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PORTUGAL TAMBÉM NÃO É PARA PRINCIPIANTES SÓ QUE FAZ MAIS TEMPO - Oswaldo U. Lopes


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PORTUGAL TAMBÉM NÃO É PARA PRINCIPIANTES SÓ QUE FAZ MAIS TEMPO
Oswaldo U. Lopes

        São muito literais os lusitanos, bravos também. Há que conviver e permanecer com eles certo tempo para ganhar-lhes a confiança. Ao fim percebe-se que isso não basta para compreendê-los, arranhou-se a própria, mas não penetramos de fato na compreensão dessa gente que nos diz tanto.

        Somos tão diferentes de gênio, modos e atitudes que, por vezes, custa crer fomos por eles colonizados. Já tive, como outros, dolorosas experiências ao não medir exatamente as palavras usadas.

        Lá na Estremadura, procurando o Caminho de Santiago, não pergunte se aquela estrada vai para a Espanha.

— Se for vai nos fazer muita falta. Você poderia ter ido dormir sem essa e outras, ora pois.

        Corria o ano de 1975, eu iniciava, em Londres, meu segundo ano de bolsa da FAPESP e decidimos tirar férias em um país da Europa cuja língua não nos fosse estranha. Deu Portugal do primeiro ao quinto.

        Lá fomos nós para o Algarve, passado pouco mais de um ano da Revolução dos Cravos e dos Capitães que eram comandados por um major, Otelo Saraiva de Carvalho. Marxista convicto que foi depois promovido a brigadeiro e despromovido a tenente-coronel. A Revolução, como deveras combinado, começou quando na rádio Renascença, as 0hs20min do dia 25 de abril de 1974 toca a música, até então censurada pelo regime salazarista, Grândola, Vila Morena uma linda canção que celebra uma pequena cidade do Alentejo.

        E você, como eu achava que sabia tudo sobre a terrinha. No fim Portugal saiu-se bem no retrato. Ganhou a democracia, um forte desvio a esquerda inicial em direção ao socialismo foi corrigido, fez um enorme ajuste fiscal, mais duro e melhor que o nosso e segue um rumo bom e promissor.

        Poderíamos ter alugado uma Vila, afinal a agência de turismo chamava-se Algarve’s Vilas, mas também oferecia hotéis. Optamos por um hotel, pelo menos teríamos comida garantida três vezes ao dia. Acreditamos na sugestão inglesa e escolhemos um hotel um pouco retirado em vez do outro hotel que ficava no reboliço da cidade de Albufeira. Você não imagina a confusão e o barulho que meia dúzia de gajos podem fazer na noite albufeirense.

        Os outros hospedes: alemães e holandeses e alguns ingleses que reservavam o hotel com um ano de antecedência. Ao contrário das praias do sudeste brasileiro, Ubachuva, por exemplo, no Algarve a chuva, no verão, varia de zero a 0,1mm somados os meses de julho e agosto.

        Além da proximidade de magnificas praias, o hotel tinha uma maravilhosa piscina onde só ficavam estrangeiros, às vezes, raras, passava um empregado do hotel.

        Lá estávamos na parte de assar o dorso, quando vindo da piscina ouviu-se:

Acuda, estou a me afogar. Acuda!

        Autora das palavras pronunciadas com muita discrição: uma moça, um pouco gorda e obviamente de nacionalidade local, em completo desacordo com as nacionalidades em torno.

        Efeito dos apelos, nenhum. A dita lusitana que estava a afogar-se, ainda por cima esperneava pouco.

Oswaldo, acho que ninguém percebeu que a moça esta se afogando, sussurrou minha mulher. Como ninguém, você percebeu e interrompeu meu assar.

Acho melhor você ajudar a moça! Só faltou completar: Não é você o campeão de natação da família.

        Vítima das circunstâncias e da circunstância particular de termos sido por eles colonizados, além de um avô natural de Torre de Moncorvo, atirei-me n’água.

        Sejamos honestos, tarefa fácil. A moça era de certo volume o que lhe dava um bom grau de flutuação. Segurando-a por trás reboquei-a até a borda, onde um cavalheiro de bermudas, misteriosamente aparecido, retirou-a d’água. Agradecimentos, lamentações, ladainhas, nada! Eu disse e repito, nada. Cada um foi para seu canto e os circunstantes também nada perceberam.

        Os dias passaram-se infelizmente muito rápidos em lugar tão maravilhoso e de comidas idem. Comi sardinhas assadas na brasa a beira mar e a luz das estrelas até fartar.

        Na última noite que passamos em Portugal, aceitamos a sugestão do gerente e nos dirigimos a mais famosa casa de fados de Albufeira. Lotada. A custo nos arrumaram uma mesa a ser dividida com outro casal. Lá estávamos a beber uma sangria dos deuses e a ouvir música quando uma voz nos interrompe:

Dr. Lopes, por favor.

        Levaram-nos a uma mesa junto do palco, onde nos serviram mais bebida e comida, tendo nós por companhia, uma fadista.

        Pelas tantas, felizes, embora nada compreendendo somos surpreendidos pela entrada da fadista acompanhada de dois músicos que tocavam a famosa guitarra portuguesa.

        Um deles era o moço das bermudas que retirara a gorda da piscina. Deu um sorriso e cumprimentou-me.

        Nada cobraram e nada mais falaram. Ele sabia meu nome, logo fora informar-se. Suspeito de que a gorda era fadista, sua voz e me lembro bem, era clara e articulada.

        Ficou a lembrança e uns claros no entendimento que não procurei esclarecer. Ainda hoje estas lembranças me embaraçam a vista. Se você está em Roma, como os romanos, se em Portugal, como os lusos, apaixonados, mas quietos.


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