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CORRENTES QUEBRADAS - Mario Augusto Machado Pinto.






CORRENTES QUEBRADAS
Mario Augusto Machado Pinto.


Lá vem o padin novo. Qué postá que vai pidí prá eu contá a istória?

—Boas, “seu” Vatame...Queria ouvir a sua estória do...

— É Vatami,iiiii! Me chama de Vatá! Dá u ´maço! (Num falei? Ele quer...)

-Trabaiava  no frutero do Corné. A fia dele tava junto d´eu. O Corné dizia prela ensiná nóis pra mór de falá direito; assim sôbe muita coisas: ela dizia que nas outra prantação os nego tava sempre sôrto e preguntava se eu queria ficar sôrto. Sim, craro, disse. Óia, eu num tenho mais corrente. Aí falou que entonces vou ajudar todos vocês.




Nóis falava, combinava, tratava, mais sempre tinha coisa que pegava. Exempro: a cachoeira no mar perto da gruita do bocão do tubarão no morro dos morcego. Vô tê que oiá.

Uá noiti amarrei uá corda na barriga, entrei nágua. Arguns amigo ficô segurando a corda e eu andava prá dentro do mar até vê o areão da cachoera. Não precisô nadá. Dava no peito. Entonces pedí pra me puchá de vorta e contei preles. Combinamo de trabaiá a novidade. Um dia se reunimo e combinamo o que fazê: escondê o martelete prá cortá corrente, dois barco prá i embora, corda, água e leite prás nena. A fia do Corné ajudô cô’isso aí. A gente se ia na sesta lua despois do Corné drumí.

Nóis fizemo tudo direitinho, ajustadinho, sem gritaria, correndo. Cortamo as corrente longe da casa grande.

O mar tava carmo, mansinho. Fumo pro primero barco, o dos home. O segundo foi o das muié e quatro homi. A fia do Corné ajudô muito, eu via. Eu não ví quando empurrou o barco das muié; tava de costa c´o leme. E lá fumo nóis. O pessoá “remava” c´oas mão. Despois de um tempo preguntei donde tava ela.

-Tá lá na bera d´água.

Num creditei. Larguei o leme, virei o corpo pra tráis e vi ela: tava c´a saia qu´eu gostava: branca, comprida e dizia adeus c´os braço. Morri de desgosto.

Até hoje...
Ela entendeu antes qui eu.

Fim da istória, seo padin.

— O que você vai fazer agora?

— Agora vô raspá a guela.      

ILHA MAURITIUS Maria Luiza C.Malina


ILHA MAURITIUS                                               
Maria Luiza C.Malina

Nas encostas do sonho, acorrentado, ele espreita e aguarda a chegada dos planos de Andréa, na mudez da noite, entrecortada pelo sibilar dos insetos.

Observa atento a qualquer ruído, a qualquer movimento, a qualquer aceleração de sua respiração em uníssono com a de Andréa, que se aproxima. Seguem abraçados, apoiados à sombra que a lua provoca. O capitão do mato, se acordado estivesse, não o identificaria. Era tão escuro quanto a noite.

O pequeno barco os aguarda. Pequeno demais para as ondas do oceano que enfrentará. A coragem abraça o grande amor proibido entre duas raças. O destino sem fronteiras,  jamais os proibirá, jamais interromperá a jornada.

A ilha em destino lhes oferece tudo o que um grande amor necessita. Esconder-se por debaixo da grande cascata, em meio ao mar. Por lá viver eternamente, sem esconder a paixão.

A chegada à misteriosa ilha ou da cachoeira em forma de véu de noiva, jamais encontrada, o faz retornar com o naufrágio do barco, e os gritos de Andréa por socorro.

Acorda de seu sonho. As botas, o empurram para mais um dia de açoite.

Olha para o infinito. Vislumbra o rosto de Andréa enclausurado pelas grades nas janelas da discriminação. Rolam lágrimas de amor e esperança, que, alcançam seu rosto pelas gotas do orvalho da manhã.


Mais um dia. Mais um novo sonho para a libertação das amarras que estão apenas dentro de si.

FUGA NA NOITE - Mario Tibiriçá

FUGA NA NOITE
Mario  Tibiriçá 

Thomé era um dos tantos negros aprisionados por  mercadores, e  transformados em escravos, e que  permaneciam com as pernas acorrentadas  o que  dificultava seus eventuais planos de  fuga.

