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LINHAS CRUZADAS - Silvia – a novata




LINHAS CRUZADAS

Silvia – a novata

 

O telefone fixo toca mais uma vez e Claudia, já impaciente, atende com a voz um pouco exasperada. Alô”, ela diz. Do outro lado da linha, entra uma gravação automática de robô oferecendo algum tipo de serviço e também uma voz masculina que apenas diz: “Clóvis, o serviço já está feito e o pacote entregue no rio”.

Como?, pergunta.

A voz metálica continua a discursar em seu ouvido e, em seguida, apenas o sinal de ocupado. Ela ainda tenta fazer contato novamente com a tal da voz masculina, mas tudo que ouve é a gravação, “para falar com algum de nossos atendentes, tecle 2”. Ela, então, coloca o telefone de volta na base e continua o planejamento da viagem que o casal faria no próximo mês, esquecendo-se, por completo, o assunto.

Ela é advogada, sempre atuou na área de direito ambiental e, atualmente, trabalha em sistema home-Office. Clóvis, seu marido, uma pessoa sistemática e muito metódica, é administrador de empresas por formação, mas atua na área de alavancagem de patrimônio para pessoas físicas.  Mas sempre que Claudia questiona sobre os clientes, é muito vago em suas respostas.

Eles se conheceram em um site de relacionamentos e, após dar “match” e namorarem por 5 meses e meio, decidiram se casar porque foi amor à primeira vista e vão comemorar o 1º ano de casados em uma viagem romântica pelo Vale do Loire.

À noite, quando Clóvis chega, imediatamente vem à memória aquela ligação telefônica e ela comenta, meio em tom jocoso, sobre o tal do serviço contratado. Ele responde que não tem ideia sobre o que ela está falando e argumenta que deve ter sido apenas uma grande coincidência a pessoa ter mencionado seu nome.

Eles vão para o quarto, mas Claudia não consegue pegar no sono – até inveja seu marido que, após tomar um Lexotan, adormece como uma criança. Ela começa a ler o livro que está em um pedaço morno, meio chato, quando ouve o sinal de que entrou mensagem no celular. Imediatamente se levanta, mas vê que o WhatsApp entrou para o marido. Ela pega o aparelho e está escrito: “O dinheiro não entrou na minha conta, conforme o combinado. Se até amanhã cedo não fizer o pix, o nome da Matilde vai aparecer.“

Coincidências à parte, Matilde era uma ex-secretária de Clóvis, que havia pedido demissão há 1 ano e meio. Curiosa, ela procura esse nome na lista de contatos de seu marido e, para sua surpresa, há inúmeras trocas de mensagens entre os dois. Começam com escritas românticas, passando para picantes e, finalmente, ameaçadoras, de ambas as partes. Ela, inconformada, querer terminar o relacionamento e ameaçar chantageá-lo, e ele extremamente agressivo, dizendo que ela poderia sofrer um acidente trágico ou algo parecido. A última mensagem datava de 26 de fevereiro, antes de ontem.

Claudia passou a noite em claro e, ao amanhecer, quando ligou a televisão para ver o jornal da manhã, estava noticiando que um corpo feminino havia sido encontrado no córrego Pajuçara. Conforme a polícia, tratava-se de uma “desova” já que a vítima, identificada como Matilde Soares da Silva, tinha sido assassinada com um tiro certeiro na cabeça. Ela ficou lívida e paralisada por alguns momentos, coração disparado, mas respirou fundo e se recompôs.

Serviu o café da manhã para Clóvis, como de costume, com o suco de laranja espremido na hora e 2 ovos cozidos por 9 minutos e depois postos no gelo antes de serem descascados, além do pãozinho francês esquentado no forninho por 3 minutos, acompanhou-o até a porta, esperou o carro partir e só então ligou para o 190.

Descobriu-se, depois, que Clóvis lavava dinheiro para uma organização criminosa e havia encomendado a morte de sua ex-secretária com um subordinado daquela facção.

 

Quanto à Claudia, bem, Claudia foi curtir sua tristeza em francês.

 

 

 


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