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Amores Trocados - José Vicente J. de Camargo



Amores Trocados
José Vicente J. de Camargo

A igreja estava engalanada a altura do acontecimento social mais aguardado da cidade. Não é sempre que a filha do prefeito se casa com o primogênito de um importante industrial da região.

Arranjos de flores exóticas ornavam o altar mor e se estendiam em guirlandas ao longo do corredor central forrado por tapete vermelho. Orquestra e coro da Sociedade Filarmônica local entretiam os convivas que apressados procuravam os melhores lugares ainda disponíveis.

Os pensamentos de Ernesto vagavam entre a contemplação dos presentes e as imagens sacras perfiladas nos altares laterais. Perguntas lhe pipocavam o consciente:

Puxa, já peguei pra chuchu, será que vou pro céu? E inferno, existe mesmo? Bem, deixa pra lá, o negócio é curtir a vida enquanto der, é melhor um pássaro na mão do que dois voando!

— A festa de hoje promete, vou ver se escapo de fininho de Amanda e consigo trocar um papo com Marília, aposto que ela ainda está gamada por mim. Esse casamento dela com Jurandir não me engana, é só para inglês ver! Duvido que ela tenha esquecido os nossos agarra-agarras, ficava louquinha...Quem comeu filé, não se acostuma com bofe!

Um beliscão de Amanda o traz a realidade.

— Levanta homem! A noiva está entrando.

Jurandir, ao pé do altar, fingia ansioso, mirar a porta principal da igreja. No íntimo, porém, procurava entre todos, encontrar a silhueta dela, Amanda, e ver se o estava mirando, esbelto no seu traje de noivo, cabelo e bigode aparados à francesa, como ela gostava.

— Tá mais gostoso do que bumbum de bebe! A noiva que se cuide, pois a mulherada vai querer arrancar pedacinhos lhe disse Ritinha, uma de suas madrinhas.

— Foi tudo culpa do diabo dos ciúmes e da fofoca alheia. Amanda nunca lhe pôs os chifres, foi só um flerte passageiro com Ernesto, seu amigo, sem maiores consequências. Mas, o povão lhe colocou  minhocas na cuca até romper o namoro. Talvez hoje, quando ela vier me dar os parabéns eu consiga, disfarçadamente, murmurar no seu ouvido a frase que a fazia arrepiar-se toda:

Vem Dindim, que eu estou fervendo!...

Ao som da marcha nupcial, de braços dados com seu pai, Marília sentia o coração apertado não sabendo ao certo se de nervoso ou de angustia. Sonhara com esse dia desde sua adolescência, de vestido branco longo brocado, véu arrastando pelo tapete da igreja, buque de rosas vermelhas, só que faltava algo que não iria ter. Justamente ele, Ernesto! A deixara por aquela sirigaita que fingia ser sua amiga. Até hoje não conseguia entender o que ele viu em Amanda, magrela, sem peitos nem bunda, pernas em xis. Com certeza foi pelo dote do pai, ladrão de primeira, que surrupiou dos cofres da prefeitura e já a nomeara herdeira quando bater as botas.

— Ah, mas quem ri por último, ri melhor! Convidara-o para vê-la de noiva abraçada a Jurandir, bom partido, maridão que a levaria, após a festa, de helicóptero, ao melhor hotel da capital e depois, em lua de mel, à Europa. Iria morrer de ciúmes, se arrepender por tê-la deixado. Mas, no peito, sabia que sua angustia tinha nome. Sim, o dele, Ernesto!

Amanda, em pé, via a noiva passar indiferente, sem ouvir os elogios dos vizinhos sobre o porte altivo, o vestido de estilista famoso, tiara valiosa, jóia de família desde a bisavó, casada com barão do café. Seus olhos e sentidos iam ao pé do altar e fixavam Jurandir. Se arrependimento matasse há tempos estaria na cova. Não o teria deixado. Foi loucura de momento, cair nas lorotas e galanteios de Ernesto, metido a dom João interiorano. Agora era seguir em frente, talvez um dia o destino concertasse o mal feito.

E assim, sob os acordes da “Aleluia, Aleluia”, quatro corações batiam em descompasso, procurando aquele “por que”, prisioneiro nas entranhas, disfarçando um sorriso amargo e unidos por um desejo comum:


— Que a esperança seja a última a morrer...

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