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A casa de meu bisavô - Ises de Almeida Abrahamsohn

 

 


A casa de meu bisavô

Ises de Almeida Abrahamsohn

 

Essa é a lembrança de uma casa e dos que a povoaram um dia há cem anos. Uma casa onde minha mãe brincava quando criança. Vivia na minha imaginação pelas histórias que ela contava.

Eu viria a conhecê-la quando fiz minha primeira viagem à Alemanha. Na pequena cidade de Höxter ao lado do rio Weser. E lá estava a casa como eu havia imaginado. Numa rua estreita de calçamento de pedras de rio onde uma canaleta central escoa a água da chuva. Três andares e um sótão. Em tijolo vermelho com duas portas, uma dupla principal e outra lateral modesta abrindo para um jardim público gramado. Era esta que dava acesso ao consultório de meu bisavô, Dr. Paul Styx, médico de saúde pública e patologista.

Dele sei muito pouco. Apenas as fotos. Alto, de semblante severo, empertigado em seu terno escuro e colarinho branco engomado. Mas quantas pessoas interessantes viveram ali. Os filhos das cinco tias de minha mãe, e mais os primos do primeiro casamento da esposa do meu bisavô, adotados por ele. E a Fräulein, chamada assim, apenas senhorita, que controlava  a criançada. Chamava-se Margarethe e era a única sobrevivente de uma família de oito pessoas todas mortas por febre tifoide. Meu bisavô a conheceu ao fazer as inspeções periódicas como sanitarista e a empregou aos 12 anos para ajudar a tomar conta da filharada. Mas voltemos à casa.

De um lado da casa ergue-se uma torre redonda, muito mais antiga, que se comunica com a parede lateral da cozinha. Uma escada interna em espiral de madeira dá acesso a dois pavimentos. Nos dois pavimentos era a sala de brincadeiras das crianças. Um trem elétrico, palco móvel para teatro de  fantoches, casinhas de bonecas, mesas para trabalhos manuais, e livros, muitos livros infantis ilustrados. Material para desenho e pintura. Um projetor de slides de vidro colorido. Era o que minha mãe contava existir nessa fantástica torre à época de sua infância. Passava lá apenas algumas semanas duas vezes por ano nas férias escolares.

E eu estava agora lá, olhando a antiga casa, sessenta anos após a infância de minha mãe. Transformada em uma casa de atividades comunitárias e residência para o serviço de Diaconato da igreja evangélica luterana. Pedi permissão para entrar. Perguntei do acesso à torre. E lá debaixo, segui com os olhos a velha escada de madeira até o alto. Por alguns momentos fechei os olhos  ouvi as vozes dos que ali habitaram. As risadas das crianças, a Fräulein ralhando, minhas tias avós de nomes antigos Felizitas, Editha, Irene, Irma, minha avó Hertha, e Ilse sua prima mais querida. Minha mãe e seu irmão Klaus, Gerhard, o primo que aos 18 anos sucumbiu na frente russa em 1943. Todos se foram. A casa ainda está lá.

Talvez eu volte algum dia. Já levei meu filho e nora para vê-la. Ainda penso em levar meus netos.

Um comentário:

  1. Anônimo5/04/2023

    Me senti lá. Descrição perfeita! Recordar é reviver com os passados!

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