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DIAMANTE BRUTO - Ledice Pereira






DIAMANTE BRUTO
Ledice Pereira


Personalidade marcante, machista, exigente com todos que o cercavam, Humberto gostava de se gabar, contando aos quatro ventos como conseguira chegar aonde chegou.

Homem forte, alto, musculoso orgulhava-se de sua própria trajetória.

Herdara aquelas terras (improdutivas) do pai e dos tios que, por sua vez, herdaram de seu avô. Os primos preferiram abrir mão da fazenda que, segundo eles, requeria muita mão de obra e dedicação.

A economia da região baseava-se, então, na agropecuária de subsistência.

O avô ali se fixara, vindo da província de Nazareth, em Portugal, nos idos de 1912. Acostumado a temperaturas mais amenas, escolheu o local por ser uma das cidades mais frias em algumas épocas do ano.

Inicialmente, trabalhou pesado como colono até conseguir trazer mulher e filhos.

Tanta dedicação ao velho coronel lhe valeria uns hectares de terra no testamento do patrão.

Ali viveu com a família, onde os filhos construíram suas casas e constituíram as próprias famílias.

Humberto ali nasceu. Amava aquelas terras localizadas a 390 km da capital baiana, no município de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina.

Ao herdar a fazenda, Humberto, que não era homem de fraquejar, jurou para si mesmo que ia torná-las ricas e produtivas.

Num acordo com um fazendeiro rico, casou-se com sua única filha, jovem, sem graça, tímida, submissa, prestativa. Era o que Humberto queria. Mulher tinha que ser mesmo submissa.

Imagine casar com mulher de personalidade...

A diferença de idade era de vinte anos. Clotilde acabara de fazer vinte anos. 

Acostumada a servir e obedecer ao pai ia apenas mudar de casa.

Era boa dona de casa, qualidade exigida por Humberto. O sogro garantira que a comida feita pela filha era dos Deuses.

Bastava isso. Humberto não acreditava no amor.

Inicialmente, Clotilde vivia com o coração apertado. Sentia-se só. Tinha medo de tudo, de chuva, de trovão, de ruídos indefinidos.

Sentia-se só, mas não ousava sequer reclamar das frequentes viagens do marido.

Para cuidar dos negócios dizia.

Às vezes passava semanas inteiras fora de casa. Voltava dizendo-se cansado, mal a olhava. Trazia a mala cheia de roupa suja. Não raro, ela encontrava peças íntimas femininas no meio daquela bagunça.

Anos se passaram. Clotilde engravidou três vezes. Os filhos nasceram com a ajuda de parteira. Sempre sem que o pai estivesse presente.

A ele interessavam apenas os negócios e a liberdade de ir e vir.

Resolveu investir na produção de vinho. Soube que a região era propícia. Equipou suas instalações com as máquinas mais modernos, contratou mão de obra, os treinou, tornando-se um dos principais produtores de uvas e vinhos da região.

À Clotilde cabia cuidar dos três filhos e da casa.

Quando os filhos atingiram a adolescência, cansada daquela vidinha medíocre, resolveu colocar em prática a ideia que vinha amadurecendo, voltar aos estudos. Enfrentou o marido.

A princípio, Humberto foi contra. Era homem de pouco estudo. Dizia-se formado na escola da vida.

Pra que agora ela quer ir frequentar escola isso num tá me cheirando bem.

Mas ela estava decidida.  Ele teve que concordar.

Ela vai desistir logo logo melhor eu não ir contra.

A maturidade revelou-a uma mulher determinada. Estudava até a madrugada. Terminou os estudos com ótima avaliação. Foi em frente. Preparou-se para cursar a Universidade de Gastronomia. Entrou.

Ali, se destacou. Era sempre procurada pelos colegas que viam nela uma mãe, tornando-se representante de classe. Foi até escolhida para ser a oradora da turma.

Tristeza e timidez deram lugar a alegria e satisfação.

E não parou por aí. Quis trabalhar num restaurante, a contragosto do marido, que intimamente passou a prestar mais atenção nela, admirando-a em silêncio.

Os filhos sentiam orgulho da mãe.

Clotilde tornou-se mais segura de si. Modernizou-se. Sua autoestima ficou lá em cima.

Promovida a chef de cozinha, sentiu-se prestigiada e com sua competência elevou o nome do restaurante.

Através dela, Humberto tornou-se sócio, levando para lá os vinhos que produzia, que tiveram ótima aceitação.

O mundo do vinho começou a lapidar aquele homem, antes tão rude. Teve que aprender a diferenciar tipos de uvas, a colhê-las com delicadeza, a identificar sabores e aromas, a sugerir a melhor harmonização para os pratos ali servidos. Tornou-se quase um sommellier.

Finalmente, rendia-se às qualidades da mulher, admitindo a si próprio que sentia algo mais por ela. Mas não era homem de demonstrar seus sentimentos.
Clotilde percebeu certa mudança no comportamento do marido. Ele parecia mais humano.

Mas também não quis dar o braço a torcer. Aprendera com ele a não revelar o que ia ali dentro de sua alma.



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