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NEM A PAU - Oswaldo U. Lopes



NEM A PAU
Oswaldo U. Lopes

        Era alta, magra, eficiente, trabalhadora incansável, enfermeira de alto padrão, chegada mais aos doentes do que a fazer escalas.

        Porque ganhara o apelido de pau-de-vira-tripa não era mistério, longilínea num país onde o padrão é ser mais baixo, o apelido a acompanhava fazia tempo.

        Mas, tinha outras alcunhas também: pau-para-toda-obra, onde houvesse necessidade, onde precisassem de uma pessoa decidida iam encontrá-la na certa.

        Podia ser que você não fosse muito chegado a pegar no batente, nesse caso, não importava quão graúdo era seu cargo você ia ver com quantos-paus-se-fazia-uma-canoa.

        Ficou na história a briga que ela teve com a Clarisse Ferrarini que era a Enfermeira Chefe do HC. A Clarisse não tardou a saber quantos paus eram suficientes para fazer a tal canoa.

        Apesar do fatal duplo sentido dizia-se dela que matava a cobra e mostrava o pau. Os mais simples nem pensavam em duplo sentido, pensavam é que ela era corajosa, dizia que fazia e fazia mesmo.

        Já esfregara muito óleo de peroba em tipos que tinham cara-de-pau. Na maior parte das vezes resolvia, nem precisava lixar antes.

        Uma vez saíra com uma que ficou na história. Estava dando uma bela bronca numa auxiliar de enfermagem que não fizera as anotações necessárias, quando uma colega começou a tirar sarro da coitada que levava bronca. Foi aí que o pau-de-vira-tripa emendou:

        Pau-que-dá-em-Chico-dá-em-Francisco.

        E mais não conto, era e continua respeitada porque magreza não é desdouro. Quem trabalha duro dá-se ao respeito sem precisar de mais nada. Tinha o carinho dos que a rodeavam, os outros ficavam com medo que ela chutasse o pau-da-barraca.



PIQUENIQUE DE CATACRESES - Sérgio Dalla Vecchia


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PIQUENIQUE DE CATACRESES
Sérgio Dalla Vecchia

Pé de Cabra era um menino muito forte, não havia obstáculo que o segurasse. Era a própria alavanca. E segundo disse o matemático grego Arquimedes, que com uma alavanca ele moveria o mundo!

Era valente, namorador, não levava desaforo para casa e assim levava a vida.

Inesperadamente, certo dia ele ficou muito nervoso, chegou até a quebrar a perna da mesa e o encosto da cadeira. Tudo isso porque tocaram a campainha e ele viu pelo olho mágico da porta que era o Dente de Alho.

Acontece que os dois tiveram uma briga uns dias atrás no leito do rio.

Asa da Xícara foi o motivo. Eles eram apaixonados por ela e faziam de tudo para exibirem-se em sua presença.

Então certo Domingo, combinaram com a turma de fazer um piquenique na beira do rio, mesmo sendo estação das secas e o leito dele estivesse à mostra.

Lá estavam os amigos Pé de Página, Perna de Viagem, Batata da Perna, Cabeça de Prego, Língua de Trapo, Fio de Azeite e tantas outras catacreses.

O piquenique estava muito animado com agitadas músicas e todos dançavam e brincavam sorridentes.

Entretanto para chamar a atenção de Asa da Xícara, Pé de Cabra e Dente de Alho simularam uma briga usando o leito do rio como octógono.

A briga de mentirinha ia bem até que do nada, Dente de Alho acertou um soco na maçã do rosto de Pé de Cabra. O soco foi muito forte que até fez brotar sangue no céu da boca. Quando percebeu o que fez, Dente de Alho, sabendo da braveza de seu amigo, fugiu em disparada, deixando a manga de camisa nas mãos de Pé de Cabra que já o tinha agarrado pelo braço para a desforra.

Depois desse vexame, Asa de Xícara não quis saber mais deles e ficou de mau.

Após da briga eles não haviam se encontrado mais e Pé de Cabra ainda com muita raiva, parecia um olho de furacão.

Por fim acalmou-se e resolveu abrir a porta para o rival Dente de Alho que havia tocado a campainha.

Abriu, e os dois rivais frente a frente permaneceram mudos! Não sabiam se brigavam ou se abraçavam.

