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DOIS OLHOS NA ESCURIDÃO - Sergio Dalla Vecchia - Conto coletivo




DOIS OLHOS NA ESCURIDÃO
Conto coletivo


O arbusto balançou, imediatamente o caçador mirou a lanterna e dois olhos reluziram na escuridão da mata.

Que bicho será? Pensou ele.

De repente, lembrou-se da última caçada, quando foi surpreendido por um grande javali, que quase o mordeu, não fosse a perfeição do tiro. O animal tombou morto aos seus pés.

Não havia tempo para lembranças, imediatamente apontou a espingarda entre os dois reluzentes olhos.

Apertou o gatilho. Nada! O mecanismo travou. Tentou novamente. Nada!

Assustado saiu correndo. Estava agora desarmado e não sabia o tamanho do bicho.

O caçador logo no arranque enfiou um pé num buraco e caiu gemendo de dor.

No chão, imóvel, esperava apavorado pelo ataque da fera que saiu de trás do arbusto e vinha em disparada na sua direção.

Qual foi seu alívio quando verificou ser apenas uma raposa desesperada que passou correndo ao seu lado embrenhando-se na mata.

O caçador após passar por mais esse susto, reavaliou a continuidade desse seu excêntrico hobby.

Assim a raposa, pequena e frágil derrubou um homem de medo, validando o velho ditado que diz:


À noite todos os gatos são pardos.  

A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE - Carlos Cedano

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A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE
Carlos Cedano


Esperava ansiosamente o resultado do concurso público para o cargo de inspetor de trânsito que oferecia um excelente salário, e precisava dele urgentemente. Sou engenheiro civil desempregado, estudei intensamente sem folgas e sem diversões durante seis meses, e aos poucos ganhava a convicção que seria selecionado. Mas, nunca se sabe, surpresas podem acontecer, sobretudo num concurso onde para cada uma das cinco vagas existiam mais de quarenta candidatos.

A lista dos selecionados seria anunciada às dez horas, ufa! Que sufoco, ainda falta mais de uma hora e já tínhamos no auditório mais de cento e cinquenta candidatos todos ansiosos, esperançosos, nervosos e os banheiros continuamente solicitados!

Os últimos cinco minutos “andaram” lentos e sem pressa, demoravam a passar. Dez horas! E ainda nada, passaram-se mais dez minutos e a inquietação dos candidatos fazia-se sentir pelo ranger das cadeiras. Agora sim! Um senhor de paletó e engravatado entra no palco com ar solene e seguido por uma moça que parece ser sua assistente, puxam cadeiras e sentam-se, os dois cochicham durante dois eternos minutos, agora ele arruma a gravata, bate no microfone e pergunta:
— Vocês estão escutando bem? Vocês lá no fundo também?

— Esse cara está torturando a gente! Comenta um dos candidatos.

— Sim! Foi a resposta unânime e ele, sempre com a maior paciência, tira uma folha de um envelope, limpa a garganta e começa a ler o nome dos ganhadores.

O primeiro a ser anunciado deu um grito de alegria vindo do fundo do auditório, tudo o mundo se vira para saber quem era o sortudo o que interrompeu o anúncio dos outros selecionados. O homem do palco pede sossego e silêncio para continuar, decide ser um pouco mais rápido, lê logo o segundo nome, não era o meu, o terceiro também não, os ânimos dos candidatos restantes iam minguando, mas eu me segurava na minha esperança, por fim o quarto nome... é o meu! Pulei de alegria, mas logo a seguir minha ansiedade contida explodiu e chorei muito enquanto o anúncio do quinto já esvaziava rapidamente o auditório.


Meu empenho e dedicação transformaram minha esperança em realidade e desde então vivo com essa convicção: a esperança é última que morre!

No bonde - vários autores

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No bonde
Conto coletivo: Autores: Maria Luiza C. Malina, Carlos Cedano, Mário Augusto Machado Pinto, Oswaldo Romano, Fernando Braga, Sergio Dalla Vecchia.



No bonde, deslizando pelos trilhos, apinhado de pessoas penduradas no estribo estavam jovens militares, reconhecidos pela farda e botas de meio cano. Era domingo, dia de folga, iam divertir-se na boate no centro da cidade.

