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O SOLITÁRIO - Antonia Marchesin Gonçalves

 


O SOLITÁRIO

Antonia Marchesin Gonçalves

 

Sou observadora do ser humano desde pequena. Tímida, pouco falava, mas sempre absorvia as conversas dos adultos que mal me notavam, com raras exceções. Cresci e aprendi a analisar os meus observados, analisando o mau-gosto no meu ver no vestir, os que falavam alto, os que riam de tudo, os distraídos e os desinteressados, e atualmente os dependentes de celular. Nos últimos tempos uma figura em especial me chamou atenção. Ao frequentar de tempos em tempos meu restaurante favorito, nas ultimas três vezes em que fui, um mesmo personagem estava presente.

Um senhor dos seus setenta e poucos anos, gordinho, sempre a barba por fazer, a primeira vez que o vi achei parecido com o Jô Soares e comentei com o meu marido, só que não com o mesmo requinte no vestir, está sempre de camiseta clara. Senta sempre na mesma mesa, a segunda da frente. O engraçado e intrigante é que são duas mesas juntas, ou seja, para seis lugares, sentado sempre na ponta de frente para a porta de entrada, imagino que para ver todos que entram. Com a feição tranquila, em momento nenhum recorre ao celular como distração.

Servido com o coquetel de gim e tônica, bebe devagar saboreando, em geral dois drinks até chegar seu pedido, continuando com o mesmo semblante. A primeira vez achei que guardava a mesa para seus convidados, o que nunca aconteceu. Aí a curiosidade minha aumentou, comecei a matutar, perdeu a esposa e mantêm o lugar em respeito e saudade como se lá estivesse, mas ainda sobram quatro lugares, seriam os filhos ou os pais ou os dois. Tinha a possibilidade de ser um solteirão rico, morando no casarão e nas folgas dos empregados, lá ele tem o mesmo atendimento e sendo acostumado com mesa grande por isso os seis lugares, egoísta não se importando com o prejuízo do restaurante em não dispor das mesas para outros clientes.

Nunca tive coragem de perguntar aos garçons sobre esse cliente, a educação me autocensura, continuarei com a curiosidade.

Ah! Pode ser que ele seja escritor ou cronista, e tudo que observa sirva de inspiração e critica, como eu.


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