Fizera amizade com Isaura, neta de seu senhor e pela qual se  apaixonara, contando com  a recíproca da  jovem, que  não era feliz, pois, vez por  outra recebia violentos castigos face  sua aproximação aos escravos.

A jovem, farta da situação de vida, combinou com Thomé, uma escapada perigosa.

Sabiam que outros  grupos também se organizavam para a fuga, inclusive contando com o pescador  barqueiro  Jesus.

O Plano era para navegar pelo Índico e chegar ao acampamento de outros fugitivos que estavam acampados no morro, circundados por selva fechada,  após a cachoeira submersa.

Escolhendo o dia, a hora seria noturna, esperando que os violentos feitores, cansados e bêbados  dormissem em berço esplendido, para não cassarem os fugitivos.

A madrugada  fria, que  antecede  o sol escaldante, já dava os primeiros sinais de albores, quando Thomé e Isaura  conseguiram  chegar ao local onde  outro  grupo já se preparava para embarcar.

Enquanto o barco de mestre Jesus  navegava placidamente pela águas do Indico, os presos  aproveitavam para  se livrarem das correntes.

Thomé,  desesperadamente,  tentava  se livrar das correntes que lhe aprisionavam  as pernas, sem obter sucesso.

— Atenção! Segurem-se! - começou a gritar  mestre  Jesus - o mar está encapelado, vai jogar muito. O barco  está pesado e  perigoso, estamos nos aproximando da cachoeira submersa que também é traiçoeira. Segurem-se!

Embora o aviso, alguns escravos  foram arrastados pelas ondas para fora do barco e  desapareceram sob as imensas vagas que com terrível violência varriam o convés da frágil embarcação.

O leve barco de mestre Jesus  não estava preparado  para aquele vendaval.
Ondas  gigantes  destruíam  o  convés, e os fugitivos se agarravam às cordas, e amuradas, e à  qualquer  coisa  que pudesse salvá-los.

Thomé não teve muita sorte. De repente uma gigantesca onda arremeteu-o para junto da amurada.  Na desesperada tentativa de sobreviver agarrava-se  com força na frágil amurada que sob seu   peso desmoronou, e arrastando-o para o mar.  Voltou a tona apenas uma vez. Mas, as correntes ainda subjugavam suas pernas  pesadas, o suficiente para arrasta-lo ao fundo.

Gritando desesperadoramente Izaura clamava  pelo seu bem amado, que já não respondia.

Finalmente, o barco de mestre Jesus, quase todo destruído,  aportou no continente.

Os negros sobreviventes choravam. E gritavam pela alegria da liberdade. Enquanto a chorosa Isaura debulhada em lágrimas, também decidia permanecer no acampamento novo para escapar da possível ira de seu  avô. Mas, seu sonho de  felicidade estava destruído. O  sonho de  felicidade do casal, desfez-se na fúria da espuma  violenta e do encrespado e profundo   mar do oceano  Índico.






A TRISTEZA QUE VEIO PRA FICAR - Carlos Cedano


A TRISTEZA QUE VEIO PRA FICAR
Carlos Cedano

— Mãããe, onde você está? Manhêêê! 

A mãe não estava em lugar nenhum, o silencio na casa era total. Curioso, disse o menino falando consigo mesmo, “a mãe não acostuma sair assim, sem avisar antes ou deixar um bilhete”.

Observando com cuidado e detidamente o jovem rapaz percebeu que o grande guarda-roupa estava totalmente vazio, sua cómoda também. Igualmente faltava a caixa de joias. Correu para a sala e levantou uma tabua do assoalho, o dinheiro que a mãe acostumava esconder aí, tinha desaparecido. A um choro mal contido juntava-se agora uma angustia crescente.

Correu pra a rua e perguntou aos vizinhos e conhecidos procurando informações sobre sua mãe: a que hora a tinha sido vista, quando e onde? As informações que obteve foram poucas e, pior ainda, desencontradas, tantas perguntas e poucas respostas.

A tarde caiu, cansado sentou-se no chão na entrada de casa.

Subitamente apareceu seu pai. E o menino se encheu de esperanças, o pai saberia onde estava sua mãe.

— Pai - gritou o filho - estou tão feliz de te ver. Mas, cadê a mãe?

O pai, com lagrimas transbordando os olhos disse:

— Tenho uma noticia triste pra nós dois. Sua mãe neste momento está navegando rumo a Europa. Ela nos deixou, e temo dizer-te meu filho que será para sempre.  


