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A Revolução dos Bichos - Paulo A Abrahamsohn





A Revolução dos Bichos 
Paulo A Abrahamsohn


Uma estranha e misteriosa mutação foi detectada por cientistas em um vírus encontrado na Ásia. Foi notícia de jornal e TV, mas sem repercussão geral, pois inicialmente não se soube em que consistiam as consequências dessa mutação. 

Depois de algum tempo começaram a surgir no noticiário relatos sobre uma inusitada mudança no comportamento de porcos. Isto também na Ásia.

Os porcos, que como amplamente sabemos, são animais pacatos e pacíficos, começaram a se mostrar agressivos. Não, porém, em relação aos seus colegas - os outros animais domésticos. Sua agressividade era somente contra representantes da espécie humana.

Surpreendentemente também, os porcos deixaram de emitir seus habituais grunhidos e começaram a se comunicar verbalmente na língua dos humanos dos locais em que habitavam. No começo de maneira muito primitiva, mas rapidamente começaram a se comunicar de maneira sofisticada em chinês, tailandês, laociano, indonésio e até em francês, inglês, holandês, línguas dos seus antigos colonizadores.

Não só isso, mas os animais desenvolveram uma grande capacidade de se organizarem, provavelmente adquirida por acompanhar cursos de educação à distância em estações de rádio e TV. Em consequência, começaram a se intrometer na administração dos locais em que habitavam, desde pequenos sítios até grandes fazendas. Este comportamento se alastrou lentamente para a administração de cidades dos países onde moravam, depois países vizinhos e até de outros continentes.

Os porcos estavam gradativamente ocupando o lugar da espécie humana! Em muitos casos obrigaram humanos a exercer atividades que, por razões anatômicas, não estavam aptos a executar, como por exemplo, dirigir ônibus e automóveis, aplicar vacinas, trabalhar em call centers. 

As nações ainda não totalmente sujeitadas pelos porcos finalmente conseguiram, depois de muitas semanas de tentativas e por intermédio das Nações Unidas, convocar uma conferência internacional entre representantes dos porcos e dos humanos.

Nesta conferência, depois de muitas discussões acompanhadas de almoços e jantares festivos, ficou muito clara a firme determinação dos porcos:

— Nós, os porcos, fomos subjugados desde o início do estabelecimento da civilização humana e do desenvolvimento da agricultura, há cerca de uns dez mil anos, se não me falha a memória. Fomos sempre criados em condições deploráveis, sequestrados em chiqueiros imundos. Por culpa destas condições de vida o respeitável substantivo “porco”, indicativo da nossa nobre espécie animal, adquiriu um novo significado. Passou a ser também usado, juntamente com “porcaria”, como sinônimo de sujeira, imundície, desasseio, poluição, além de baixeza, lixo, obscenidade, sem falar em termos piores que não podem ser mencionadas nesta seleta companhia.

— Fomos seguidamente criados e trucidados para servir de alimento a vocês. Neste momento exigimos da humanidade uma mudança de atitude em relação à espécie porcina. Colocamos agora sob a responsabilidade dos representantes da espécie humana a aceitação de um acordo: propomos estabelecer com vocês uma situação de convivência pacífica conosco e assim poderemos, juntos, controlar todos os outros animais. Caso contrário, se não aceitarem nossa proposta, nós iremos ocupar seu lugar e sozinhos dominaremos este planeta.


ANIVERSÁRIO DA MARIA AMÉLIA FAVALE - MUITA ALEGRIA

















A sala estava lotada, todos abraçaram a aniversariante. Ela estava linda, e sorridente.

Parabéns, Maria Amélia Favale!


Nesse dia tivemos a presença de novo componente do grupo, o Paulo Abrahmsonhn, esposo da Ises. 




CIVILIDADE - MARIO AUGUSTO MACHADO PINTO



 

CIVILIDADE
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.
TEMA: TRECHO DE DOM CASMURRO- MACHADO DE ASSIS.

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu”.

Acenei a cabeça em resposta e agradecimento ao seu cumprimento.

Interessante, conheço outros de vista e nenhum me cumprimenta, nem eu a eles.