Dente de Alho logo se abriu e pediu desculpas pelo soco, dizendo que errou na dose, não era para ser tão forte e nem queria machucá-lo, pois estava fingindo uma luta.

Desconcertado, Pé de Cabra abraçou seu amigo por instantes e o desculpou.

Logo voltaram ao normal e um perguntou simultaneamente ao outro:

Você tem visto Asa de Xícara?

A resposta também em conjunto foi não!

—Ótimo, não quero mais saber daquela língua de trapo! -Disse um deles.

—Acho bom também, não quero mais nada com quem tem a batatas das pernas que mais parecem duas melancias.

Assim os dois não deixaram de serem amigos e dizem que estão de olho nas torneadas barrigas das pernas da bela Perna de Viagem!


Bola em jogo - José Vicente Jardim de Camargo



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Bola em Jogo
José Vicente j. Camargo


Chute na bola
Passa bola
Mão na bola
Piiiiiiii ! Falta

Rola bola
Drible na bola
Cabeça na bola
Goool!

Volta bola
Disputa na bola
Bola pra fora
Piiiiiiiii ! Final

Para bola
Abraça bola
Guarda bola
Psiuuuu ! Segredo!

Bola por que me segues
Se tenho o amor que bola
Os carinhos que me embola
Pra vida que nem dou bola...

Poesia "Até Quando" - José Vicente J. de Camargo


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Poesia “Até Quando”
José Vicente J. Camargo



Até quando guardarás para si só
O gozo que em segredo compartimos
De trocar olhares nossos só
E roçar sutis de mãos entrelaçando
       
Às claras, inocentes, seguíamos
No escuro, em juras, uníamos

O temor do esdrúxulo atingiu-nos
Nossa coragem foi ao solo só
Preferiste tomar seu rumo solo
Abracei na saudade meu destino só

Os ventos, meu amor longe soprou
Enrolei na paixão que me deixou

Hoje ambos, o escárnio libertou-nos
Oro por teu sinal que me permita
Esta paixão de mim arrancar
E, a todos mostrar
Aquilo que um dia foi
Só meu e teu...
Até quando?


Receita de família - Antonia Marchesin Gonçalves


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Receita de família
(Bacalá em bianco) bacalhau branco cremoso
 Antonia Marchesin Gonçalves


Lembro como se fosse hoje. Minha mãe na cozinha na Sexta-feira Santa, como todos os anos, com o bacalhau já cozido e retirado todos os espinhos e pele, ela o desfiava todo e colocava numa travessa funda. Pegava uma cabeça de alho e descascando os dentes de alho os amassava bem e misturava no bacalhau.

Aí iniciava-se outro ritual, convocava o meu pai para que a ajudasse no que seria a parte mais trabalhosa. Ele sentava na cadeira ao pé da mesa com a travessa no colo, um garfo e a lata de azeite do lado.

Em manga de camisa munido do garfo (não podia usar batedeira ou liquidificador) ele batia o bacalhau em sentido rotatório, e ela ia alternando o fio de azeite. Ele batia, ela coloca o azeite. Durava mais de uma hora, até que se tornava uma pasta cremosa. Ele reclamava e dizia, já a com a maçã do rosto vermelha, que já estaria pronto, mas enquanto não achasse que era o ponto não deixava que ele parasse. E, finalizava com salsinha picada.

 E assim crescemos aprendendo a degustar um manjar tradicional de Veneza, minha terra natal, acompanhado de polenta branca frita em fatias retangulares. E até hoje filhos e irmãos me pedem para fazer, pois dizem que o meu é igual da minha mãe, mas para isso tenho também a ajuda do meu marido, que aprendeu a fazer e apreciar com bom vinho como manda a tradição.


O estranho apelido - Fernando Braga



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O estranho apelido.
Fernando Braga

       Seu nome era Erotides, mulher neurótica que tinha os seus repentes.

       Dizia-se calma, tranquila, mas às vezes, quando contrariada, não sabia o porquê, tinha um mecanismo interno que desencadeava seus cinco minutos.

       Na realidade, nestes minutos, gritava, se descabelava, ficava muito agitada, e se tornava inconsequente.  Era como se o demônio tomasse inteiramente conta dela.

       Assim, a maioria das pessoas que a conheciam passaram a chama-la de Erotides, “a Calma” apelido que pegou e que até gostou, pois dizia que no fundo, era uma mulher calma. 

