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Conto de Natal - Se fosse hoje em dia - Yara Mourão

 

 

Imagem criada por IA

Se fosse hoje em dia.

(Um conto de natal para 2024)

Yara Mourão

 

 

Era início da noite apenas, mas algumas estrelas de maior brilho já se espalhavam pelo céu, prometendo a paz ainda que duvidosa. Pelas ruas empoeiradas pessoas fechadas em seus silêncios passavam como sombras por entre os carros, carroças e motos, numa pressa de chegar em algum lugar, qualquer um, que pudessem chamar de casa, de abrigo.

José desligou a moto e entrou apressado chamando aflito por Maria. Queria ajudá-la a organizar a partida: o que levar, o que deixar. Eles sabiam que a viagem seria arriscada; a moto não era grande, a estrada não era boa já semidestruída pelos bombardeios. Haveria muitos solavancos e Maria, em final de gravidez, talvez não chegasse sequer próximo a capital.

Mas tinham que partir. Aquele território já não era seguro. Esse filho muito amado, por quem tanto esperavam, estava prestes a nascer. Por isso, antes do amanhecer resolveram partir.

Passaram por muito perigos, medos, aflições. A poeira das estradas criava uma nuvem densa, formando uma cortina esfarrapada de onde se podia ver, por entre as frestas, corpos dilacerados entre escombros. Os bombardeios incessantes, ensurdecedores, eram rajadas mortais.

José seguia sem trégua. Buscava rotas entre as construções destruídas, lamentando o desvario e a fuga da terra natal.

Maria tinha toda a semelhança de uma deusa esculpida em pedra sem os sinais que até os sobreviventes exprimem e com a rigidez impassível de quem já não está mais ali.

Foram muitas horas de angústia até chegarem a um local mais reservado. Procuraram por um hotel. Porém, não havia vagas, pois os senhores da guerra estavam todos ali reunidos para suas decisões de combate.

Continuando numa fuga angustiante, se depararam com um galpão de tanques abandonado nos limites da cidade e ali se abrigaram para passar a noite.

Foi assim, em meio a estrondos e explosões, que Maria, em doce aflição, avisou José: “Chegou a hora, José, ele vai nascer!”

José estendeu seu manto. Maria ajuntou seu xale. No céu, uma estrela brilhou mais que todas.

O menino nasceu!

Fez-se um silêncio embebido em preces e lágrimas. Até os animais ali abrigados se uniram em murmúrios de mugidos esmaecidos. Aos poucos, na areia agonizante do deserto, passos marcaram o tempo e o lugar da chegada do Amor.

Os soldados feridos vieram, mãos vazias, ornadas de ataduras e, como se fossem reis, curvaram-se e honraram a um ser pequenino, como se fosse a um deus…

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