Pai e filho se abraçaram fortemente e permaneceram assim durante muito tempo. Parecia que a tristeza e a dor tinham vindo para ficar eternamente em seus corações.

Amores Trocados - José Vicente J. de Camargo



Amores Trocados
José Vicente J. de Camargo

A igreja estava engalanada a altura do acontecimento social mais aguardado da cidade. Não é sempre que a filha do prefeito se casa com o primogênito de um importante industrial da região.

Arranjos de flores exóticas ornavam o altar mor e se estendiam em guirlandas ao longo do corredor central forrado por tapete vermelho. Orquestra e coro da Sociedade Filarmônica local entretiam os convivas que apressados procuravam os melhores lugares ainda disponíveis.

Os pensamentos de Ernesto vagavam entre a contemplação dos presentes e as imagens sacras perfiladas nos altares laterais. Perguntas lhe pipocavam o consciente:

Puxa, já peguei pra chuchu, será que vou pro céu? E inferno, existe mesmo? Bem, deixa pra lá, o negócio é curtir a vida enquanto der, é melhor um pássaro na mão do que dois voando!

— A festa de hoje promete, vou ver se escapo de fininho de Amanda e consigo trocar um papo com Marília, aposto que ela ainda está gamada por mim. Esse casamento dela com Jurandir não me engana, é só para inglês ver! Duvido que ela tenha esquecido os nossos agarra-agarras, ficava louquinha...Quem comeu filé, não se acostuma com bofe!

Um beliscão de Amanda o traz a realidade.

— Levanta homem! A noiva está entrando.

Jurandir, ao pé do altar, fingia ansioso, mirar a porta principal da igreja. No íntimo, porém, procurava entre todos, encontrar a silhueta dela, Amanda, e ver se o estava mirando, esbelto no seu traje de noivo, cabelo e bigode aparados à francesa, como ela gostava.

— Tá mais gostoso do que bumbum de bebe! A noiva que se cuide, pois a mulherada vai querer arrancar pedacinhos lhe disse Ritinha, uma de suas madrinhas.

— Foi tudo culpa do diabo dos ciúmes e da fofoca alheia. Amanda nunca lhe pôs os chifres, foi só um flerte passageiro com Ernesto, seu amigo, sem maiores consequências. Mas, o povão lhe colocou  minhocas na cuca até romper o namoro. Talvez hoje, quando ela vier me dar os parabéns eu consiga, disfarçadamente, murmurar no seu ouvido a frase que a fazia arrepiar-se toda:

Vem Dindim, que eu estou fervendo!...

Ao som da marcha nupcial, de braços dados com seu pai, Marília sentia o coração apertado não sabendo ao certo se de nervoso ou de angustia. Sonhara com esse dia desde sua adolescência, de vestido branco longo brocado, véu arrastando pelo tapete da igreja, buque de rosas vermelhas, só que faltava algo que não iria ter. Justamente ele, Ernesto! A deixara por aquela sirigaita que fingia ser sua amiga. Até hoje não conseguia entender o que ele viu em Amanda, magrela, sem peitos nem bunda, pernas em xis. Com certeza foi pelo dote do pai, ladrão de primeira, que surrupiou dos cofres da prefeitura e já a nomeara herdeira quando bater as botas.

— Ah, mas quem ri por último, ri melhor! Convidara-o para vê-la de noiva abraçada a Jurandir, bom partido, maridão que a levaria, após a festa, de helicóptero, ao melhor hotel da capital e depois, em lua de mel, à Europa. Iria morrer de ciúmes, se arrepender por tê-la deixado. Mas, no peito, sabia que sua angustia tinha nome. Sim, o dele, Ernesto!

Amanda, em pé, via a noiva passar indiferente, sem ouvir os elogios dos vizinhos sobre o porte altivo, o vestido de estilista famoso, tiara valiosa, jóia de família desde a bisavó, casada com barão do café. Seus olhos e sentidos iam ao pé do altar e fixavam Jurandir. Se arrependimento matasse há tempos estaria na cova. Não o teria deixado. Foi loucura de momento, cair nas lorotas e galanteios de Ernesto, metido a dom João interiorano. Agora era seguir em frente, talvez um dia o destino concertasse o mal feito.

E assim, sob os acordes da “Aleluia, Aleluia”, quatro corações batiam em descompasso, procurando aquele “por que”, prisioneiro nas entranhas, disfarçando um sorriso amargo e unidos por um desejo comum:


— Que a esperança seja a última a morrer...

