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O Senhor da Terra - YARA MOURÃO

 



O Senhor da Terra

YARA MOURÃO

 

I

O cowboy tinha um olhar silencioso, largo, que seguia pacientemente a manada cinzenta.

Sua voz poderosa de comando ressoava quente e áspera pela estrada modorrenta.

Era uma tarde de sol alto com aquela claridade ácida zunindo pelo rosto, pelos olhos, cegando a caminhada. Mesmo assim, ele seguia em seu cavalo adornado de peles, como um animal de raro porte que levasse um nobre ao seu destino.

Chegando às cercanias do rancho, seu canto surdo e dormente ecoou no campo como uma oração. Porque ali era o altar de suas oferendas, seu porto, onde podia, por fim, saborear, no cheiro morno e no suor pegajoso de seu cansaço, a luta e a glória de ser o senhor daquela terra.

 

II

Ana ainda secava os cabelos quando o ouviu chegar. Demorou-se no banho até livrar-se dos restos do parto. O bezerro demorou horas na sanha pela vida. Ele sobreviveria e também a mãe. Mas a luta exauriu bicho e gente numa empatia enclausurada dentro daquele galpão.

Ana sentiu uma imersão no seio da natureza desde o primeiro até o último mugido dolorido. Quando cravou os olhos no focinho da vaca Ana envolveu-se num silêncio cúmplice; de alguma forma o ressonar compassado do animal lhe trazia o ritmo da respiração do parto. O bicho mugia de tempos em tempos e ela gemia quando vinham as contrações.

Posicionou-se ao lado da vaca no macio da palha no chão, - que era como o macio do colchão de palha- Não havia pressa; o tempo escorria doído. O arfar do peito se misturava ao gosto açucarado que lhe escorria pelo rosto. Não sabia mais o que era ela e o que era o animal.

As patas retesaram.

Sentiu um forte puxão nas pernas.

A pressão no ventre expulsou aquele pedaço de carne lambuzado de vida.

Ana acomodou a cria. Banhou-se.

Ouvindo o canto na beirada da cerca correu para abraçá-lo. Queria lhe dar logo a notícia de que seu esperado bebê havia chegado.

 

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