Ao chegarem viram o aviso no muro que não haveria função por falta de eletricidade. Ocorrera um acidente em que o veículo, em alta velocidade, derrubou uma árvore sobre os fios elétricos. A força da batida inclinou o poste sobre o telhado, liberando uma faísca azul.

Um dos militares ficou preocupado porque havia marcado um encontro com a namorada às 21:00 horas e já eram quase 22:00 horas. Notou-se uma lágrima a lhe escorrer pela face.

Os  jovens que estavam na boate, revoltados com a falta de iluminação, iniciaram uma briga. Um deles sacou o revólver atirando para o alto e,  outro tiro em direção da porta. As pessoas que passavam na rua, assustadas, correram de medo.

No alvoroço, o militar pode vislumbrar parada junto ao muro do aviso, a namorada à sua espera. Feliz correu abraçá-la.


OS TROPEÇOS DE MARIA - vários autores


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OS TROPEÇOS DE MARIA
Conto Coletivo – exercício - Autores: Maria Luiza, Carlos Cedano, Oswaldo Romano

Nas esquinas da vida Maria tropeçava em seus ardentes pensamentos à procura de um amor, sem nunca encontrar. Mas, não perdia por esperar! O destino recompensaria sua persistência e fé.

O príncipe encantado surgiu depois de morder a pera verde e azeda. Maria ao ver-se diante de um príncipe, só não perdeu o rebolado porque vivia na estrada da vida.


Experiente, percebendo o azedo da fruta que havia provado, ofereceu-lhe o doce pecado de Eva – a maçã vermelha – e assim, viveram felizes para sempre. Nahm...nham...nham.

PORTUGAL TAMBÉM NÃO É PARA PRINCIPIANTES SÓ QUE FAZ MAIS TEMPO - Oswaldo U. Lopes


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PORTUGAL TAMBÉM NÃO É PARA PRINCIPIANTES SÓ QUE FAZ MAIS TEMPO
Oswaldo U. Lopes

        São muito literais os lusitanos, bravos também. Há que conviver e permanecer com eles certo tempo para ganhar-lhes a confiança. Ao fim percebe-se que isso não basta para compreendê-los, arranhou-se a própria, mas não penetramos de fato na compreensão dessa gente que nos diz tanto.

        Somos tão diferentes de gênio, modos e atitudes que, por vezes, custa crer fomos por eles colonizados. Já tive, como outros, dolorosas experiências ao não medir exatamente as palavras usadas.

        Lá na Estremadura, procurando o Caminho de Santiago, não pergunte se aquela estrada vai para a Espanha.

— Se for vai nos fazer muita falta. Você poderia ter ido dormir sem essa e outras, ora pois.

        Corria o ano de 1975, eu iniciava, em Londres, meu segundo ano de bolsa da FAPESP e decidimos tirar férias em um país da Europa cuja língua não nos fosse estranha. Deu Portugal do primeiro ao quinto.

        Lá fomos nós para o Algarve, passado pouco mais de um ano da Revolução dos Cravos e dos Capitães que eram comandados por um major, Otelo Saraiva de Carvalho. Marxista convicto que foi depois promovido a brigadeiro e despromovido a tenente-coronel. A Revolução, como deveras combinado, começou quando na rádio Renascença, as 0hs20min do dia 25 de abril de 1974 toca a música, até então censurada pelo regime salazarista, Grândola, Vila Morena uma linda canção que celebra uma pequena cidade do Alentejo.

        E você, como eu achava que sabia tudo sobre a terrinha. No fim Portugal saiu-se bem no retrato. Ganhou a democracia, um forte desvio a esquerda inicial em direção ao socialismo foi corrigido, fez um enorme ajuste fiscal, mais duro e melhor que o nosso e segue um rumo bom e promissor.

        Poderíamos ter alugado uma Vila, afinal a agência de turismo chamava-se Algarve’s Vilas, mas também oferecia hotéis. Optamos por um hotel, pelo menos teríamos comida garantida três vezes ao dia. Acreditamos na sugestão inglesa e escolhemos um hotel um pouco retirado em vez do outro hotel que ficava no reboliço da cidade de Albufeira. Você não imagina a confusão e o barulho que meia dúzia de gajos podem fazer na noite albufeirense.

