Vera Lambiasi

A Biblioteca do clube é igual ao Ortocity, um pronto socorro de fraturas perto de casa. Você passa para pedir informação, levanta o dedo para perguntar e eles já te engessam a mão! O Marco do Clube é assim, você dá uma passadinha para perguntar alguma coisa e ele já te inscreve em qualquer curso.

Mas, desta vez foi fantástico porque fui cair num Café Literário e conhecer a professora Ana Maria Maruggi. O Café Literário aconteceu na Biblioteca do Clube, lugar que frequento há anos e a vejo sempre às moscas.

Estou frequentando a Oficina de Textos. Como sabem, escrevo um bocado, e, como diz o velho ditado, juntou a fome com vontade de comer. Ana comanda a oficina fazendo fluir ideias e estimulando nossa criatividade, e já começou a me ajudar com os meus.

Fiquei encantada com a turma. Senhores experientes na vida, escrevendo pela primeira vez. Seu Mario, por exemplo, já meu velho conhecido da academia de ginástica,  contando como seus escritos preenchem seu dia agora, confirmou minha impressão de que as crônicas se escrevem sozinhas. Vem um insight, a ideia fica martelando o dia todo, e quando pega a caneta jorra tudo. Você está refém da história e não consegue parar de contar.

Curti demais! E é vida real, Facebookenses !

HISTÓRIA DE VENDEDOR AMBULANTE - Oswaldo Romano




HISTÓRIA DE VENDEDOR AMBULANTE...
Oswaldo Romano    
                                              
            Viagens dos Caixeiros Viajantes pesam no folclore do interior. São  tantas histórias e muitas reais que até jumentos eram valorizados depois de prestarem serviços aos Salehs e Salins.  Os seresteiros criaram contos e cantos populares sobre eles, tornou-se raro um violeiro não compor mais de uma toada. Umas alegres, outras tristes como a história do Georginho que precisou ficar uma noite na cidade.           George durante o dia completou suas vendas. Alguns produtos ele tinha para pronta entrega, outros traria na próxima estada. Foi-lhe dito que aproveitasse a noite, pois haveria um baile ali no sítio próximo. Arrumou-se, e lá chegando postou-se de pé junto à pista de dança, inibido, pois não conhecia ninguém.

            O arrasta pé corria solto ao som da sanfona oito-baixos, violas tinindo no brilho e no som, violões vibravam. Ele, um vendedor ambulante, era um bom papo, mas ali sentiu-se um rejeitado. Preparava-se para ir embora, quando entra uma bonita e perfumada mulher que lhe esbarrando deixou cair seu molho de chaves. Gentilmente George apanhou-o e ao lhe entregar, ficou impressionado com seus lindos traços. Mudo, os olhares se cruzaram. Dançaram a noite toda. Inebriado, marcou um próximo encontro frente à matriz. Quis leva-la para casa, ela não permitiu, mas aceitou sua capa porque estava frio e garoando.

            No dia marcado, nosso vendedor ambulante esquecendo outros compromissos, lá estava ansioso esperando-a. Mas, ela não veio! Louco, saiu a sua procura junto às lojas conhecidas, nada sabiam, a não ser um velho que surgiu do nada e disse: — Venha comigo. Levou-o por um caminho arenoso até o cemitério e antes de retirar-se apontou um tumulo dizendo: Lá tem uma foto no totem com os traços da mulher que procura. George vacilou, desconfiou, mas foi. Era ela! Ficou estático, pasmado! Olhou para o céu, cerrou os olhos, questionou Deus!  Abriu os olhos, olhou para a cruz fixa no alto do totem, e nela viu a capa pendurada. Coitado, depois dessa evitou voltar das vendas a noite, mesmo a cavalo.

                        Na verdade o que eu queria era  contar a minha experiência como vendedor ambulante.

            Quando estudante noturno aprendi fazer perfumes com uma mulher.  Ela vendia frascos desse produto próximo do colégio. Não me lembro  às claras de  como consegui “a receita”... Mas, lembro-me que descemos até o bar do Quincas, onde lhe paguei um sanduíche e lhe ofereci um disco do irmão do Quincas, Nelson Gonçalves. Quincas, o dono, gravava  fados, Nelson... Saudades... O bar tinha um clima agradável, melodioso.

