UM NATAL
DIFERENTE
Suzana da Cunha Lima
O VELHO Samuel estava só, muito só.
Olhava desanimado para os campos vazios varridos pela poeira. Seus
vizinhos haviam se mudado há tempos. Um solo rebelde a qualquer plantio
os haviam afastados e os mais próximos estavam a uns 30 minutos de
caminhada. Muita estrada para suas pernas fraquejantes.
Não ouvira os apelos da família que o
aconselharam a ir morar com eles na cidade grande ou arrumar um cantinho no
lugarejo, onde ainda tinha alguns amigos. Não houve jeito. Era turrão,
queria as coisas ao seu modo... e assim foi ficando cada vez mais só.
Falando sozinho, visão embaçada,
juntas doloridas e sentindo cada vez mais o peso da solidão. Ao dormir, cabeça
no travesseiro e ninguém ao lado, pensava e até chorava:Ninguém!
Para trocar ideias, compartilhar
uma cerveja, jogar um carteado, ou discutir o futebol. Ninguém para
aquecer seu corpo que se arrebentara na faina diária naquela terra árida e nada
generosa. A angústia se apossou dele de maneira avassaladora.
E foi se agravando naquele ano
especial, quando o inverno chegou mais cedo, as folhas caíram e ventos frios
congelavam os ossos. Mas, sabia ele, era tempo de Natal!
Podia até escutar o badalo do sino da
igrejinha distante, tocando alegre e imaginava as casas se enfeitando, as ruas
cobertas de luzes piscantes, as crianças agitadas pedindo brinquedos a Papai
Noel.
Uma estrela cadente riscou o céu e
parou um pouco em cima de sua casa. O que fazia aquela estrela ali, imóvel,
brilhando como uma joia num estojo escuro? Samuel teve uma epifania.
Lembrou-se imediatamente de sua
infância, ele e os irmãos enfeitando a árvore que seu pai buscara na chácara de
o seu Nestor, sua mãe preparando as rabanadas, inigualáveis, até sentia o
cheirinho do açúcar com canela estalando de gostoso.
E o mais importante, que ela deixava
para o fim: o presépio. Era sempre o mesmo, Maria, José e o Menino,
deitadinho na manjedoura. Todos lindamente esculpidos em madeira nobre. E
ainda havia os bois e vaquinhas e as ovelhas, e todo ano ela acrescentava um
animal, ou pastores, depois os Reis Magos e muito verde e flores. E
iluminava o presépio de tal maneira que aquelas delicadas figuras pareciam
vivas.
— É isso, pensou! Farei igualzinho!
Tenho dinheiro guardado para quê? Farei um Natal para a criançada do
orfanato. Com certeza vão ter um Natal simples e triste como todo ano.
Mas este ano, não — pensou — Vou dar para eles tudo que tive, quando menino, e,
se Deus me ajudar, todo ano até eu morrer. Telefonou para o orfanato,
combinou tudo, enviou roupas novas para todos, e no dia de Natal, apareceu com
duas vans carregadas de guloseimas, brinquedos e a árvore.
E enquanto as crianças enfeitavam a
árvore do jeito delas mesmo, com muita algazarra e risadas, ele preparou um
lindo presépio, do jeitinho que sua mãe fazia. Antes mesmo de pronto, a
criançada foi-se achegando, curiosa para saber quem eram aquelas figuras.
“Esta criancinha aí na manjedoura
nasceu em Belém. Seu nome era Jesus. Seus pais eram muito
pobres e não havia lugar para eles nos hotéis da cidade. Assim, o dono da
estalagem cedeu seu estábulo e arranjou uma manjedoura como berço e os pastores
trouxeram panos como sua primeira roupinha.
Não, não nasceu em hospital, com
médicos e enfermeiras, não teve ultrassom, nem chá de bebê, nem fotógrafos.
Mas mesmo assim, Ele dedicou sua vida
para nos ensinar Respeito, Solidariedade e Compaixão e deixou um único
conselho:
Ama teu próximo como a ti mesmo.
Depois Dele, o mundo não foi mais o
mesmo".
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