        Os outros hospedes: alemães e holandeses e alguns ingleses que reservavam o hotel com um ano de antecedência. Ao contrário das praias do sudeste brasileiro, Ubachuva, por exemplo, no Algarve a chuva, no verão, varia de zero a 0,1mm somados os meses de julho e agosto.

        Além da proximidade de magnificas praias, o hotel tinha uma maravilhosa piscina onde só ficavam estrangeiros, às vezes, raras, passava um empregado do hotel.

        Lá estávamos na parte de assar o dorso, quando vindo da piscina ouviu-se:

Acuda, estou a me afogar. Acuda!

        Autora das palavras pronunciadas com muita discrição: uma moça, um pouco gorda e obviamente de nacionalidade local, em completo desacordo com as nacionalidades em torno.

        Efeito dos apelos, nenhum. A dita lusitana que estava a afogar-se, ainda por cima esperneava pouco.

Oswaldo, acho que ninguém percebeu que a moça esta se afogando, sussurrou minha mulher. Como ninguém, você percebeu e interrompeu meu assar.

Acho melhor você ajudar a moça! Só faltou completar: Não é você o campeão de natação da família.

        Vítima das circunstâncias e da circunstância particular de termos sido por eles colonizados, além de um avô natural de Torre de Moncorvo, atirei-me n’água.

        Sejamos honestos, tarefa fácil. A moça era de certo volume o que lhe dava um bom grau de flutuação. Segurando-a por trás reboquei-a até a borda, onde um cavalheiro de bermudas, misteriosamente aparecido, retirou-a d’água. Agradecimentos, lamentações, ladainhas, nada! Eu disse e repito, nada. Cada um foi para seu canto e os circunstantes também nada perceberam.

        Os dias passaram-se infelizmente muito rápidos em lugar tão maravilhoso e de comidas idem. Comi sardinhas assadas na brasa a beira mar e a luz das estrelas até fartar.

        Na última noite que passamos em Portugal, aceitamos a sugestão do gerente e nos dirigimos a mais famosa casa de fados de Albufeira. Lotada. A custo nos arrumaram uma mesa a ser dividida com outro casal. Lá estávamos a beber uma sangria dos deuses e a ouvir música quando uma voz nos interrompe:

Dr. Lopes, por favor.

        Levaram-nos a uma mesa junto do palco, onde nos serviram mais bebida e comida, tendo nós por companhia, uma fadista.

        Pelas tantas, felizes, embora nada compreendendo somos surpreendidos pela entrada da fadista acompanhada de dois músicos que tocavam a famosa guitarra portuguesa.

        Um deles era o moço das bermudas que retirara a gorda da piscina. Deu um sorriso e cumprimentou-me.

        Nada cobraram e nada mais falaram. Ele sabia meu nome, logo fora informar-se. Suspeito de que a gorda era fadista, sua voz e me lembro bem, era clara e articulada.

        Ficou a lembrança e uns claros no entendimento que não procurei esclarecer. Ainda hoje estas lembranças me embaraçam a vista. Se você está em Roma, como os romanos, se em Portugal, como os lusos, apaixonados, mas quietos.


NADA SE CRIA TUDO SE COPIA - Oswaldo U. Lopes


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NADA SE CRIA TUDO SE COPIA
Oswaldo U. Lopes

        Nossa história se passa já faz algum tempo. Um tempo em que se amarrava cachorro com linguiça, Curitiba era apenas uma cidade engraçadinha com aquele bairro cheio de cantinas (Santa Felicidade) e Papuda era aquela senhora cujo papo, ali no pescoço era saliente.

        Mas, o sábio Chacrinha já advertia: “Nada se cria tudo se copia”. Os fatos recentes apenas nos mostram o refinamento do acerto por debaixo, agora chamada propina, não sua criação.

        A Biscaia Empreendimentos era uma solida empresa da construção civil que entre outras coisas organizava e julgava licitações para grandes empresas, sobretudo nos setores automotivo e de infraestrutura. Como chegara a este nível era mérito de seu fundador e dono Seu Adolfo Biscaia, descendente de espanhóis, mantinha um circulo largo de empresários motivados e tocados pelo chamado por baixo.