SOZINHO - Mario Tibiriçá



SOZINHO
Mario Tibiriçá



Aos saltos, ele corria desajeitadamente  pelas coloridas calçadas, tinha urgência, muita  urgência, precisava dizer à faxineira ,sua  mãe,  que as coisas iriam melhorar.

Fizera o gol da vitória, fora o melhor da praia, convites para jogar em times profissionais surgiram. Tinha toda a pressa do mundo.

A mãe,  faxineira  em muitas das casas da orla, o criara com muito carinho  e havia entre eles um entendimento tácito, fácil, corriqueiro, verdadeiro e sem palavras.

Com peito arfando, ruborizado pela corrida, avistou  o seu portão, apertou os passos em direção a casa para  gritar:

— Estou pronto mãe, vou ser profissional!

Aos  saltos atravessou o  portão  gritando:

— Mãe, Mãe !

Passou  pela sala voando e gritando.  Porem o silencio permanecia e  a resposta surda da casa vazia, doía-lhe  nos ouvidos.

— Mãe, Mãe  onde  você está.

Angustiado, faltava-lhe  folego, sua mãe era  tudo, amiga, camarada, amorosa, e sem dúvida principal figura pelo seu sucesso, não tendo  lhe faltado apoio, estimulo, amor e  bondade. Vencera, porem a vitória fora da mãe. Era preciso contar a ela.

Na desenfreada correria para  chegar a casa, não  reparou numa  ambulância saindo   do local, levando sua maravilhosa incentivadora.


LAGARTIXA NO CLUBE AP - Mario Augusto Machado Pinto

LAGARTIXA NO CLUBE AP 
Mario Augusto Machado Pinto

Há muitas luas que estou aqui. Foi uma longa e desconfortável viagem de navio e caminhão. Não passei necessidades porque meu avô é escolado e sabe onde e como encontrar as coisas. Fui companhia para meu avô que quis de todo jeito mudar de ambiente.

Quando chegamos levaram minha arvore. Tive que me segurar muito bem para não cair do meu ninho. Passamos por um lugar escuro, mas do outro lado havia sol.

Meu avô gritou:
Pula, pula! Pula pro chão!

Fui, e desde então estou aqui morando numa moita de plantas que ele disse que se chamam lavanda. Ele também morou na moita até que me disse que eu já podia morar sozinho (com minha namorada) e que ele ia se mudar, e sem mais essa e aquela foi embora. Só disse:

Um dia nos veremos!

Pra vocês me conhecerem, olha eu aí. Bonitão, hein?



As pintas vermelhas são parte da minha pele de festa. Vou jantar com minha namorada. Está difícil ir à casa dela: há muito espaço aberto que me deixa desprotegido. Quer ver? Olha aí, tá vazio, mas se de repente vem uns pés por alí...É o fim!




É aqui que eu encontro muita comida. Sempre atento aos pés que correm.

Já troquei de cauda três vezes.




Tão vendo aquela gravata amarela? Pois ao lado dela fica a moita com as plantas lavanda de cheiro gostoso. Tão vendo? É campo aberto. Tenho que correr muito. Agora não está dando: tem duas  mulheres ali. Já imaginou os gritos delas se eu passar por perto?

Agora elas estão indo embora e eu vou correr até a moita da lavanda. Lembra? É ali perto da gravata amarela. Cheirinho bom!!!
Bem, acho que vou chegando.
Tchau, vou alegrar a noite do meu Bem.
           


Cem anos de perdão! -Maria Luiza C.Malina


Cem anos de perdão!
Maria Luiza C.Malina

As pernas se antepunham ao seu corpo. Precisa chegar logo, mais rápido do que a chuva de vento que lhe açoita o jeito franzino.

Procura gritando desesperadamente pela mãe. Vasculha a casa e não a encontra. Os vizinhos se agrupam frente à casa para acalmar os gritos sedentos de Manheeeeee!

História sem fim
Chuva chuvosa a açoitar
O pobre rapaz
Que corre em ser capaz
De sua mãe encontrar
Na distância
Da infância
Em vão a procurar
A mais bela palavra
A gritar.
Manhêêêêêê!
Ecoa pelo quarteirão.
Mochila ao chão
O silêncio no salão
Um abraço os une

Com cem anos de perdão.

