Sobreviventes
Fernando
Braga
“Meus
Deus, isto deve ser o fim do mundo! O que terá acontecido? Não me lembro de nada, a não ser daquele
estrondo violento como nunca ouvi igual e depois, para mim, o silêncio. Certamente
perdi os sentidos e agora acordei. Será que estou bem da cabeça? Sei que moro
em uma pensão no bairro das Perdizes, com duas amigas no mesmo quarto. Sou do
interior e estou em São Paulo fazendo o último ano de arquitetura no Mackenzie.
Meu nome é Maysa Centeno e tenho 23 anos. Minha mãe chama-se Lídia e meu pai,
Belmiro.”.
“Parece que estou bem. Mas, agora onde
estou? Está tudo tão escuro, não vejo nada.”
Lembrou-se
do celular no bolso:
“Vou
acender a luz e tentar me levantar para ver onde estou”.
Maysa levantou-se com dificuldade, dores
no corpo, e na cabeça. Caminhou devagar sobre obstáculos, tijolos, vigas,
pedaços de móveis e foi apalpando tudo. Pegou a maçaneta da porta, virou-a,
puxou e um pequeno vão se abriu, deixando entrar claridade. Retirou uns tijolos
de perto da porta e conseguiu abri-la mais. Olhou pelo quarto e viu os corpos
estendidos, das duas amigas. Aproximou-se com dificuldade, sacudiu-as, chamando
pelos seus nomes, mas não obteve nenhuma resposta.
— Será que estão mortas? Deve ter acontecido
algo muito grave!
Saiu em uma varanda, parcialmente
destruída, junto a um jardim. Reconheceu ser mesmo de sua pensão. Tentou ligar
o celular, mas não funcionava.
Gritou:
— Tem alguém por aqui? Alguém me ouve? Alguém
por aqui?
Nada.
Depois mais forte:
— Socorro,
Socorro, Help!
E,
nada.
“Meu Deus, tudo destruído! Será que foi um
terremoto? Um furacão? Uma bomba?”
Uns passos e chegou à rua, onde constatou
que casas, prédios todos estavam parcial ou totalmente destruídos, carros
virados, pontos de incêndio, muita
fumaça, muito vento. O tempo estava fechado por uma névoa densa, e ninguém pela vizinhança. Viu corpos
esfacelados e nem sinal de alma viva.
— Meus Deus do céu, o que pode ter ocorrido!?
Tantos mortos! Será que somente eu estou viva? O que faço agora?
Começou a descer a rua que estava
totalmente irreconhecível, vagava como uma
zumbi.
— Caramba, aqui era o Colégio Santa Marcelina!
Reconheço pela parte da fachada, que ficou intacta.
Lá
de dentro ouviam-se gritos, mas Maysa não podia ir até lá.
— Sinto muito, mas não vou poder
ajudar!
Neste momento ouviu um choro de criança e
viu uma menina de uns 4 ou 5 anos, entre os escombros. Aproximou-se, pegou-a
pela mão e disse:
— Oi
meu bem! Você está sozinha! Cadê os seus
pais?
— Não sei. – respondeu baixinho.
— Qual o seu nome?
– Floripes.
— Que nome bonito! Venha comigo meu bem.
Rua abaixo, logo viram uma senhora sentada
sobre tijolos, com a cabeça apoiada
pelos braços. Chorava copiosamente!
Aproximou-se dela e perguntou:
— A senhora quer ajuda?
— No que você pode me ajudar, minha filha? Acho que todos nós perdemos
tudo. Não temos mais nada! Nem eu e nem vocês. Estamos sós! Mas, podemos ficar juntas. Meu bem, eu sou Magdalena, professora de física da USP.
Morava aqui neste prédio destruído e acho que de todos, só eu estou viva.
Morava com minha irmã, que deve estar morta! Um verdadeiro furacão, como o
Katrina, deve ter destruído tudo.
— Por favor, Magdalena, a senhora consegue explicar o que aconteceu?
— Antes
me explique quem é esta criança linda? É sua?
— Não. Eu a encontrei há pouco, sozinha, vagando pela rua. Não conheço
sua família. Devem estar embaixo dessas ruínas.
— Magdalena, me explique o que acha que aconteceu.
— Uma explosão atômica, certamente. O
epicentro deve estar a mais e sete quilômetros daqui. Só escapamos, nós três e
mais alguns, por estarmos distante. Veja
aquela grande nuvem de fumaça em forma de cogumelo, que está no céu. Só pode
ter sido uma explosão atômica, que produziu o furacão e certamente seremos
contaminados com a radiação, não
sobreviveremos, ainda venta muito.
— Mas,
parece que estamos tão bem, disse Maysa! Não sinto nada! Nossa pele está
íntegra!
— É meu bem, mas logo vamos sentir! Temos que fugir para longe, e bem rápido.
— Vamos caminhar até a Avenida São João e ver se encontramos mais
alguém.
Lá
estavam grupos desesperados, em frangalhos, querendo se apossar de tudo que
havia restado. Um supermercado estava de pernas para o ar, cheio de
saqueadores.
A
jovem pediu a Magdalena que ficasse um pouco com a criança e enfrentou todas
aquelas pessoas, procurando algo para comer e beber. Era uma loucura! Brigando
muito, por milagre conseguiu duas garrafas de água, umas bananas, um pacote de
pão de forma e uma goiabada.
Começaram a pensar o que seria melhor
para elas.
“Como eu sou do interior. O melhor é
ir ao encontro deles. Mas como?” – pensou a jovem.
