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Amiga fiel - Ises A. Abrahamsohn

 


Amiga fiel

Ises A. Abrahamsohn


(Personagem coringa criado numa outra história)

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Você talvez tenha uma amiga ou amigo com a personalidade de Clarice. Parabéns, em geral são amizades fiéis. Parabéns porque são raras as pessoas que aceitam a sinceridade dos verdadeiros amigos. Esta é a história de Ivone e de sua amiga Clarice.

Clarice sempre se rebelou com as imposições do chamado bom comportamento e da diplomacia. Dizia as coisas na lata, a quem quer que fosse. Sua mãe se desesperava. Ao que a garota replicava:

Você quer que eu minta, essa é a verdade.

A mãe se exasperava. Sua tia cortou relações com a irmã. Pois é ... Clarice, ao ser perguntada sobre o vestido que a prima iria usar na festa de quinze anos saiu-se com “parece um bolo de noiva”. E era mesmo verdade. A priminha baixota e gorducha emergia da saia volumosa em camadas de organdi branco bordado.

Clarice argumentava:

Só falo a verdade. Alguém tinha que dizer a ela. Era fora de moda e não a favorecia em nada. Fiz um favor e ela até que ficou agradecida. A tia Lena é que ficou brava porque foi escolha dela e teve que comprar outro. E a Joyce ficou bem bonitinha com o novo modelo.

Clarice cresceu e não se emendou. Continuou falando verdades desagradáveis às pessoas. Desenvolveu um saudável e crescente ceticismo contra as bobagens que assolam diariamente a inteligência das pessoas. Resultado: tinha poucas amigas e permanecia solteira. Os potenciais noivos não estavam preparados, dizia ela. Porém se dedicava às duas amigas que tinha. Essas a aceitavam como ela era e sabiam que, dela, sempre ouviriam opiniões e conselhos sinceros e honestos.

Clarice já era amiga de Ivone quando esta conheceu o futuro marido, Leandro, ainda na faculdade de direito. E também lá, na mesma faculdade, conheceu Roberto, irmão de Leandro. Quando Ivone começou a namorar Leandro, frequentemente saíam os quatro para se divertir.

Dois irmãos tão diferentes. Leandro, três anos mais velho, sério, estatura média, cabelos escuros, olhos castanhos num rosto nem bonito nem feio. Roberto era mais alto, esguio, cabelos louros, olhos verdes, perfil de Apolo e muito desejado pelas mulheres. Mancava levemente do pé esquerdo, o que não o impedia de praticar ciclismo e natação.

Clarice nunca simpatizou com Roberto e reagiu a algumas investidas grosseiras dele com sua habitual franqueza. Ivone, surpresa, ouviu de Clarice o relato do comportamento do futuro cunhado. Ao terminarem a faculdade, Ivone e Leandro casaram e montaram um pequeno escritório de advocacia. Clarice escolheu direito tributário e atuava numa enorme firma especializada. Clarice nunca mais vira Roberto.

Porém, recentemente ouvira  de Ivone que o cunhado, quando visitava, fazia uns gracejos e insinuações que beiravam assédio. Só não brigava com ele por que  Leandro era muito ligado ao irmão e os dois tinham alguns investimentos em conjunto na financeira na qual trabalhava Roberto. Na conversa Ivone justificou para Clarice que desculpava o cunhado como gracejos de rapaz namorador...

Clarice olhou nos olhos de Ivone e comentou. Pois eu acho que você até se sente desejada e talvez intimamente goste das atenções dele. Ivone ia dar uma resposta arrevesada, mas desistiu. Levou pela brincadeira, negando veementemente, porém refletiu que talvez Clarice pudesse ter alguma razão. Clarice a aconselhou a contar as investidas ao marido e a cortar relações com o cunhado. Relembrou o comportamento grosseiro do rapaz. É um cara ruim, Ivone, fique longe dele. A amiga olhou-a desconfiada. Você é muito rígida, deve ser coisa de boboca conquistador. É um imaturo. Sempre recorreu ao Leandro nos apertos. Leandro não vai acreditar e eu é que vou sair mal.