Papeis trocados - Fernando Braga


Papeis trocados
Fernando Braga

Jurandir e Ernesto tinham sido colegas de faculdade, eram muito amigos, saiam frequentemente juntos para festas, assistir futebol, frequentava, um a casa do outro, e eram conhecidos pelos familiares. Ernesto e Marília, após um namoro de três anos ficaram noivos, gostavam muito um do outro e já haviam feito planos para o casamento. Jurandir, havia conhecido recentemente Amanda e começaram um namoro, que parecia, iria vingar, pela ¨paixonite¨ de ambos. Jurandir conhecia bastante Marilia, namorada de Ernesto e logo quis apresenta-los Amanda, sua nova conquista, pela qual sentia-se muito atraído e mesmo apaixonado. Saíram os quatro no carro de Jurandir, para jantar, beber, dançar, divertir.

Amanda era uma morena muito bonita, de corpo bem feito,  cabelos longos, estatura média, boca pequena, com lábios carnosos, dentes alvos e perfeitos, sorriso marcante, simpática, comunicativa e insinuante até. Marilia era mais quietinha, acomodada e muito graciosa, porém, perto de Amanda ficava um pouco a dever. Por outro lado, Ernesto era um pouco mais alto que Jurandir, fisicamente um pouco melhor, mais risonho, falante, mais desenvolto, demonstrando muita confiança em si. Jantaram bem, beberam vinho, dançaram, cada um com o seu par e terminaram a noite alegres, satisfeitos, prometendo saírem outras vezes. Após um mês, combinaram de sair e foram ao mesmo lugar, um restaurante conhecido, com música ao vivo. A conversa entre eles era bem animada e Amanda com seu sorriso marcante, era a mais proeminente. Ernesto, mais frequentemente dirigia-se a Amanda, ficando a namorada um pouco deslocada e assim, Jurandir conversava mais com Marilia. Após algum tempo, começou a haver algum ciúme por parte de Marilia e mesmo de Jurandir, evidentemente. Jurandir sentia que sua namorada estava fazendo um pouco de charme para Ernesto. Após o jantar, onde todos beberam muito vinho, Marília logo tirou seu noivo para dançar e ficaram longo tempo abraçados, de rostos colados, dançando músicas da década de sessenta e setenta. Voltaram à mesa, tomaram mais vinho e foi quando Jurandir sugeriu, que invertessem os pares. Constrangidos, todos aceitaram e saíram para a próxima contradança, onde era tocava a conhecida música cantada por Frank Sinatra, All the way. Amanda ao sair abraçou fortemente seu par e logo após, estavam de rostos colados, como se aquilo fosse o normal. Ao verem isto, os outros dois, também resolveram dançar, cheek to cheek.  Ao voltarem à mesa, tudo parecia normal, mas havia um ar de desconfiança. Amanda, que estava bastante ¨alegre¨ tirou sua sandália e começou a roçar seu pezinho na perna de Ernesto, por baixo da mesa. Este, quase desmaiou de sensação! No fim da noite, Ernesto levou as damas para suas respectivas casas e voltou com Jurandir, deixando-o também em sua casa. Conversaram pouco e se podia perceber que havia algo pairando no ar, alguma quebra na amizade. Nos dias seguintes, Ernesto estava irrequieto, Amanda não saia de sua cabeça, e sentia-se mal em pensar que, se tentasse algo, estaria traindo seu amigo. Relutou muito, mas decidiu dar uma passada na casa de Amanda, pois já conhecia o endereço. Tocou a campainha e logo foi convidado para entrar. Amanda estava só, não esperava pela visita, mas estava na cara que adorara. Tomaram um café e após um pouco mais de conversa fiada, estranha, estavam grudados um no outro. Resolveram decidir o caso contando para seus pares, pares já teoricamente, desfeitos. Marilia e Jurandir, que foram¨ passados para traz¨ resolveram sair, conversar, para matar as mágoas. Saíram outras vezes, outras mais, e perceberam que tinham muita coisa em comum. Tornaram-se namorados, noivos e finalmente após um ano, resolveram se casar. O casamento na igreja foi muito bonito e depois foram para a festa, grandiosa, concorrida, animada, para a qual, fizeram questão de convidar Ernesto e Amanda, de certa maneira para mostrar a eles, que não fariam falta em suas vidas. Encontraram somente Ernesto, que estava sozinho. Este cumprimentou os noivos muito acanhado, ressabiado e quando perguntado sobre Amanda, disse que o namoro durara apenas três meses. Amanda havia encontrado o filho de um grande industrial e estava prestes a se casar com ele. Jurandir e Marília, que agora se amavam muito, de verdade, sentiram-se completados um com o outro e agradecidos a Amanda, que provocara toda aquela mudança, que veio para o bem. 