            Em poucos dias, eu produzia os mesmos produtos. Com um assistente, assíduo da porta do bar, nos separando vendíamos os perfumes. Ele quase sempre tocando campainhas, e oferecendo às empregadas. Meus fregueses eram alunos e professores. Os rótulos mais vendidos: STUDENT, TOUCH, RICH.

Mal acreditava. Ate o diretor do colégio apreciava aquelas fragrâncias! E meu vendedor ambulante, usando brincos, boina de pompom, chistoso na época, facilitava o pagamento em até três vezes!

            Qualquer homem arguto, militando como vendedor ambulante pode ficar rico e chegar a dono de uma invejável estação de TV.

QUANDO DOIS MENINOS SE ENCONTRAM - Oswaldo Romano




QUANDO DOIS MENINOS SE ENCONTRAM
Oswaldo Romano        
                             
            A felicidade ficou estampada no primeiro e uma desconfiança hesitante no segundo. Seus rostos entreolhavam-se tentando descobrir o porquê nascia e  firmava-se ter descoberto uma nova  amizade.

            Uma nova afinidade. Parecia já estar prevista há muito tempo, apenas aguardando aquele momento. Nada de dar as mãos, nada de apresentações, nada de muito prazer. Uma afeição imediata e verdadeira. Nem nomes perguntaram, eles apareceriam depois.

            Diferente dos adultos quando se encontram, mesmo já conhecidos, entra o:

            — Como vai? E ai, tudo bem?

            Na verdade mal ouvem a resposta. Só querem falar de si, e sempre no passado.

            Não foi o que aconteceu com as duas crianças. Só pensavam nos próximos passos.

            — Vamos correr?

            — Começavam a nova amizade correndo. Mal sabiam que essa corrida os acompanharia  o resto da vida. Enfiaram-se pelos corredores, ávidos, descobrindo o incerto, mas contentes com a nova situação.

            Mesmo com o forte sopro dos ventos no rosto, mal respiravam. Estavam felizes, olhavam-se, riam já imaginando aventuras e pedindo que aqueles momentos não acabassem. Tinham muito  que  falar. Ainda não conversaram.
            — Nunca te vi. Você é da escola?

            — Ainda não. Vim ontem do interior. Cravinhos.

            — É bonito lá? Tem muita gente?

            — Não. Aqui é que tem, né? Gente estranha, não dão bola...

            — Quando crescer o que você vai ser?

            — Já sei. Vou ser astronauta. A mãe já concordou. Meu pai vai pagar as despesas. No primeiro voo, prometi levar os dois pro espaço. Muito legal!

            — E você?

            — Eu, jogador. Futebol, vou ser um craque... Ainda é cedo, estou crescendo.

            — Tenho que ir. Eu vou pra casa. Meu nome é Joãozinho e o seu?

            — Marquinho.

            Assim, foi uma amizade de irmãos por alguns anos, quando foram separados pelo destino. As casas seriam demolidas, ali nasceria um grande prédio.
            O tempo envolveu anos, e do presente ao desconhecido futuro não perdoou. Cresceram, ficaram dois homens, montaram famílias, porém nunca mais se viram. Marquinho, agora Sr. Marcos, brevetado, regressou para Cravinhos onde pilota aviões que irrigam plantações com venenos.

            Hoje, voz corrente é que o mundo é pequeno. Por um desses deslocamentos funcionais, Joãozinho, agora Dr. João, alto funcionário da Secretaria da Agricultura, foi transferido para o interior, e gostou muito quando soube ser a cidade de Cravinhos, porque dela tinha uma simpatia adquirida quando conviveu com Marquinho.

            Moral da história: O homem que é feliz com o que conquistou na vida, é um sábio.
            

Novos participantes

Nossa Oficina ganha novos participantes.
É um grande prazer tê-los conosco!

Vera Lambiasi 
Ela já escreve boas e bem humoradas crônicas do cotidiano familiar, que são postadas no Facebook. Vale à pena ir até lá e conferir.

