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Naqueles Tempos - José Vicente Camargo



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Naqueles Tempos
José Vicente Camargo

A maioria dos e-mails que recebo se referem a postagens nas redes sociais. Abri um de uma amiga de humor refinado e irônico e de nível intelectual compatível com o meu. Portanto, pensei, o conteúdo deve ser interessante. Dito e feito! O título, de cara, me aguçou a curiosidade em lê-lo e creio que deva ter atingido um número invejável de clicadas na rede:

“Como se tratava o estupro em 1833”.

Trata-se de uma sentença judicial expedida por um juiz de Direito da Vila de Porto da folha, Província de Sergipe em 15 de outubro de 1833. A fonte é o Arquivo Histórico de Alagoas. Resumo a seguir “Ipsis Litteris” as preciosidades linguísticas e de comportamento da época:

“O promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nª Sª de Sant’Ana quando a mulher de Xico Bento ia para a fonte, o cabra que estava numa moita de mato, saiu dela de supetão e fez proposta a dita mulher, porque queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ela se recusasse, o dito cabra, o dito cabra abafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas de fora e ao Deus dará. Ele não conseguiu matrimônio porque ela gritou e veio em amparo dela Nocreto Correia e Norberto Barbosa que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistiram a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.

Considero

  1. Que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chumbregâncias, coisas que só o marido dela competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Católica Romana.
  2. Que o cabra Manoel Duda é um suplicante debochado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer  coxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzelas.
  3. Que Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.
Condeno

O cabra Manoel Duda, pelo malefício que fez a mulher de Xico Bento, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia da Villa. Nomeio carrasco o carcereiro.

Cumpre-se e apregue-se editais nos lugares públicos.

Manoel Fernandes dos Santos

Juiz de Direito”

Se tal sentença fosse aplicada nos tempos atuais, certamente o número de crimes de estupro cairia a zero e já cortava pela raiz a tentativa do tal assédio sexual tão comentado nas mídias de hoje. Um exemplo a ser seguido, talvez, pelos nossos juízes. Digo talvez, pois a reação masculina, amparada pela imprensa, redes sociais e demais suportes machistas, iriam querer rasgar e pôr fogo nas togas apavoradas. Sem levar em conta, a oposição dentro dos próprios tribunais, já que juiz, segundo vários cordéis, é cabra macho. Mas assédio sexual naquele tempo seria quase impossível, dado ao costume da época que obrigava os cavalheiros a manterem uma distância considerável das senhoritas e senhoras. Dirigir-lhes a palavra só o necessário, assim mesmo sem olhar diretamente nos olhos. Tocar as mãos das donzelas só permitido aos noivos comprometidos e assim mesmo sob rígida vigilância da mãe, irmã ou da mucama de companhia. Creio que as feministas de hoje sentiriam naqueles tempos, a falta, pela contraparte, da piscadinha de olho, do olhar convidativo, do sorriso provocador e de um convite para uma balada...

Bem! Acho melhor parar por aqui, por que já estou entrando em terreno perigoso e antes que alguma me venha acusar de querer fazer chumbregâncias com ela, deixando as encomendas de fora e ao Deus dará...


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