O que pretende? Não pode ser só civilidade, ficar nisso e tchau e benção.
Nesse instante o homem caminha entre os passageiros e vem em direção.

Olha aí, tenho razão. Cara, você não sabe com quem está se metendo!

— Boa tarde, senhorita. Se me permite...

— Permitir o quê? Não permito nada, respondi enfezada, mas ele não ligou e continuou:

— É que tenho uma observação a fazer.

— Lá vem o senhor com....nada, nada.

— Olhe...

— Estou olhando

Não é nada demais, falou ele cortando minhas palavras.

— Então, pode falar.

Foi aí que lembrei que ele sempre fica me olhando com insistência quando acontece de viajarmos no mesmo vagão. Até parece que fica me vigiando.

— É que a senhorita viaja sempre com a bolsa aberta; pode ser roubada. Cuidado. É bom fechá-la. 

Ao dizer isso olhou para os lados.

 E, por falar nisso, passa pra cá seus pertences, o dinheirinho todo. Bico calado porque senão já viu, né? Quietinha e calada! Rosnou baixinho e grosso.
Coração disparado, suando frio, dei o que pediu e desembarquei na minha parada. Ele ficou no vagão.

Antes de seguir viagem me cumprimentou de chapéu, e sorriu dando adeus.





INCIDENTE - Sérgio Dalla Vecchia

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INCIDENTE
Sérgio Dalla Vecchia



—Edú, Edú !

—Sua mãe pediu para você ir rápido para casa, disse que é urgentíssimo com letras maiúsculas. Pediu para dizer bem assim, disse que você entenderia.

Ele entendeu muito bem. Sua mãe e ele combinaram que quando houvesse uma situação de extrema urgência, usariam o termo urgência com letras maiúsculas.

Edú voou para casa.

Enquanto corria baixo, sua mente trabalhava no ritmo das pernas imaginando que teria ocorrido.

A casa situava-se em uma colina.

Lá no alto Edú avistou um aglomerado de cumulus-nimbos, que pelo ar abafado e calor sinalizavam uma forte chuva de verão, pronta para desabar. E desabou mesmo!

Edu já encharcado corria morro acima com folego de adolescente na busca da urgência maiúscula.

Nisso vinha rodando pela enxurrada um pobre gato, debatendo-se pela sobrevivência.

Edu não titubeou, enfiou as mãos na enxurrada e agarrou o desesperado gato.
Imediatamente colocou-o junto ao peito sob o calor de sua jaqueta e seguiu correndo.

Quando chegou em casa a mãe estava muito nervosa em frente à porta da cozinha abraçada com a Rosinha, filha da vizinha que chorava em desespero.

— Edu, você não chegou a tempo, filho!- Disse a mãe.

— Que aconteceu mãe, perguntou o assustado rapaz?

— Rosinha venho me trazer uma fatia de bolo, que a mãe acabara de desenfornar e trouxe consigo o Pan, seu gato de estimação. Aconteceu que ele se desgarrou e saiu para a rua, onde foi engolido pela enxurrada. Por isso chamei para tentar socorrê-lo. Rosinha está inconformada.

Nisso Edu, com um sorriso nos lábios abriu a jaqueta e, MIAU ! Berrou o Pan de felicidade, pulando imediatamente para os braços de Rosinha.

Ela surpresa, radiante de felicidade, foi em direção ao Edu e aplicou-lhe uma interminável chave de abraço.

A química foi imediata, os dois já haviam trocado olhares algumas vezes, faltava apenas coragem para um encontro.

Foi o que  Pan afetivamente improvisou com letras maiúsculas!



PIETÁ - Oswaldo U. Lopes





PIETÁ
Oswaldo U. Lopes




 A devoção a Nossa Senhora da Piedade foi construída ao longo dos séculos pela convicção e sentimento popular. A presença de Maria, a mãe do Salvador, no monte Gólgota, lugar do Calvário de Cristo não é relatada nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas.

Ela é dada como presente no Evangelho de João cujo testemunho é relevante, não só pela própria presença dele, como pelo relato das palavras do Cristo:
— Mulher, eis aí teu filho.

— Eis aí tua mãe.