        No julgamento de uma licitação que não envolvia o governo nem uma empresa estatal, a Biscaia deu ganho de licitação a uma firma e recebeu em troca uma mala recheada de dólares. O manejo era feito com luvas, ninguém deixava, por descuido, impressões digitais. Certas regras já existiam, propina circulava apenas em metal sonante ou, em notas verdes. Chacrinha tinha razão, o que anda variando é a quantidade e o número de malas.

        Valdomiro, moço novo, era projetista e teve participação expressiva na elaboração do parecer que dera ganho na licitação. Quando o dinheiro começou a ser dividido entre os vários atores, desde o Seu Adolfo até o boy carregava os tubos com plantas, Valdomiro resolveu estrilar.

        Violou assim a regra sagrada da omertà. Todo mundo recebe o seu e ninguém pia. Como ele tinha participado ativamente na lambança, sabia muito bem o valor do contrato e da propina e achava que não estava recebendo o que era justo.

        Houve reunião da alta cúpula, questões foram formuladas e propostas foram feitas, Valdomiro ameaçava por a boca perigosamente no trombone.

        Como diz o dito popular, gato que levou tijolada não dorme em olaria, Seu Adolfo passou a mão no telefone e ligou para o mineiro, também conhecido como José Antônio. Homem calmo e meticuloso José Antônio ouviu apenas o necessário, guardou o endereço e planejou a ação.

        Naquela noite chovia intensamente, os trovões eram sequenciais, os raios explodiam em enormes clarões na casa de Valdomiro, os tiros nem puderam ser ouvidos.

        Na manhã seguinte os corpos de Valdomiro e de uma bonita mulher foram encontrados no living da casa. Homicídio seguido de suicídio concluiu a policia.
        Pena foi a garota de programa, sem ter nada com a história, pagou o pato alheio, foi homicidiada junto com o Valdomiro que foi suicidado.



O INTRIGANTE VALDOMIRO - Maria Luiza Malina


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O INTRIGANTE VALDOMIRO
Maria Luiza Malina

Nada passava desapercebido a Valdomiro a quem, de porte enigmático esbanjava um  olhar frio que se esgueirava por todo o escritório, sem mover por nenhum instante a cabeça, ressaltando os finos tecidos dos ternos cuidadosamente confeccionados por um dos últimos alfaiates da cidade. Não deixava de ser interessante, diria que até mesmo, era um dos últimos homens sensuais à moda antiga. Faltava-lhe talvez, um cigarro entre os dedos e a fumaça rodopiando junto aos seus pensamentos, um café, uma vez que nunca portava qualquer mala tipo zero zero sete.

No café, assim era visto de forma mais descontraída. Jamais na presença de algum colega de trabalho o que, aliás nos fazia muito bem, estava sempre entre os empresários bem sucedidos. Os cochichos eram frequentes. Poucas eram as amigas, a não ser as “moças do tempo” assim chamadas, sem exceção quanto a fama televisiva.

Cuidar da vida dos outros parecia ser o hobby das funcionárias em busca de um bom partido. Nunca deixou pista. Era intrigante, após o café e rápidas palavras, pagava a conta com gorda gorjeta, despedia-se da jovem e saia a passos largos.

Por trás deste charme  um homem descontente. O cargo de confiança transformara-se em desconfiança. As vastas propinas rareavam-se frente aos milionários contratos. Orlando seu sócio, presidente da empresa, o surpreendeu com um jantar em seu apartamento. Desconfiado, concordou sugerindo que fosse em sua própria casa. Orlando aceitou de imediato imaginando que as belas amigas estariam presentes.

Naquela noite chovia intensamente. Os trovões eram sequenciais. Os raios explodiam em enormes clarões na casa de Valdomiro, os tiros nem puderam ser ouvidos. Tudo aconteceu muito rápido. Sem testemunhas. Vizinhos assustados confessaram que ouviram em meio aos trovões, sons que pareciam ser os costumeiros “baloeiros” clandestinos nos céus de São Paulo.