       Seu marido, Marotinho, era o único que a compreendia e que na hora H, aproximava-se e apenas com um levantar do dedo indicador e um sonoro Psiu... conseguia contê-la e depois de uma leve carícia em seu rosto que trazia os músculos contraídos, acalma-la, mantê-la quieta.

       Os parentes, amigos próximos, colegas que bem a conheciam, já tinham presenciado algumas cenas e procuravam sempre nas conversas, em algumas ações, não contrariá-la.

       Ela até que era agradável, alegre, risonha, simpática, bonita, mas...sai de perto...

       Certa ocasião oferecia um jantar para suas amigas e estando todos sentados à mesa aguardavam os deliciosos pratos que preparava. Trouxe inicialmente salada com legumes, tomates, azeitonas, palmito e pediu que se servissem. Pediu à empregada que trouxesse o prato principal, “aquela lasanha verde”.

       Enquanto aguardavam, ouviram um estrondo vindo da cozinha, a quebra de louça. A empregada havia derrubado a enorme travessa no chão, espatifando e espalhando toda a comida pelo chão. Erotides ao ver aquele caos, subitamente teve os seus cinco minutos. Gritando forte, proferindo palavrões contra ela, empurrou-a contra a parede, pegou em sua goela e passou a sufocá-la. A empregada escorregou caindo ao chão. Largou-a um pouco e apressadamente foi em busca de uma faca que ficava na gaveta. A empregada tentou escapar, mas ela deu-lhe um chute nas pernas. Ninguém das presente ousou ir acudir, com medo de entrar na dança. Felizmente o marido, que estava no escritório ouviu a gritaria e veio correndo.

       Vendo sua mulher em estado de descontrole total, apenas gritou um psiu bem forte e aproximou-se. Conclusão, em menos de um minuto ela estava mais calma. Guardou a faca e até ajudou a coitada da empregada, a levantar-se.  A empregada sumiu!

       Em outra ocasião, vejam o que ocorreu.

       Era a segunda noite de carnaval e todos estavam, tios, primos, amigos, amigas, conhecidos e desconhecidos, na casa de um parente para beberem, comerem e se prepararem para a noite carnavalesca no clube da cidade.

       Marotinho havia exagerado um pouco na bebida e muito alegre estava. No meio da mulherada ele dançava, cantava, mostrava-se marotinho, mas de longe Erotides só observava. Conhecia seu marido de longos tempos, sabia que estava bem mal-intencionado!   

       Em dado momento, viu seu marido aproximar-se de uma bela e conhecida viúva alegre, que fumava, retirar o cigarro de sua boca, dar uma bela tragada e novamente colocá-lo em seus lábios, com batom vermelho.  

       Erotides, ficou possessa! Queria vingar-se. O que fez...

       Tomou meio copo de uísque de um gole só. Aproximou-se de um rapaz que não conhecia, que estava sentado no sofá com sua namorada, pegou seu rosto entre suas mãos e lascou- lhe um beijo na boca. Todos viram a cena, menos Marotinho. Logo chegou a seus ouvidos e os convidados preocupados começaram a se retirar, despedir. Não anteviam coisa boa.

       Quando o marido se aproximou para tomar satisfação ela disse: - Não me encha o saco. Quero ir imediatamente para casa. O seu carnaval acabou aqui.

       Em casa teve os cinco minutos que havia contido aos extremos. Pegou cadeiras e começou a atira-las longe e em direção aos lustres da casa. Quebrou muita coisa. Nestas alturas, nem ele quis se aproximar.  

       Ela saiu e foi acalmar-se no quintal, lá ficando, dormindo no chão do galinheiro. Marotinho nada disse e sabia que ela estava era com ciúmes. Mas ele não havia feito nada! (Por enquanto!).

       Este último acontecimento levou Erotides a seis meses de Psicanálise!

       Agora sim, o apelido passou a lhe caber apropriadamente!

       Consta que tempo após, Erotides e Marotinho se separaram. Seria ele o culpado pelas crises da mulher?

       Realmente ele era marotinho!      