Uma devoção popular, não originada e comprovada nos Evangelhos canônicos nem nas Epístolas, é um fato comum nas tradições dos primeiros séculos do Cristianismo.

A figura de Nossa Senhora nos Evangelhos não é de primeira ordem, mesmo no Evangelho de Lucas, chamado, muitas vezes de Evangelho de Maria. Ela é uma figura singular, que aparece em determinados momentos (Bodas de Caná Jo 2: 1-11). De novo João é quem relata sua presença e poder.

Sem querer blasfemar, parece-me que, no texto das Escrituras, a figura de Maria Madalena tem maior relevo. É para ela que Cristo, após a ressurreição primeiro se mostra (Noli me tangere). Embora sujeita a alguma interpretação, a mulher que Lhe lava os pês com bálsamo e lágrimas é identificada como a Madalena.

        Enfim a sabedoria popular e a devoção daí resultante, sempre foram importantes no estabelecimento e fundação do Cristianismo como hoje o conhecemos.

        Lembro-me bem das histórias que minha mãe (de origem calabresa) contava envolvendo invariavelmente Jesus e São Padro e que tinham caráter anedótico e risível. São Pedro é figura ímpar nestas histórias, talvez pela sua inconfundível humanidade. Afinal ele nega, jura, tem sogra, anda nas águas enfim não podia ser mais igual a nós do que qualquer dos outros discípulos.

Numa delas, Jesus instruía a seus discípulos para que apanhassem uma pedra e juntos caminhassem.  Pedro, avesso a fardo, escolheu um mísero pedregulho e seguiu, feliz da vida, brincando com ele. Ao fim de uma longa jornada, sentam-se todos, com fome, e Jesus lança sua benção e converte as pedras que eles carregavam em pão. Pedro é contemplado com algo menor que um pão de queijo, uma migalha!

De tanto procurar encontrei um livro de Ítalo Calvino (Fábulas Italianas) em que ele recolhe inúmeras histórias de várias regiões da Itália, observando sua origem e até mantendo o dialeto regional. Ali estão histórias muito parecidas com as que contava minha mãe, tendo como personagens Jesus e São Padro.

Foi provavelmente assim que a devoção a Nossa Senhora da Piedade passou a ocupar lugar relevante na fé Católica e sua propagação cresceu exponencialmente. Embora não muitos o saibam Ela é a padroeira do Estado de Minas Gerais.

A representação Dela, ao pé da Cruz, tendo nos braços o Cristo morto, foi objeto do trabalho de um sem número de artistas, não excluindo o nosso Aleijadinho.

De todas a mais famosa, sem dúvida, é a Pietá de Michelangelo que se encontra exposta no Vaticano, hoje protegida por um vidro a prova de vândalos.
Confesso, com humildade, que numa recente visita ao Vaticano, tendo adentrado a Catedral de São Pedro por uma porta lateral, dei de frente com essa Pietá e tive uma vontade imensa de me ajoelhar ante aquela imagem tão bela e incomparavelmente feita. Deus seja Louvado (até pelos agnósticos).

São inúmeras as manifestações artísticas que tem como tema a Piedade, seja em telas seja em esculturas. Uma procura na internet revelará uma quantidade enorme de representações desse tema.

Ela e suas agonias que a transpassaram como espadas, conforme previra o sábio Simeão, Evangelho de Lucas 2: 35: “e a ti, uma espada transpassara tua alma”. Sete são as dores lembradas de Maria, desde a profecia de Simeão até o sepulcro. Daí que a representação Dela ao pé da cruz é também conhecida como Nossa Senhora das Dores tendo espadas cravadas no peito.

 O que não encontraremos na internet, até por ser pouco conhecida, é a tela, Pietá, feita pelo pintor Van Gogh. Soberba criação, em que Maria não é representada na forma de uma jovem e bonita mulher, o que é quase regra, mas como uma senhora já madura e sofrida. Pouco conhecida essa estupenda criação, se destaca entre as quase não existentes pinturas sacras do pintor holandês.
 É ela que podemos contemplar no alto desta página.