O corpo de Orlando foi encontrado há quatro quarteirões da casa de Valdomiro, ao lado do carro; ao que a polícia concluiu que havia sido vítima de assalto seguido de morte. No celular o último contato com Valdomiro. A polícia o localizou como suspeito e, foi surpreendida com um farto jantar e apenas dois copo de whisky aguardando o convidado.


A “moça do tempo” apenas comentou, “hoje a chuva está descendo a ladeira”.

Visitante inconveniente - Ises A. Abrahamsohn

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Visitante inconveniente
Ises A. Abrahamsohn

 ̶  Manhê, seu amigo está aqui. Vem ver, ele veio fazer uma visita.

Samara não se lembrava de “amigo” nenhum. Apressou-se para ver de quem de tratava. Teve um sobressalto. Ela não conhecia aquele homem que estava na sua sala de mãos dadas com sua filha.

̶  Quem é você ? Como conseguiu entrar?

̶ Olá Samara, não lembra mais de mim? Votuporanga há oito anos. Isso te refresca a memória?

Samara estremeceu. O rosto estava diferente mas a voz não. Engoliu em seco.

̶  Ernesto o que faz aqui? O que quer?

O homem avançou pela sala encurralando-a contra a parede.

̶  O que quero você bem sabe. Mande a garota pro quintal!

Samara se abaixou até a criança que já percebia que o  visitante não era amigo coisa nenhuma. Obedeceu e saiu pela porta da cozinha.

̶  Sei o que você quer mas a sua parte no assalto não ficou comigo. Foi o Manoel que escondeu debaixo do assoalho na casa da mãe lá na cidade.

Ernesto chegou mais perto. Sabia que era mentira. O Manoel, com a faca na garganta, tinha confessado. Samanta ao largá-lo tinha levado junto a grana toda. Duvidou... Tinha obrigado o Manoel a  tirar os tacos do chão e achou o esconderijo. Vazio... Olhou em volta. Dos móveis só sobrara o essencial: um sofá, uma velha televisão, a geladeira e o imundo fogão. Tudo o mais  o infeliz já havia vendido. Lixo e garrafas de cachaça esvaziadas pelos cantos. O cara certamente não tinha mais nada.

̶ Sua ordinária! Não venha com essa. Já estive com o Manoel. Vocês viveram no bem bom um ano e  eu lá na cadeia gramando. E ainda passou a perna no idiota que era apaixonado por você.  Esperei todo esse tempo para pegar a minha parte. E você vai me dar já!

Samara tentou escapar, mas Ernesto a prensou contra parede. Sentiu o metal da faca no pescoço. O homem empurrou-a escada acima apertando a ponta da arma no vão das costelas.

̶ Sei que ainda tem a grana guardada aí!

Samara foi abrindo os armários que Ernesto revirava. Empurrou a mulher  para a cama e amarrou-a com o lençol.

̶  Vou retalhar seu rosto devagarzinho até me dizer onde está a grana!

Samara ficou apavorada. O dinheiro estava no banco, mas Ernesto não acreditou. Viu a lâmina chegar perto do rosto e gritou por socorro.  Um pontapé derrubou a porta do quarto e três policiais entraram com as armas em punho. Samara desmaiou. Ao voltar a si soube que sua esperta garotinha foi até a vizinha que logo chamou a polícia.


E o dinheiro? O dinheiro estava mesmo no banco e o crime não prescrevera. Samara e o ex-namorado Manoel pegaram seis anos pelo assalto à casa do juiz de Votuporanga.

O INTRUSO - Sérgio Dalla Vecchia


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O INTRUSO
Sérgio Dalla Vecchia

A menina entrou correndo em casa:

— Mãe, seu amigo está aqui. Venha ver, ele veio fazer uma visita.

Samara não se lembrava de amigo algum. Apressou-se para ver de quem se tratava. Teve um sobressalto. Ela não conhecia aquele homem que estava de mãos dadas com sua filha.

Não teve como escapar. Criou coragem e dirigiu-se à sala ao encontro do “amigo”.

Nervosa perguntou:

— Desculpe, você se diz meu amigo, mas não o estou reconhecendo. Qual é seu nome?

