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SONHANDO ACORDADA - Ledice Pereira



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SONHANDO ACORDADA
Ledice Pereira

O que você tanto escreve, Alice?

Estou apenas fazendo uma lição, mãe.

Alice continuou escrevendo. Na verdade, todo dia escrevia algumas linhas para um vizinho. Colocava na caixa de correio da casa dele.  

É preciso que se diga que Alice, uma pré-adolescente prestes a fazer 13 anos, era dona de uma imaginação muito fértil.

Sonhadora, tinha que ser muitas vezes chamada pelos professores, pois costumava ir longe, em suas divagações.

Dava asas à imaginação e criava histórias fictícias, nas quais ela própria chegava a acreditar. Aluna de um colégio de freiras, jurava que Irmã Celestina, professora de Francês, havia se tornado freira por desilusão amorosa. Numa aula de literatura, ao ler o nome do autor, teria falado para si “Sempre te amarei”. Bastou para que Alice viajasse por uma história de amor proibido, razão da escolha da freira ao optar por seguir aquele caminho.

A vida ali era tão misteriosa que ela mesma, pensou em entrar para o convento, por pouco tempo, diga-se de passagem.

Voltando às cartas...

Na década de 1960, quando os pais de Alice resolveram mudar de residência, procuraram uma rua em que houvesse muitas casas, nenhum prédio.

A menina adorou a casa nova e logo quis explorar a região. Descobriu onde ficava a padaria,  farmácia,  açougue. Identificou moradores, suas opções de terem cachorro ou gato, avistou gaiolas, aprisionando pássaros, que imaginou abrir para libertá-los.

Como tinha facilidade de se comunicar, em poucos dias sabia tudo sobre todos.
O que mais lhe chamou a atenção foi um rapaz que morava na casa vizinha. 

Devia ter por volta de 17 ou 18 anos. Pareceu-lhe esquisito. Achou-o solitário e passou a observá-lo.

Pensou que poderia alegrar os dias do pobre coitado. Passou a escrever-lhe cartas anônimas.

O jovem gostou da brincadeira e respondia-lhe as missivas, deixando respostas na sua própria caixa de correspondência.

Logo, estava perdida e platonicamente apaixonada. A troca de correspondência durou uns oito meses. A menina aguardava as cartas ansiosamente, e as colocava no bolso para ler no silêncio de seu quarto, onde deixava a imaginação correr solta.

O rapaz não era nenhum ermitão. Apenas se divertia com aquilo que imaginava ser fruto da curiosidade de alguma garota imatura. Apesar da aparência, ele tinha 23 anos e frequentava a Universidade onde se apaixonou por uma colega de turma com quem iniciou um namoro.

Certa noite de sábado, Alice ouviu vozes na casa ao lado, olhou pela janela de seu quarto, percebendo que havia alguma comemoração. Aguçou os ouvidos até que a ficha caiu.

O vizinho beijava uma linda jovem e oficializava o seu noivado.

Os pais não entenderam a razão daqueles olhos vermelhos e inchados. Nem puderam evitar que a filha sofresse sua primeira decepção amorosa.

No dia seguinte, Alice, que não levava desaforo pra casa, deixou seu último bilhete para o traidor:

Caro ermitão, cansei de tentar ajudá-lo a sair desse casulo. Espero que, daqui pra frente, consiga andar com suas próprias pernas. Pra mim chega. C’est fini.”

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