Fakes News - José Vicente Camargo




Fakes News
José Vicente Camargo                                                                                 

Se as coisas são inatingíveis...Ora! Não é motivo para não querê-las... (Mário Quintana)


− Li hoje no Facebook a fantástica pílula do Dr. Frank que retarda a velhice. Só nos últimos dois dias já houve mais de duzentas mil clicadas. Se continuar assim, pode até congestionar o sistema. Conta Claudio à sua colega de escritório sentada à mesa ao lado.

− E vale a pena, com essa vida de correrias, trabalho pesado e dinheiro curto? Para nós jovens já é difícil, imagine para os velhos sem médicos nem hospitais dependendo do SUS e de uma aposentadoria minguada. Retruca Valéria, secretária do departamento administrativo e, segundo as más línguas, tem uma queda por Claudio.

− Não! Responde Claudio, essas pílulas são milagrosas.  A notícia mostra um vídeo de um homem de 140 anos jogando tênis e de uma mulher de 130 anos fazendo ginástica rítmica. Ambos sem rugas mostrando um físico de cinquentões e disposição, inclusive sexual, de dar inveja a muita gente mais jovem. Além de tudo, Dr. Frank dá garantia do resultado ou devolução do dinheiro. Por isso essa avalanche de cliques nas redes sociais à procura de maiores informações, sobretudo porque a produção é limitada, já que a pílula está em fase de teste para sanar algumas imperfeições.

“Aproveitando o assunto, Claudio, conhecido como um “rabo de saia”, para ter certeza da atração da colega por ele, joga verde pra colher maduro”:

− Então Valéria, que tal experimentarmos juntos essas pílulas? Assim podemos desfrutar por muito mais tempo a companhia um do outro, nos conhecermos melhor, estreitarmos os laços, ainda mais com toda essa disposição adquirida?”
− Para mim, isso não passa de “Fake News” e esse vídeo é editado à base de fotoshop. Só demonstra a ingenuidade do povo que acredita em qualquer coisa. Além do mais não tenho interesse de viver tanto tempo. Já tive dois maridos que pus pra escanteio, um terceiro só se fosse na base do “pra inglês ver”, daqueles que preparam o café da manhã, lavam louça, arrumam a casa e levam a Luluzinha pra fazer as suas necessidades na rua.

Por essa resposta tão decidida Claudio não esperava e pensa consigo:

“Fake News é a de quem soprou que ela estava a fim de mim...mas vai ter volta...”

URGENTÍSSIMO - MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO



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URGENTÍSSIMO

MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO


Ao sair da escola onde cursa a sétima série, uma colega correu em sua direção e, ofegante, disse Alê, sua mãe telefonou pedindo pra você ir rápido pra casa. É urgentíssimo. Isso mesmo, disse que você entenderia o pedido urgentíssimo em letras maiúsculas. Claro que entendeu. Saiu correndo. Não, saiu voando baixo no máximo de velocidade. De fato, era indicação de urgência mesmo. Era o aviso combinado existente entre ele e sua mãe sobre situação exigindo reação imediata, fosse ela qualquer.

Tinha que ser assim. Sem pai pra aguentar o repuxo, o que fazer? É, ele sumiu na 2ª Guerra, as autoridades deram ele como desparecido oficialmente. Você é Homem da família, aguenta, Alê!!!. Sobrou uma foto esmaecida do casal, ela, grávida.

Magricela, corria bem, gostava de tudo relacionado à velocidade, tanto é que fazia seus próprios aparelhos para correr: seu carrinho de rolimã, seu skate, sua prancha de surfe (fez umas vinte antes de acertar a favorita), modificou bicicleta para brincar de Tour de France e gostava muito, mas muito mesmo, de cavalgar junto com seu avô no sítio dele ouvindo suas estórias, piadas sem graça e brincadeiras as mais incríveis pra você ser um bom Tom Mix, dizia ele. Outras,  fazia sozinho; teve até um colega que dizia que na outra geração seria eremita, nesta estava treinando. A verdade, porém, é que existia um vazio em sua vida, não sabia o que era, mas sentia essa necessidade de ter pessoas mais idosas ao seu lado.