O homem de aparência cansada, vestindo uma roupa casual respondeu:

— Hoje é o dia mais feliz de minha vida! Finalmente a encontrei depois de tantos anos.

Surpresa, Samara respondeu:

— Mas, como? Não o conheço, já disse!

O homem, mantendo-se sereno falou:

— Lembra-se do Grupo Escolar Estadual. Eu sou o Zezinho que compartilhou uma carteira escolar com você. Agora se lembrou?

Mais surpresa ainda, Samara buscava na memória a figura do Zezinho. Nada!
— Desculpe-me, mas não estou lembrando mesmo. - Disse Samara, agora mais confusa ainda.

— Da professora Alcione você tem que lembrar! Do bedel Jurandir também!

Samara começou a perceber que o homem dizia a verdade. Era ela que não tinha uma memória clara do passado.

O tratamento mudou, sentaram no sofá e foram descortinando o passado. Café, bolachinhas, algumas risadas e a conversa durou por mais algum tempo até que Zezinho disse:

— Agora que nos entendemos, direi o motivo que me trouxe aqui.

— Eu tenho desde nosso tempo de colegas uma fita do seu cabelo e a conservei até hoje com muito carinho. Eu a devolvo nesse momento e me declaro um eterno apaixonado por você.  Sei que você é divorciada. Voltarei daqui a trinta dias e proponho o seguinte: Se você ficar com a fita seremos namorados, mas se me devolver, minha decepção será terrível.

Samara passou os próximos trinta dias revendo seu passado, a vida amorosa, financeira, casamento, nascimento da única filha e a separação.

Agora surge do nada um pretendente, que a ama desde pequena e quer muito fazê-la feliz.

Balançada, passava as noites ruminando o passado expulsando o sono para longe.

Uma coisa Samara não conseguia entender, porque não se lembrava apenas do Zezinho. Parecia que sua imagem foi apagada da memória.

Passados os trinta dias, lá estava Zezinho de volta, agora com um aspecto melhor e repleto de esperanças.

Após o cafezinho, um pouco de conversa e aflorou a esperada pergunta:

— Então Samara, que você decidiu?

Ela convicta, buscou a caixinha de presentes e emocionada a entregou.

Zezinho, com uma expressão de espanto, desapontamento e curiosidade, abriu! Encontrou um bilhete que envolvia um pacotinho de papel de seda contendo algo delicado.

O bilhete dizia:

Muito sensibilizada pelo seu amor e muito grata por conservar tão bem a minha fita, eu após pensar muito sobre a sua proposta, preferi manter minha vida como está.

Peço que a aceite de volta, desejo muito que seja feliz.

Zezinho recebeu a notícia como uma punhalada.

Sua fisionomia se transformou. Parecia outra pessoa. Os olhos explodiam de raiva. Avançou sobre Samara e a chacoalhou intensamente, atirando-a violentamente ao chão.

A filha, que apavorada tudo assistira logo foi pega por ele e levada até o carro e partiram sem destino.

Samara no chão, ainda com a mente confusa teve alguns flashes de memória, onde via nitidamente uma cena num canto da Escola em que Zezinho deitado sobre ela tentava beija-la. Ela lutava para que a largasse até que ele saiu correndo levando uma fita arrancada dos seus cabelos.

— Meu Deus, por isso é que eu não lembrava dele! Cadê minha filha? Socorro! Saiu gritando desesperada pela Rua afora.

No dia seguinte leu-se nos jornais:


Morto sequestrador da menina, filha da mulher, alvo do amor doentio do sequestrador. Mãe e filha passam bem!

Paciente inesperada - Ises de Almeida Abrahamsohn


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Paciente inesperada
Ises de Almeida Abrahamsohn


Era de tarde quando Raquel chegou ao pequeno sítio cujos moradores não conhecia. Apeou da Branquinha e bateu palmas. Ninguém...  Após nova tentativa sem resposta deu a volta até chegar aos fundos da casa. Foi quando ouviu um fraco relinchar. Andou em direção ao som e encontrou os donos da casa. O homem com os braços ensanguentados curvava-se sobre uma égua baia coberta de suor que de vez em quando emitia um som rouco. A égua prenha estava no limite das forças. Raquel havia feito muitos partos humanos, mas nunca de um animal. O dono, Seu Alípio, cansado e de mau humor, disse-lhe que o potro estava “de través” e não conseguia sair. Já estavam naquela luta há duas horas. A égua morreria junto com a cria.