DIETAS JÁ! - Silvia Helena de Ávila Ballarati (Vinha)



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DIETAS JÁ!
Silvia Helena de Ávila Ballarati (Vinha)

     Desde que resolvi emagrecer, estou lendo tudo que posso sobre o assunto e para minha surpresa, descobri que a obesidade vem se tornando um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção, caso nada seja feito para refrear esta tendência, é que tenhamos em 2025, 2,3 bilhões de adultos obesos e 75 milhões de crianças com sobrepeso, de acordo com o mapa da obesidade mundial.

     O Brasil não foge à regra. Segundo a ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), atualmente temos mais de 50% da população adulta e 15% da infantil enquadradas nesta categoria.

     A questão não é meramente estética. Afora o fato de não nos encaixarmos nos modelos magros e longilíneos, que a mídia nos impõem, o problema da obesidade é ela estar relacionada a outras enfermidades como doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer.

     No afã de resolver logo minha questão, pensei na Cirurgia Bariátrica. Ela vem sendo apontada como solução em casos de Diabetes mellitus tipo 2 e para pacientes com obesidade grau 2 também, onde não me encaixo. Mas, este procedimento, por ser bastante radical, requer cuidado especial no pós-operatório e acompanhamento psicológico durante a fase de emagrecimento.

     A mudança de comportamento verificada é um verdadeiro divisor de águas. Bem-sucedida na quase totalidade dos casos, verifica-se após a perda considerável de peso, um aumento da autoestima, uma significativa volta à interação social, maior capacidade de trabalho, entre outros inúmeros benefícios.

     Ainda na busca por um milagre, soube de uma cidadezinha na Espanha chamada Narón, situada na região da Galícia, que inovou nesse aspecto.

     Preocupada com a saúde e o bem-estar de seus 40 mil habitantes, a Prefeitura propôs uma dieta coletiva ao observar o número crescente de obesos na população. Seis entre cada dez moradores de Narón encontram-se acima do peso.

     A ideia é perder coletivamente 100 mil quilos em dois anos. A dieta engloba alimentos naturais, vários peixes (em virtude da localização geográfica) e muita atividade física. As crianças estão sendo estimuladas a ir às escolas a pé ou de bicicleta.

     Como adesão ao projeto, os restaurantes criaram cardápios saudáveis e cadeias de fast-food perderam grande parte da clientela. Os pequenos produtores de alimentos regionais aderiram também. Concordaram em mudar a rotulagem frontal dos produtos industrializados em sinal de advertência. Avisados, os compradores pensam duas vezes antes de consumir.

    Fiquei ainda mais fascinado com a "Dieta Coletiva" ao saber que ao final de dois anos de experiência, a prefeitura, que espera economizar o equivalente a 6 milhões de reais em despesas médicas, vai doar este montante em forma de alimento para ONGs locais.

     A população toda está muito animada. Além de beneficiar o organismo, está fazendo bem para a alma.  Eles estão se divertindo muito com o novo modo de vida, a vigilância entre os cidadãos, a concorrência para emagrecer, o movimento que as caminhadas vêm trazendo, tudo mudou. Encontrei a solução do meu problema, vou me mudar pra Narón!!!


COMO PODERIA ESQUECER - Oswaldo U. Lopes





COMO PODERIA ESQUECER
Oswaldo U. Lopes

        Eu era jovem e de esquerda, ela era retraída e não chegada em politica universitária. Gostava de estudar e aplicava-se um bocado nas enfermarias.

        Eu estava, digamos, na média, ela longe dela. Era alta, bonita e vestia-se com esmero. Na escola chamava a atenção. Nos anos cinquenta, na Faculdade de Medicina, as moças não passavam de dez por cento do total de alunos, de parar o trânsito nem um por cento.     A piada, maldosa, era dizer que mulher bonita não tinha tempo ou QI para entrar no vestibular. No HC as do tipo, andando distraído, siga com o olhar até bater no poste, só eram encontradas entre as voluntárias, com seus muito bem cortados, aventais e vestidos azuis.

         Mui justamente estas eram conhecidas como “caçadoras de esmeraldas”, pois era frequente casarem com médicos, os possuidores da pedra verde no anel.

         Ela parava o transito e haja postes onde bater por descuido.

        Eu como muitos outros, tentei uns avanços para cima da Isabel que era como se chamava a linda peça.

        Fui rechaçado com firmeza, mas sem desdém. Ela sabia o que queria e por que queria. Fez residência e especializou-se em patologia infantil, não puericultura, tratava doenças e doentes. Mudou-se para Santos onde tinha renome.