Pô, lembrou, falando alto e correndo, nem agradeci a menina. Gostei como deu o recado principalmente quando me chamou de Alê. É que não gosto do meu nome, Alexander, nem do apelido Alex. Gosto do Alê, casa bem comigo.

Correu, correu vendo a paisagem conhecida de tantos anos tal qual borrão de tintas misturadas pelo artista em sua paleta.

Cada vez mais perto, chegando, coração descontrolado, ofegante. O vulto de sua mãe ficando cada vez mais claro, reconhecível, acenando os braços como a puxá-lo, ajudando-o em seu esforço. Corre, corre Alê, chega mais perto. Tá vendo o que eu vejo?

Sim, minha mãe, meu avô e ele! Ele chegou!  Vai ficar!

Seus braços ficaram mais longos para abraçar a todos.

Foi um coro de soluços e risos de felicidade.




A ESTAÇÃO DO FIM DO MUNDO - Oswaldo U. Lopes



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A ESTAÇÃO DO FIM DO MUNDO
Oswaldo U. Lopes


         Seu Antônio, mineiro de nascimento e de jeito, era chefe de estação há mais de vinte anos. Lembrava bem como tudo começara. Ela era pequena e ficava no fim da linha. Por isso ganhara o apelido de Estação do Fim do Mundo.

         Não era muito gostoso trabalhar num lugar que era o fim do mundo. Ele tanto pelejara que conseguira que a chamassem de Estação do Vira Mundo. Parece pouca coisa, mas quem sabe como os apelidos chegam, sabe como é difícil tirá-los.

Fora isso que Seu Antônio fizera, em vez de nadar contra a corrente, sutilmente foi-lhe alterando o nome sem alterar o sentido. Afinal não havia muita diferença entre Fim de Mundo e Vira Mundo.

         Agora as coisas tinham mudado. A expansão dos trens e da linha era um fato. Vira Mundo ficava no meio do caminho e não no fim e ele continuava a chefiar.

O progresso trouxera a eletricidade e muito dos controles já eram eletrificados e complicados de manejar, mas para quem ali morava e acompanhara todos os passos, era coisa simples tipo queijo com goiabada, prato que ele adorava, sobretudo com a goiabada e o queijo que Dona Maria, sua mulher, fazia.

Mas nem tudo eram flores, já com mais de vinte anos no posto, apareceu o tal Regime Jurídico Único e com ele o concurso para efetivo, no qual a sua própria vaga entrava em cheque e ele tinha que concorrer com outros seis para continuar naquele posto.

E lá veio a banca toda composta de bacanas da Companhia, gente que nunca saíra do sossego do escritório e da cadeira com encosto.

Ele apresentou-se impecável no seu uniforme, convinha deixar claro que ocupava o posto.

Lá veio a primeira pergunta:

— Seu Antônio, pelo quadro o senhor percebe que dois trens, sendo um de passageiros, estão se aproximando na mesma linha e vão se bater frente a frente. Já é fim de tarde e começa a escurecer. O que o senhor faz?

— Vou no quadro elétrico e abro o desvio para o trem de carga. Ele vai ser desviado para a linha que tem atrás da estação e ficará lá até a passagem do outro trem.

— Acontece que sua estação está sem eletricidade de modo que não é possível fazer o desvio pelo comando elétrico.

— Vou até minha sala (nada como explicar que a sala e estação são minhas), pego uma chave mecânica e abro o desvio.

— Sua sala está lá, mas não a chave. Alguém a levou e isso impossibilita sua ação.

— Pego uma lamparina, entro na linha e vou caminhando em direção ao trem agitando a peça. O maquinista vê o movimento e sabe que precisa parar. Depois faço o mesmo no outro sentido.

— O senhor acha a lamparina, mas ela está vazia, o óleo acabou e não tem como repor.

Aí eu grito:

— Maria!

— Que é Antônio?

— Traz duas cadeiras e vem sentar comigo aqui fora.

— Pra mor de que Antônio?

— Vamo assistir junto ao maior desastre de trem que já se viu por estas bandas.

Aos curiosos informo que Seu Antônio foi aprovado no concurso, em primeiro lugar e com louvor.