A moça, que era obstetriz, se ofereceu para tentar. Raquel se ajoelhou em frente à traseira do animal enquanto o dono segurava as patas. Enfiou primeiro um dos braços e sentiu as ancas do animalzinho que estava atravessado na barriga da mãe. Agarrou as patas traseiras do potro e enfiou a outra mão dentro do útero até sentir as patas dianteiras.  Raquel tinha agora os dois braços até os cotovelos dentro da égua. Tentaria girar o filhote. Quando começou o movimento a égua deu um violento coice que a teria atingido não fosse a força com que o Alípio conteve as patas. O bichinho escapou-lhe das mãos. Raquel  enxugou a mistura de sangue e líquido amniótico das mãos e braços. Estava coberta de suor dela e do animal. Respingos de sangue por todo o corpo: cabelos, no rosto e na roupa. As costas e joelhos ardiam. Recuperou o fôlego. De novo enfiou os braços para dentro do útero e conseguiu agarrar as patas de trás e da frente do potro.

 ̶   Não mexa de novo minha linda, vamos tirar seu filho agora, falou em voz baixa.

Tremia com a posição e o esforço. Com os dois braços girou o potrinho e foi puxando pelas patas traseiras. A égua deu um gemido rouco  e desta vez não se mexeu. Primeiro as patas, depois o corpo e finalmente a cabeça escorregaram para fora em meio ao restante do material sanguinolento. Estava vivo. Alípio limpou a cara do recém-nascido com uns trapos. Após duas tentativas o bichinho ficou de pé. Logo a mãe também se levantou e lambeu o filhote que já começava a mamar.

Raquel exausta ficou por ali. Sentada no chão mesmo, escorada na parede do telheiro até que o coração se acalmasse. Só depois levantou e foi se lavar no tanque.  Falou para o agradecido Alípio:

̶  Pois é! Mesmo em férias não tenho sossego. Quando não são as  pacientes  humanas, me aparecem agora as animais.


QUEIMA DE ARQUIVO - Carlos Cedano


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QUEIMA DE ARQUIVO
Carlos Cedano

Foi num curto período de tempo que Valdomiro deu robustos sinais de que sua a vida tinha melhorado muito: uma bela e ampla casa em fase final de construção, compra de luxuosos carros para ele e para a mulher e viagens, familiares para o exterior. Comentava-se ainda que tivesse um sólido patrimônio em títulos e ações. Os vizinhos e amigos surpresos com esse súbito progresso financeiro se perguntavam se ele tinha ganhado na loteria, talvez na megasena.  Ninguém sabia de nada, mas as especulações iam surgindo e se afirmavam como verdades!

Valdomiro era Diretor de Obras numa grande empresa do governo que realizava vultosos investimentos na infraestrutura básica do país. Era muito respeitado tecnicamente e pela sua eficiência gerencial. Todos os projetos e contratos passavam pelas suas mãos e os outros membros da diretoria normalmente acatavam seus comentários e sugestões. Entretanto, quem dava a última palavra para aprovação ou não dos contratos era o Presidente e o Diretor Financeiro. Com o passar do Valdomiro suspeitou que os valores dos contratos apresentavam fortes indícios de superfaturamento e começou a juntar provas desses ilícitos e não foi difícil, possuía copia de todos os documentos probatórios e os armazenava em casa.

Mas nosso Diretor de Obras tinha suas próprias ambições. Aproximou-se do Presidente e do Diretor Financeiro e agora jantava com eles, até recebeu convites para a casa desses diretores e foi consolidando amizade entre suas famílias. Esta aproximação marcou o inicio da melhoria de sua vida observada por amigos e vizinhos.