Quanto a Ernesto, Marilia dizia sem ressentimentos: azar dele! A amizade, realmente, parou por aí.


ABRIL TEM ANIVERSÁRIOS!



Parabéns para os aniversariantes!!
Que sejam muito felizes, e tenham muita inspiração para textos inesquecíveis!!!




O Mario Augusto Machado Pinto, e a Vera Lambiasi fazem aniversário juntos!
Na terça feira - dia 29 - Teremos bolo e Prosecco durante a aula!!




A Judith Cardoso quer comemorar com a turma do EscreViver no dia 30 de abril - quarta-feira. Pizza!! Reservem esta data - 19 hs - para confraternizarmos com ela. 


Queridinho da Mamãe - Vera Lambiasi



Queridinho da Mamãe                        
Vera Lambiasi

Everson, 14 anos, dedo de alicate, acabara de fazer mais uma vítima.

Hábil como ele só, abrira o carro da madame, estacionado em frente à boutique, e entregara aos comparsas, com o motor funcionando.

De pai mecânico, aprendera a arte de abrir portas, e fazer ligação direta, na oficina da família.

Divertia-se com a atitude inconsequente.

Agia, recebia pelo serviço, e fugia, não se envolvendo nas outras partes do crime.

Chegava esbaforido em casa, e se aninhava nos braços da mamãe.

Mas, naquela tarde, nada dela aparecer.

Correu todo o sobrado.

Apavorou-se.

Chegando à oficina do pai, na vizinhança, notou a presença de sua mãe, conversando com alguns policiais.

Desesperou-se.

Sua brincadeira havia acabado.

UM DESTINO DE CEM AN0S - Mario Augusto Machado Pinto




UM DESTINO DE CEM AN0S
Mario Augusto Machado Pinto

Corria desengonçadamente pela calçada colorida da avenida da praia. Acotovelava transeuntes enquanto avançava para a areia onde a área mais aberta garantir-lhe-ia mais velocidade. Os passos esticados com as longas e magrelas pernas dentro da bermuda azul de tactel,  levavam-no para casa na esquina da Avenida Ferdinando com a Rua Visconde de Tatuí. A  respiração ofegante podia ser ouvida de longe, e os olhos nem viam por anda passava. Tinha a cabeça aturdida e precisa alcançar logo seu destino. Ao atravessar a avenida quase foi pego por uma motocicleta que ia ao seu máximo. Mas, com o endereço já avistado, e a garantia de que logo estaria com sua mãe, via-se impossibilitado de saber o que acontecia ao seu redor. Esbaforido o menino empurrou o portão de chapas de madeiras mal pintadas, e a galope avançou para a varanda. Abriu a porta antiga de duas folhas com um único empurrão, e entrou aos gritos:
— Manhêêê! Mãããe!
Não obtendo resposta imediata, ainda em alvoraçada pressa foi percorrendo os cômodos do andar de baixo do centenário sobrado, enquanto insistia em chamá-la a todo pulmão:
—Mããe! Mãããe, cadê você?
Sua derradeira tentativa seria o andar superior. Suava frio e respirava com dificuldade quando, pulando os degraus de madeira de dois em dois, chegou ao piso de assoalho falho do corredor dos quartos:
— Mãããe, onde você está? Manhêêê!

Os sons dos seus chamados reverberavam pelas paredes e nas pranchas de madeira das velhas janelas.

Abriu de par em par as portas dos antigos armários de cada quarto olhando sua imagem refletida nos espelhos de cada uma delas. 

Passou a se observar ao gritar chamando pela mãe. Gritava e se olhava.

Ao eco dos seus chamados escutava a resposta dos miados dos gatos.


Continuou gritando e se olhando.


Uma ajuda milagrosa - Fernando Braga


Uma ajuda milagrosa
Fernando Braga

       Não bastasse a pobreza, a fome crônica, as dificuldades, a insegurança em que vivia aquele casal de nordestinos, Severino, Luzia, com seus dois filhos pequenos e um cachorro vira-lata, o lula, morando em um casebre em más condições, em um bairro pobre de São Paulo, quando uma maior desgraça veio se abater sobre eles. Severino foi atropelado na rua, próximo à Estação da Luz e após um mês na UTI de um Hospital do SUS, viera a falecer.

