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Herança de Família - Yara Mourão

 



Herança de Família

Yara Mourão

 

Naquele dia, todos se prepararam logo cedo para o evento no colégio. Era apenas uma gincana escolar, com brincadeiras e competições para os iniciantes em futebol, corrida e natação.

Os pais se agitavam tanto quanto os meninos e meninas, pois o dia era de festa e comemorações pelo final do ano.

Mas, havia uma questão lúdica para coroar as brincadeiras: haveria entrega de medalhas para os campeões, não de ouro nem de prata, mas reluzentes, pesadas, cheias de significado.

Foi aí que teve início a trajetória nefasta de Marcus.

Tiago, o irmão caçula, venceu na raia dois e ganhou a medalha de ouro! Foi aplaudido, laureado, era um campeão!

Marcus ficou petrificado! Rosto branco, por onde escorriam grossas lágrimas, silenciosas, pesadas, cheias de mal contida raiva, inveja e desprezo.

Para ele, aquilo era uma usurpação de seu prêmio, de seu direito de irmão mais velho. Um golpe de traição que ele não perdoaria. Ainda mais de um irmão adotivo. Jurou vingança.

Perseguiu uma trajetória de artimanhas nefastas e odiosas. Ignorou Tiago, e passou a agredi-lo abertamente, repetindo sempre: ¨Você não tem o meu sangue e nunca terá nada meu.¨

O passar do tempo reforçou seu ódio. Nunca um olhar complacente, uma palavra menos grosseira era endereçada a Tiago.

Para os pais já era uma questão de brio familiar manter Marcus afastado das questões mais importantes como o rumo dos negócios, os projetos futuros que a grandeza da fortuna propiciava. Fortuna essa que Marcus ambicionava só para si, e se preparava para isso de todas as maneiras, sem cogitar partilhar nada com ninguém. 

Aconteceu que, um dia, o patriarca partiu.

Desde então a mãe, em sua triste viuvez, se esgueirava pela mansão, recolhida, pensando na jornada que tiveram. Sabia que deveria dar continuidade aos laços, aos traços da vida. Decidiu ser a hora de acertar a herança, de fazer a partilha dos bens. De certo, ela teria o seu quinhão, pensou. Os demais, Marcus, sua irmã e Tiago ficariam com partes iguais.

Não foi de algumas semanas, mas de incontáveis anos o lapidar do mal nas entranhas de Marcus.

Tudo o que o rancor, a inveja, a artimanha nefasta, puderam engendrar em sua mente transbordavam em seus atos.

 Não ia dividir a herança com ninguém. Aliás, não haveria ninguém para partilhar pois o plano já estava traçado. A começar pela mãe. Ele a internaria num abrigo, pois tinha certeza de que a idosa já deveria estar com os dias contados e não precisaria de mais nada. Quanto à sua irmã, que morava no exterior, acusa-a de terrorismo e que se voltasse ao país seria presa e, portanto, impossibilitada de receber qualquer bem, sendo assim deserdada por motivos óbvios. E Tiago? Ah! Esse já tinha a sua medalha de ouro e não precisava de mais nada! Tiago, o irmão postiço que se apoderara de uma vida que não lhe pertencia, a qual não tinha direito, esse iria amargar a total miséria! Incendiaria sua casa, desfaria seus laços de amizade, inutilizaria suas mais caras conquistas.

Agora ele, Marcus, o primogênito, que foi roubado de toda glória desde cedo, era o herdeiro legítimo que ia ter o seu quinhão de fama e brilho, a sua medalha de campeão!

E foi assim, devastando a própria vida e a da família inteira, vingativo, usurpador, que Marcus subiu ao lugar mais alto no pódio dos abomináveis  vilões.

 

 



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