Três meses depois, naquela sexta-feira, Ivone havia telefonado para Clarice convidando para vir ao apartamento após o trabalho para tomarem uma cervejinha e jantarem todos juntos quando Leandro chegasse mais tarde do escritório. Clarice, contente por rever a amiga, avisou apenas que se atrasaria um pouco porque tinha o treino de Krav Magá até as dezenove horas. Ivone sabia que a amiga era muito boa nessa modalidade de luta e defesa.

Enquanto Clarice terminava seu treino pensou em Ivone e Leandro e também no irmão, Roberto, que ela nunca mais vira. Nem imaginava o que aconteceria logo mais. Lembrou também os comentários de Ivone. Leandro sempre velara pelo irmão cujo temperamento alegre era temperado por momentos de ira descontrolada. Os irmãos aparentemente se amavam e apoiavam. Pelo menos até que Leandro se casou com Ivone. Aparentemente a situação se complicou quando Roberto mudou-se para o mesmo bairro do casal. O rapaz passou a vir amiúde visitá-los, e aí começaram as insinuações que perturbavam Ivone.

Clarice chegou ao prédio por volta das oito e meia, mas Ivone havia dito que Leandro chegaria às nove o que ainda daria um tempinho para conversarem  a sós.

Ao sair do elevador e se aproximar da porta ouviu um baque surdo e um grito. Era Ivone. A porta se abriu e Clarice se defrontou com Roberto totalmente fora de si, o rosto vermelho e suado empunhando uma faca de cozinha.

  Eu mato você, Leandro! Ivone é minha. HorrorizadaClarice reagiu rápido. Valeram todos os treinos de Krav Magá. Deu-lhe um golpe certeiro na virilha derrubando-o e a seguir o nocauteou com uma pancada certeira na cabeça. Nesse instante apareceu Leandro saindo do elevador. Ambos acudiram Ivone aterrorizada caída junto à mesinha da sala e tentando se levantar. Chamaram a polícia que levou Roberto ao Hospital.

Após se recuperar, Ivone contou o que havia sucedido há menos de uma hora. Abriu a porta para Roberto que chegou dizendo que precisava de uma assinatura de Leandro. Ela percebeu que o cunhado tinha bebido, mas deixou-o entrar. Leandro só chegaria mais tarde. Ivone ofereceu café que ele desdenhou.

Não quero café, querida, disse o bêbado.  Quero você! Falou ele, avançando.

Ivone, horrorizada, contou que foi recuando até a cozinha, seguida do Roberto. Mas o rapaz não desistiu, encurralou-a no canto da cozinha e tentava a todo custo beijá-la. Ivone o empurrou com força até que Roberto escorregou e caiu no chão da cozinha. Ivone agarrou então uma faca e o expulsou, ameaçando contar a Leandro o acontecido.

Roberto, ainda estirado no chão, revidou que iria tirar Leandro do caminho. Atribuiu a ele a culpa pelo acidente no barco que o deixou mancando. Ivone, apavorada com os delírios do cunhado, tentou acalmá-lo...

Mas o rapaz, ainda fora de si, agarrou a faca que ficara sobre a pia e correu para a sala para perto da porta. Ivone correu para apanhar o celular, mas Roberto deu-lhe uma rasteira que a fez bater o ombro numa mesa de mármore. Foi quando ela ouviu Clarice na porta de entrada. Gritou o mais alto que conseguiu.

Clarice, a amiga sem papas na língua, salvou a vida de Leandro e evitou uma tragédia.

Ivone abraçou a amiga dizendo. Devia ter ouvido seu conselho e afastar Roberto definitivamente. Afinal, como sempre, você tinha razão.


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