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O Antes e o Depois - Silvia Maria Villac Vicente de Carvalho

  




O Antes e o Depois

Silvia Maria Villac Vicente de Carvalho

 

 

Gregório tinha sido um renomado cardiologista, aqueles da “velha guarda”, que ajudara, inclusive, o Incor a se transformar no que ele é hoje. Entretanto, era avesso às “badalações e holofotes”, e poucas vezes aceitava participar de homenagens à sua pessoa. Gostava mesmo é de ser médico.

 

Já aposentado, passava a maior parte de seu tempo em sua chácara em Valinhos, relendo os clássicos da literatura francesa e inglesa e, nos finais de semana, gostava de receber os filhos, netos e agora os bisnetos. Com o avançado da idade, quase não dirigia mais – principalmente em estradas. Mas justamente naquela quinta-feira, seu motorista havia pedido folga porque sua filha ia dar à luz, e ele só iria até a cidade para abastecer a adega, porquanto a casa de hóspedes estaria cheia para o feriado prolongado.

 

Mal pegou a rodovia, o trânsito começou a ficar lento e podia-se ouvir lá longe o barulho de sirenes. Sintonizou a rádio que emitia boletins de ocorrências e, bingo! Tratava-se de um veículo sedan cinza prateado que havia capotado. De imediato, seu coração acelerou e, da taquicardia, veio a ânsia.

 

Não era possível. Talvez fosse apenas uma coincidência, pois Laura havia dito que ficaria em casa até segunda-feira, já que o filho estava muito gripado e ainda tinha tido febre na noite anterior.

 

O tráfego continuava lento, mas quando Gregório avistou o carro acidentado, não teve dúvidas. Ligou o pisca alerta, abandonou seu veículo e saiu correndo dentro de seu possível.

 

Sim, aquele era o carro do neto. Não conhecia a placa, mas reconheceu o adesivo vermelho do clube grudado no para-choque traseiro.

 

O veículo estava todo retorcido e Gregório esmurrava a janela, tentando, inutilmente, quebrar o vidro, já gritando por socorro. De repente, surge um rapaz, que ele nem sabe dizer de onde, que lhe entrega seu bisneto, pedindo para se afastarem do local.  Meio amortecido e com Bento no colo, ele vai dando uns passos para trás e se esquece de perguntar sobre a mulher do neto mais velho, que estava na direção.

 

...

 

Bento já está pronto para a cerimônia e pede ao Bentinho que suba e apresse sua mãe para não chegarmos atrasados. Laura se encontra muito pensativa e parece longe da realidade. Dez anos haviam se passado desde aquela fatídica quinta-feira, cujo final tinha sido compensador apesar dos 37 dias de internação.

 

Naquele dia, os bombeiros conseguiram chegar logo após a criança ser resgatada e cortaram a porta do passageiro para retirar a motorista, minutos antes do veículo explodir em razão do vazamento de combustível. Ela fora levada de imediato para o Hospital Municipal local e dois dias depois transferida por uma UTI móvel para o Incor.

 

Apesar de ter apenas 32 anos, já era viúva. O neto mais velho de Gregório, que tinha o mesmo nome do avô, havia sido diagnosticado com um tipo raro de câncer, extremamente agressivo, e a doença o levou em cinco meses, deixando Laura com um filho de dois anos. Como neto e avô tinham laços muito fortes, Dr. Gregório, como ela o chamava, acabara por se afeiçoar também a ela e, quando o marido faleceu, decidiu ir para o interior, pois via na figura do médico um porto seguro tanto para ela quanto para seu filho, visto que toda sua família morava no exterior. Ele insistira para irem morar todos juntos, mas ela optara por alugar um chalé em um condomínio próximo e, como em todos os finais de semana, também “batia ponto” na chácara com os outros familiares. Essa estava sendo sua rotina há três anos, quando houve uma total reviravolta em sua vida desde o acidente.

 

Não tem qualquer lembrança dos dois primeiros dias de internação no Hospital Municipal, assim como de sua remoção para São Paulo e dos sete dias que ficou entubada na UTI. Quando finalmente foi transferida para um quarto, a primeira pessoa que entrou para visitá-la foi um jovem alto, moreno, de cabelos cheios e alguns fios brancos, de um sorriso largo e confiante.

 

Olá, ele disse. Vejo que já está bem melhor.

Desculpe-me, mas não o conheço, ela lhe respondeu.

 

Ele então se apresenta, e quando vai começar a falar, Gregório adentra o quarto e exclama:

 

Ah, Laura, vejo que você já conheceu nosso super-herói Bento! Com entusiasmo, ele narra, emocionado, todos os detalhes sobre o acidente e do quão importante foi o auxílio do rapaz para que mãe e filho sobrevivessem.

 

E é a partir desse dia que a vida dela começa a tomar um novo rumo. No início, meio relutante, os dois começam a trocar olhares, ele insinua algo aqui, outro ali, até que Bento consegue fazê-la prometer que tão logo receba alta do hospital, irá jantar com ele.

 

Dez anos se passaram! Após um namoro de oito meses, eles resolveram se casar em uma cerimônia pequena, na chácara do Dr. Gregório, que aprovava o relacionamento, pois sabia da boa índole do rapaz, tinha consciência de sua idade avançada e sabia da importância de uma figura masculina na vida do bisneto. De repente, cai em si e ouve Bentinho dizer, com a voz já meio exasperada:

Mamãe, você não está me ouvindo? Nós estamos atrasados!

 

Ela se levanta do banquinho onde estava se maquiando, passa a mão mais uma vez pelo ventre que já está bem avantajado e desce as escadas para ir ao encontro do marido.

 

Vamos logo, querido! O Incor não vai nos esperar para dar início à cerimônia de centenário do Dr. Gregório.

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