Luzia, desesperada, perdeu o rumo em sua vida. Não sabia mais o que fazer para continuar a viver, alimentar seus filhos, visualizando um futuro muito incerto, negro, sem possibilidades. Talvez viesse a receber um salário mínimo do governo.
Não fosse a pequena ajuda que recebia de alguns vizinhos pobres, a fome já teria tomado conta de todos, menos de lula, que se virava nas ruas.

Tendo a alimentação como o maior problema, Luzia viu que era premente procurar um emprego. Sua vizinha, aceitou ficar com seus filhos e o cachorro, enquanto ela perambulava pelos bairros, para arrumar emprego. Aceitava qualquer colocação, mas nos bairros onde predominava a classe pobre ou média baixa, procurava....procurava e nada conseguia. Todos queriam ajudar, mas em vão, e a vizinha começou a dar indiretas, de que não poderia assumir aquele compromisso por muito tempo. Sugeriu que procurasse emprego de doméstica em um bairro melhor, mais distante. Luzia, arranjou uns trocados, pegou o ônibus, o metrô e foi parar em um bairro residencial de classe mais abastada. Em uma residência de bom aspecto, ia tocar a campainha quando o portão automático da garagem se abriu, dando passagem a um carro e em seu interior, um senhor, já com cabelos grisalhos, que olhando aquela moça em seu portão, abriu a janela e perguntou se queria alguma coisa. Respondeu ela, que queria um emprego!!Desceu do carro, foi conversar com ela, analisando-a da cabeça aos pés. Vestia ela, algo que parecia uma camisola de dormir, havaianas nos pés, tinha o olhar sofrido de uma pessoa necessitada, mas, seu aspecto geral era bom, de uma mulher sadia e parecia uma pessoa boa. Voltou seu carro para a garagem, fechou o portão automático, pediu que entrasse e chamando sua mulher, disse:- não é você que estava procurando uma empregada? aí está!! encontrei uma para você!!! Luzia, singelamente, logo disse que não tinha muita prática, mas que tudo faria para aprender rápido todo o serviço que iria fazer, e tinha a certeza de que iria deixá-los satisfeitos. A senhora perguntou, se podia dormir no emprego e ela respondeu que era difícil, pois morava longe, tinha dois filhos pequenos, de seis e sete anos e ainda um cachorro. A senhora, que estava à procura de empregada há meses, que gostara de Luzia, pensou, pensou e disse que próximo, havia uma creche, onde poderia arrumar um lugar para as crianças, pois conhecia os administradores. Disse que o quarto da empregada era grande e tinha um beliche. Quanto ao cachorro, se não fosse muito bagunceiro, poderia ficar no quintal, que era grande.

         Deu tudo certo. Luzia ficou tão contente, que nem perguntou quanto iria ganhar.         Gostou demais do casal, achou que a recíproca era verdadeira e disse que voltaria o dia seguinte para assumir o seu emprego! Um vizinho de seu casebre, que tinha uma Kombi velha, ajudou a transportar algumas tranqueiras, uma pequena mala com uns frangalhos, a Luzia, os filhos e o lula. A nova acomodação era muito melhor do que esperava, alimentação farta, os filhos foram para a creche, onde passavam quase o dia todo, estudavam. Luzia, de tão boa que era, praticamente, tornou-se uma pessoa da família, muito querida por todos e após alguns cursos arrumados pelos patrões, tornou-se cozinheira de primeira e todos adoravam quando fazia lasanha.

         Após quinze anos, haviam se processado grandes mudança: os filhos já eram maiores, continuavam estudando, agora em faculdade, o mais velho continuava ajudando como chofer nas horas vagas, o mais moço fazia jardinagem.Com pequena ajuda dos patrões, que adoravam a família, haviam adquirido um pequeno apartamento, pós esforço conjunto e poupança, que iria servir quando ¨os meninos¨ resolvessem se desprender da mãe. Os velhos, diziam que não havia pressa, porque se sentiam mais seguros, com eles presentes. Lula durou cinco anos após a mudança.

        O casal de velhos, quando conversavam entre si, sentiam-se felizes por terem ajudado aquela família maravilhosa, cuja mãe viera procurar emprego vestindo uma camisola de dormir, provavelmente, sua melhor roupa, na ocasião. Luzia sempre achou que havia acontecido um milagre quando saiu naquele dia para procurar emprego, pois não poderia ter acontecido algo melhor em sua vida. Imagine, pensava ela, que logo teria dois filhos doutores, e que um dia poderia descansar amparada por eles.      Sempre comentava com os filhos, que ainda há muita gente boa, generosa, pessoas como seus patrões, que logo percebem uma situação difícil dos outros.