        Por convite, agora, vinte anos passados lá estava eu em Santos, para um curso sobre urgências médicas, choque em particular.

        Nada muito emocionante, médicos já não tão jovens, mas muito interessados. Como tinham patrocínio de laboratórios pagavam bem. Não tendo muito que fazer e gostando imensamente do Centro velho de Santos, aproveitei a manhã livre de sexta-feira e resolvi trocar o cheque.

        Agência do Banco do Brasil, meio cheia e muito movimentada. Assim que entrei pude reconhecer a voz dela! Era ela sim! Conversava com o gerente sentada numa mesa. Vi que era tratada com deferência. Levantou-se e virou-se para sair, escorreguei para trás de uma coluna.

        Passados vinte anos continuava linda, alta, elegante, cabelos volumosos castanho-claros, andar aprumado, na mão um anel de água-marinha, nada de alianças.

        O curso terminava no fim da tarde. Não gosto de viajar a noite. Mesmo estando tão perto resolvi que voltaria para São Paulo apenas no sábado. Foi o que bastou para que um colega local insistisse para irmos à sede local da Associação dos Médicos, onde na tarde-noite de sexta-feira corria um famoso karaokê.

        Lá fomos nós, já escuro para a sede da APM. Assim que entrei no salão onde havia um palco e mesas com serviço de bebidas, reconheci a voz dela de novo!

        Só que agora, quase cai no chão ao vê-la. Usava um top vermelho-laranja, desses que as mangas são apenas uma tira sanfonada nos braços, expondo um colo bronzeado estonteante e a curva dos seios sedutores. Usava uma calça tipo pantalona de cor bege e um cinto cor de ouro velho.

        Como é que era letra do samba do Chico:
“Quem te viu quem te vê
Quem jamais a esquece não pode reconhecer. ”

        Mas não era esse o samba que ela cantava no karaokê, era outro, do Noel, gingando que era de não se acreditar.

“Até amanhã se Deus quiser
Se não chover eu volto pra te ver
Oh, mulher”

        Oh mulher! Extasiei, mas não me movi, fiquei olhando a Deusa da minha juventude, colado na cadeira, para mim ela continuava inatingível. Ai que vontade de voltar no karaokê, no tempo, no espaço nem que chovesse canivetes.

Magia - Maria Verônica Azevedo


        


Magia
        Maria Verônica Azevedo

        A tarefa era entrevistar uma escritora famosa.

        Beatriz tenta de todas as formas um contato com ela: telefonema, e-mail, WhatsApp, recados na portaria do prédio, e nada.

        O jeito foi fazer plantão na frente do prédio do outro lado da rua.

        Tinha certeza que ela estava em casa, pelo depoimento do porteiro. Mas não atendia o interfone. Ele não ficou alarmado porque era sempre assim.

        Só restava esperar que ela saísse, para então fazer a abordagem.

        O dia já ia adiantado. A fome bateu. Beatriz foi até o bar da esquina em busca de um sanduíche.

        Na volta para seu posto de espera, levou um encontrão de alguém e lá se foi o celular novinho...  Sentada no chão, com o joelho esfolado, caiu no choro.

        O problema não era o celular, mas sim todos os seus contatos que se perdiam. Bem que o Luis tinha dito para ela fazer um backup. Tinha deixado para depois...

        Não dava nem para pedir ajuda.

        Ficou ali sentada na beirada da calçada, esperando recuperar a calma.

        Ouviu uma voz doce ao seu lado:

        — A senhora se machucou? Quer ajuda?

        Levantando os olhos ainda marejados, viu a menina, no portão da casa, olhando para ela com doçura.

        Enxugou as lágrimas com o dorso da mão e esboçou um sorriso amarelo.

        A pequena abriu o portão e lhe deu espaço. Era um convite.

        Sem saber direito porque, Beatriz seguiu a menina pelo corredor lateral da casa.

        Era um jardim fracamente iluminado pelas lâmpadas de postes espalhados por ali.

        No final do corredor abria-se um jardim maior. No centro, uma casinha azul com uma rede pendurada na frente. Era uma casa de bonecas.

        A menina abriu a porta. Entrou a procura de algo.

        Beatriz se ajoelhou e esperou. Não dava para entrar. A porta era muito pequena.