Lincoln 
Ele já escreve matérias para a Revista Mais.

Vamos nos divertir inventando boas histórias!







4 KM - Barbara de Lara


 

4 KM

Barbara de Lara


Do silêncio do vale escutava-se o gemido compassado do ranger das rodas, que nada se parecia com o gargalhar dos adolescentes  em cima da velha carroça cheia de mochilas.

Era com esse diz que diz que gostoso de todos falando ao mesmo tempo, que à medida em que se aproximava do sítio tornava-se mais forte, anunciando  nossa chegada...  Os afazeres paravam no tempo, dando  lugar a este momento tão esperado que se repetia ano após ano, botas, aventais, rastelos eram substituídos por sorrisos e abraços envolvendo-se num mundo todo especial, de alguma forma.

Ríamos dos gansos, sempre muito temidos pelas bicadas, foram os primeiros a alertar os cachorros de que alguma coisa estava por acontecer, e exaltados latiam abanando o rabo.

A voz de Tio Vicente ecoou: as “gaviotas” chegaram! – Ríamos até poder não mais  por causa da inversão das letras das gaivotas  e seus ruídos estardaçantes. Era algo de muito especial porque sabíamos que era nosso. Só nosso!  Os apelidos nos marcavam, mas  “gaviotas” é sempre lembrado.
   - Gostaram da carroça? Era a Tia Pi, - reformamos para ir buscar vocês.

Mas mesmo com a  reforma ela continuava no seu envelhecer rangendo e balançando a cada giro das rodas mostrando seu cansaço. Mas ela existia!

Este era o ritual de chegada, nada de caminhonete, fusca ou jipe.  Ah, o velho jipe 54 todo verdinho!
Sim, chegávamos ao sítio... Nossos pensamentos soltos a uma velocidade que colocaria qualquer “caipira” de cabelos em pé, se pudesse   vê-los. No entanto estes mesmos pensamentos esbarravam na experiência e sabedoria do viver na natureza. Sim, os primos viviam por lá e jamais sairiam de lá.

O acreditar que tudo fosse possível naqueles 15 hectares tornava o dia mais curioso.     - Humm! Nossa! Como eles estão bonitos! - espiávamos cochichando.   E cada qual logo encontrava a quem se afeiçoar, fosse pela gentileza em  preparar o cavalo, que nos impressionavam porque os pegavam no campo “no pelego” com um assovio. Imagine um assovio e lá estava o bichão,  chegando no galope combinando perfeitamente o frear empinando o cavalo! Só para impressionar, não é? - dizíamos rindo à toa; pelo tirar o leite quentinho, que dava ânsia em ter que experimentar para agradar; pelo nadar no rio em que se penduravam  num cipó e se soltavam ,num momento preciso em meio ao “poção” mergulhando na profundidade do seu saber, aparecendo uns segundos após termos segurado nossa respiração – Ufa! Que alívio!

   - Venham, venham, nos desafiavam... - sempre gostei de ficar na beira dos acontecimentos, observando sentada nas pedras toda aquela brincadeira. Ficavam dentro da água  para prevenir possíveis afogamentos, e as meninas se atiravam no mergulho ingênuo que provocava  certo frenesi no contato de corpo a corpo, que só estas férias proporcionavam. Não eram exímias nadadoras e assim eram obrigadas a se abraçarem, como apoio é claro,  quando emergiam do mergulho – eram muitas risadas e o “de novo” ...e tudo recomeçava e recomeçava, até o sombrear das árvores tornar-se mais denso anunciando o cair da tarde e a volta à realidade com uma voz ecoando pelo vale nos chamava para o lanche.

Embrenhados em meio ao capinzal, pisávamos na ponta dos pés desviando de uma provável cobra, sapo, sei lá mais o que... E,  o som das “gaviotas” se aproximando já sentíamos o cheiro gostoso do pão assado em folhas bananeira e do delicioso bolo de fubá.

   - É dia de ir à Vila!  diz Tia Pi, sentada na beira do sofá após o jantar observando todos bocejarem entre perguntas e respostas do dia a dia de cada um.

Sim!  Era dia de ir à Vila!