Viva a solidariedade!

Perseverar - Vera Lambiasi



Perseverar  
Vera Lambiasi


A zona do meretrício ficava na parte mais alta da pequena cidade.

Lá aonde o asfalto não chegava nunca.

Não interessava ao prefeito dar transito livre ao Largo dos Prazeres.

De casinhas coloridas e luzes piscantes, as trabalhadoras atendiam durante toda a noite, cobrindo as redondezas de Uirapurus.

O chão de terra batida, levantava poeira na passagem das camionetes dos fazendeiros.

Corriam os anos 70, quando Gervásio, pobre lavrador, fazendo-se de filho do patrão, enganou Maria Rosa, pitelzinha mais nova da melhor casa de prostituição.

Chegava no despertar da noite, banho tomado, de pick-up último tipo. Refestelava-se e pouco pagava, dando pose de rico.

Maria Rosa, encantada, fazia fiado aos prazeres do moço bonito.

Gervásio prometia casamento. Enganava-a dizendo montar casa junto da matriz.
Mostrava notas de compras de tijolos e tintas, para ludibriar a noiva.

Mas nada de dar entrada nos papéis.

Sempre se desculpando, por ter que esconder do suposto pai latifundiário, o romance.

Maria Rosa já devia uma fortuna ao administrador da casa de tolerância.

Tornou-se, por vontade imposta, exclusiva de Gervásio.

Até que apareceu no largo, o fazendeiro mais poderoso de Uirapurus.

Queria ter prazer com a menina mais linda do estabelecimento.

O nome de Maria Rosa voou pelos corredores, e sua presença foi exigida.

Viu de longe o carrão de Gervásio, e curiosa, partiu para os braços do desconhecido que julgava ser seu futuro sogro. Mesmo perfume, roupas parecidas e promessas similares.

O homem dizia-se viúvo, e pai de duas moças bem casadas.

Intrigava Maria Rosa, onde Gervásio caberia nesta família.

Este, por vergonha, sumiu da zona, sabendo que o patrão pegara sua presa.

Maria Rosa casou-se com o velho fazendeiro e mudou-se para a, prometida por outro, casa da matriz.

Tiveram diversos filhos.

Uns do velho, e outros do ajudante, moço bonito, pobre lavrador.




WANDERLEY, O FOLGADO - Oswaldo Romano



WANDERLEY, O FOLGADO
Oswaldo Romano                                                              

        Não precisa andar muito para se deparar com um folgado. Ele está em todo lugar. Numa roda de três amigos, com certeza você acha um.

        Geralmente é aquele esperto que domina as conversas no grupo.  Os demais o observam com as devidas precauções no que ouvem. É preciso entender e selecionar suas palavras. Ele fala sem saber qual será o meio,  e como será o fim.

        Entre os pescadores é uma loucura. Fala, gesticula, aumenta a voz para chamar a atenção, em seguida reduz o volume convocando todos para ouvi-lo. Impõem com gestos que todos prestem atenção.

        No fim do dia foi o que menos pescou e aquele que mais consumiu bebidas, salgadinhos, aproveitando-se do farto  farnel dos amigos.

        O folgado mente dizendo ter pegado a dar com pau. Completa contando do dourado que escapuliu quebrando sua linha.

Nesse dia tiveram sorte na parte da manhã, um céu de brigadeiro até as 16:00 horas. Mas depois! Depois fechando o tempo, armou enorme temporal, as nuvens escuras eram iluminadas pelos raios. Flashes que assustavam, causou um salve-se quem puder.

        Wanderley nessa hora aprimorou sua vida de folgado. Juntou suas tralhas, ignorando a Isaura que pescava ao seu lado. Correu inutilmente em direção ao gazebo.  Já estava ensopado.

        Chegaram os demais, molhados, todos afeitos, e ouviram do Wanderley:

        Eu puxava o maior peixe,  ali no Pouso da Cajaiba, ele envergava a vara,  parecia que ia quebrá-la.

         Deu aquele clarão foi o maior estouro que já ouvi.

        Tremi, cai sentado, e minha vara,  jamais vi.

Nisso a Izaura que ia preparar as caipirinhas, indagou:

        — Wanderley, cadê a pinga que estava aqui?

        Veio a resposta, dizendo na lata — Eu bebi.

Izaura não se contendo, com as mãos na cintura, disse alto e bom tom:


        — Ô folgado?!!! Você é folgado hein...  Wanderley.