        Pouco depois a criança saiu com um pratinho de biscoitos. Ofereceu.

        Beatriz aceitou. Sentada na grama ao lado dela, a pequena esperava com ar de interrogação.

        A jornalista já nem se lembrava o que estava fazendo ali. Esqueceu-se da escritora e ficou conversando com a pequena Lucrécia.

        Quando o sono de apoderou das duas, Beatriz se foi e a menina ficou no portão acenando para ela.

        No domingo seguinte, podia-se ler, no jornal, a crônica:

“A magia da casinha azul, por Beatriz Machado”.

O menino que doava sentimentos - Suzana da Cunha Lima



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O menino que doava sentimentos
Suzana da Cunha Lima

Era uma família bem comum: pai, mãe, dois filhos, sendo uma moça com 15 anos e um menino com oito. Ao pai, bombeiro-hidráulico, autônomo, não faltava trabalho. A renda familiar era boa, visto que a mãe, professora, complementava com seu salário, o necessário para fechamento das contas do mês. O casal tinha como objetivo dar a melhor educação para os filhos e trabalhavam duro para isso.

Assim, superficialmente, parecia uma família padrão, igual às milhares que compunham a classe média do país.

Mas o menino, que chamaremos de André, percebia que algo não estava bom neste cenário doméstico.  A mãe, assoberbada com o trabalho na escola, os afazeres domésticos e a insubordinação da filha moça, se irritava facilmente com todos. A moça passava o dia fora e quase toda noite saía com amigos que ninguém conhecia, em lugares mal afamados,  não dava satisfação a ninguém.
O pai, pouco se via, saia cedinho, e sempre chegava bem tarde em casa, alegando ter muito serviço, levantando suspeitas na mulher, e aumentando sua raiva.

Aos poucos, o tecido familiar foi se rompendo.   Aos pais parecia que tinham sacrificado sua mocidade e tempo no trabalho inutilmente, pois ninguém ali parecia grato ou feliz. E André era frequentemente esquecido, como se fosse um móvel da casa que não precisava de muita atenção.

Foi ficando triste e arredio e um dia não voltou para casa depois da escola.  Sua ausência só foi percebida à noite, quando a mãe começou a preparar o jantar e precisava que ele fosse comprar manteiga na venda.    Procurou o menino em tudo quanto era lugar, telefonou para os amigos e nesse meio tempo a escola telefonou informando que ele não havia aparecido para as aulas. Onde estaria?

Mandou chamar o marido, os vizinhos se achegaram, todos genuinamente preocupados com o paradeiro de André.

- Há um prazo de 3 dias para configurar que a criança está perdida – informaram na delegacia -   É muito comum menino nesta idade fugir de casa. Logo ele volta.

Mas ele não voltava e após quase uma semana se iniciaram as buscas, não apenas pela policia, mas por todos os vizinhos.  Os pais ficaram surpresos em verificar como André era querido no bairro todo, pelo pessoal da escola, colegas e professores, motoristas de ônibus, na papelaria e mercearia, padaria e mercadinho.  Todos pareciam conhecê-lo muito bem, e estavam muito aflitos mesmo, pelo que podia ter acontecido.  

À medida que o tempo passava, mais aumentava a possibilidade de o terem sequestrado, violentado ou morto.

E aos poucos, a família foi conhecendo um André que não conheciam.

— Ele é muito gentil, dizia consternada a velhinha da Lotérica. – Me ajuda a atravessar a rua quando eu preciso.

— Ele sempre me ouve quando estou triste, - contava outro – Não passei de ano e André foi lá em casa acalmar meus pais.

— Ele me dava sempre o lanche da escola – soluçava o mendigo da Igreja.

Foram muitos testemunhos da bondade de sentimentos daquele menino tão simples, tão mal avaliado pela sua própria família.  

Mas esta história não teve final feliz. André foi encontrado afogado no rio, depois de um temporal.

Não havia sido estuprado nem machucado, apenas se jogara na enchente para salvar um cachorrinho e ambos foram tragados pela força das águas.

Mas deixou uma lição inesquecível naquela comunidade.

E os pais perceberam, mesmo tardiamente, que o trabalho e dinheiro, em si mesmos, não são fatores de felicidade. As pessoas precisam ser reconhecidas, cuidadas e amadas, muito mais do que ter um diploma na mão com o coração vazio de amor.