Depois de quase um ano Valdomiro, sempre atento, observou que os valores dos contratos aumentavam de modo incompatível com o incremento real dos custos. Nosso diretor de obras sacou rapidamente que o valor da propina total tinha aumentado bastante, mas sua parte permanecia no mesmo patamar. Teve discussões violentas com os diretores envolvidos e os acusou de estarem passando-o para trás, e insinuou que possuía provas do que dizia. Exigiu ser “reembolsado” pelas suas “perdas” e os cumplices pediram um prazo para avaliar seu pedido. Valdomiro deu-lhes uma semana.

Numa noite estava só em sua casa, a família tinha ido para a praia, chovia intensamente com trovões sequenciais, raios que explodiam em enormes clarões na casa de Valdomiro, os tiros nem puderam ser ouvidos. Sua família interrompeu as férias, preocupada por que ele que não respondia às constantes ligações. Ao entrar na casa encontraram o cadáver na sala, de pijama e no meio de uma poça de sangue já quase seca.
...
— Então, “coronel” foi trabalho limpo? Perguntou um distinto senhor ao indivíduo a sua frente.

 — Limpo e completo. Tivemos muito tempo para trabalhar com tranquilidade, revisamos arquivos e depois provocamos um “acidente” no computador que queimou as partes internas do computador “causada pela tormenta dessa noite”; as provas materiais já foram destruídas, tinha muita papelada!

— Então posso considerar que a eliminação de provas foi um sucesso total, “coronel”?


 — Com toda certeza senhor Presidente! Foi uma queima de arquivo no mais amplo sentido da palavra!

VALE A PENA? - Silvia De Ávila

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VALE A PENA?
Silvia De Ávila


A criatura é uma pena, coitada!

Pena é linda, leve, muito colorida, mas é uma pena!

Tem vários olhos, não é muito grande e no lugar dos pés tem raízes, uma pena!

Por causa dos pés estranhos ela às vezes se enrosca toda, é de dar pena!

Enfim,  Pena é uma criatura muito estranha, vive solta pelo mundo. Morre de medo de água e muda de humor conforme o vento, por isso detesta tempestades. Sempre que pode foge do zoológico onde mora, pousa na roupa de alguém, nas mochilas, nas motos.  sai por aí.

Outro dia, deu até pena! Vinha uma mulher empurrando um mini buguinho com uma criança dentro. Pena, muito curiosa, queria a todo custo ver a criança e brincar com ela. Entrava e saía do buguinho sem parar. No começo mãe e filha ficaram encantadas  com a leveza, a beleza das cores, com o  colorido lindo que formava  olhos estampados na penugem. Mas a criança começou a se coçar e Pena, dissimuladamente, insistia na brincadeira.

A mãe, a duras penas,  conseguiu tirar a menina do carrinho e tentou pegar a pena na mão. Não conseguiu, então encheu o peito com todo o ar que conseguiu e soprou-a com toda força. A coitada, leve como uma pena, foi parar bem longe, caindo estatelada no chão. Fingindo-se de morta, assim ficou por instantes, tempo suficiente para a mãe ajeitar a criança no buguinho e continuarem o passeio.

Com a brisa fresca da tarde, Pena levantou-se, voou de novo e conseguiu alcançar o carrinho. Voava bem pertinho, ora encostava no rosto da menina, ora roçava seu nariz, a ponto de fazê-la espirrar seguidas vezes. A mãe abanou as mãos para que Pena voasse, mas ela se deitou de novo, de pura pirraça. Nesta hora, já irritada com a situação bizarra em que se encontravam e com pena da criança, a mãe , pegou Pena pelo pé  e a enfiou depressa no bolso lateral da mochila que usava.

Seus pés se enraizaram na telinha do bolso e Pena ficou presa. Começou então a soltar suas peninhas, foi desmanchando-se propositadamente para chamar a atenção. Deu certo! Os outros visitantes do zoológico logo vieram avisar a dona da mochila.

Que pena! Que judiação que esta linda peninha está se desmantelando. 

— Arrume-a, guarde-a direito, sugeriram.


A mulher sentiu-se ridícula, ao explicar  ao pequeno grupo, que tinha feito de propósito, que a pena era terrível, que não deixava sua filha em paz. Tratou logo de tirá-la da mochila e dar de presente ao visitante, que sem saber de nada, ingenuamente, saiu exibindo todo orgulhoso a linda pena que havia ganhado.