Dividiram
a água, pão, bananas e goiabada, guardando duas bananas, para Floripes comer
mais tarde. Nenhum carro circulava pelas ruas, entupidas pelos entulhos.
Viram um pequeno grupo desesperado,
gesticulando. Acercaram-se e puderam ouvir o que diziam. Um dos rapazes, que
disse se chamar Frederico, bem ativo, agitado, recomendava que se afastassem o mais
rápido da cidade e fossem em direção ao interior, para cidades próximas, como
Jundiaí, Campinas.
— Mas como sair daqui? Como chegar lá? –
quis sabe a moça.
— Aqui próximo, deixei em uma oficina a
minha perua para consertar. Vamos até lá ver se não foi destruída. Deve ainda ter
combustível suficiente para cairmos fora daqui. Quem quiser venha comigo.
“Prontificamo-nos a acompanhá-lo, afinal era o que tínhamos.”
Caminharam uns dois quarteirões, atravessaram a Av. Sumaré. Eram ao todo, oito
pessoas. Pelo caminho, tudo destruído. Almas penadas pelas ruas e, ninguém
podia ajudar ninguém. Era um salve-se
quem puder! Os celulares não funcionavam. Alguns cachorros os seguiam enquanto ratos
e baratas saiam dos bueiros.
Seguiram o rapaz, que após duas quadras
desceu uma rua e disse:
—
É ali! Venham.
A oficina estava com o portão escancarado,
parte do muro destruído. Entramos e lá
à esquerda, estava um mecânico no chão, com uma das pernas presas sob um automóvel.
Ele suplicava para que o ajudássemos a sair dali. Que pegássemos um macaco
grande em algum canto da oficina.
Logo o rapaz pode ser puxado. Sua perna
esquerda estava ferida, e ensanguentada. Demos a ele um pouco de água e
procuramos limpar o ferimento. Pediu que déssemos uma olhada para ver onde
estavam os outros mecânicos. Encontramos apenas um deles, sob os escombros, já
morto. Os outros deviam ter fugido.
Frederico perguntou de sua perua.
— Sei que estava pronto, mas não sei se
teve alguma avaria com este desastre. Veja no fundo da oficina.
O carro estava sob uma pilha de
entulhos, madeiras e folhas de zinco. Todos ajudaram a desobstruir o caminho.
Felizmente a chave estava no contato. “Que
sorte!” Deu a partida e o carro pegou. Viu que tinha ¼ de gasolina no
tanque, executou uma manobra e estacionou próximo à entrada.
“Agora
vamos ver... Primeiro temos que colocar o mecânico no carro, ele não está bem,
tem ferimentos e deve ter perdido muito sangue. Depois, somos mais oito, com a
criança. Na perua tem que caber todos, apertados, mas vamos lá”.
O mecânico foi colocado no banco da
frente e os demais, nas duas fileiras de bancos. Deu para acomodar todos, uma vez que todos queriam sair dali o mais rápido possível.
Finalmente conseguiram chegar à via
Anhanguera e seguiram por ela. A pista havia sofrido bastante, mas estava
transitável. Após passarem pelo pico do Jaraguá, tudo aparentava melhora.
Conseguiram chegar em Jundiaí. Foram de
imediato a um hospital, para o mecânico ser atendido. Sofria muita dor e ainda
sangrava um pouco.
— Agora
cada um pra si e Deus pra todos. Vou deixar vocês todos aqui, tentar colocar
gasolina em algum lugar e seguir para Araraquara, onde mora minha família.
Tchau, se virem! Boa sorte!
— Frederico,
podemos ir com você até lá, perguntou Maysa? Minha família mora em Taquaritinga.
Conseguiu 20 litros de gasolina e os 4
seguiram pela rodovia e depois pela Washington Luiz, chegando a Araraquara.
Frederico se compadeceu e resolveu levá-los até a cidade próxima.
Chegando a Taquaritinga foram até a casa
dos familiares de Maysa. Foi uma enorme alegria. Foram recebidos como heróis
pela mãe e irmãos.
O pai quando soube do ocorrido, partiu
para São Paulo, de carro, em busca da filha. Nunca supunha o que iria
encontrar! A mãe disse:
— Fui eu que pedi a ele que fosse te procurar.
Pensei em você sozinha, tendo que enfrentar tudo. Vendo você aqui, sei que
errei e muito!
Pouco se sabia do que havia acontecido
na capital, não havia mídia, TV, rádio e celulares não funcionavam. Por
transmissão oral, sabiam que algo muito grave ocorrera na capital.
Toda a cidade estava sem energia
elétrica. A mãe de Maysa preparou um almoço. A criança após se alimentar,
dormiu. Estava bem. Não sabia de nada e só perguntava pela mãe. Sentia que
tinha arranjado uma nova família.
Após almoçar, Frederico despediu-se de
todos, abraçando fortemente Maysa, dizendo:
—
Voltarei para visita-los.
Após uma semana, o pai de Maysa ainda não
havia voltado. Após um mês, nada. Nada podia ser feito. Ninguém mais ia para
São Paulo, todos queriam sair de lá. Belmiro nunca mais voltou! Nunca mais
souberam dele, do que aconteceu em sua viagem. Certamente foi roubado e morto
pelo bando de criminosos saqueadores.
O tempo passou, Maysa conseguiu se
formar, casou-se com Frederico, Magdalena está bem, apesar de seus 62 anos e
Floripes, hoje uma mocinha linda. Todos morando em Taquaritinga, uma família.
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