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O FAROLEIRO - Sérgio Dalla Vecchia


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O FAROLEIRO
Sérgio Dalla Vecchia


Bretanha, 26 de julho de 1991, data em que eliminaram uma das mais duras provas de coragem a que um homem pudesse suportar.

O Farol La Jument, distante dois quilômetros da ilha de Quessant, na costa noroeste da França, protagonizava essa grande prova de coragem e superação.

Ele foi erguido entre os anos de 1904 e 1911, sofrendo com a adversidade do mau tempo e o castigo das implacáveis grandes ondas.

Pierre fora o último faroleiro do La Jument e na época da alteração da operação manual para o comando a distância, ele foi transferido para um trabalho burocrático no continente.
Daí em diante o farol perdeu sua alma. Seria como um adestrado cavalo, comandado por um ótimo ginete, e que de repente o perdesse. Eles formavam um conjunto e como também o farol e faroleiro.

Por isso que Pierre já idoso sentiu-se tão só, quando lhe tomaram o seu inseparável farol.

Do Continente, o homem saudoso continuava fazendo vigília por noites adentro. Não conseguia despregar os olhos do seu companheiro de longa data, que ao longe lhe mostrava a recíproca com sua luz inconfundível.

Como poderia ele se sentir com tamanha separação? Ele havia nascido no próprio La Jument há sessenta anos e lá residiu até a data fatídica de 26 de julho de 1991.

Nas noites em vigília, lembrava-se dos momentos mais marcantes pelos quais passou naquele farol.

Certo dia, recordava ele, a ressaca estava como ele nunca havia presenciado. As vagas com mais de dez metros de altura eram empurradas pelo vento gelado do mar do Norte e castigavam impiedosamente as costas do farol.

Nesse dia o medo que lhe era desconhecido aflorou.

Pierre fechou-se na torre e lá permaneceu sentado junto a janela oposta ao vento. Era dia, mas a visibilidade era pouca. A turbulência do mar borrifava gotículas de agua formando uma névoa com mais de dez metros.

O farol foi acesso e Pierre responsável que era, olhava pela janela em busca de algum navio desgarrado. Mas nada, ele apenas sentia o poderio do mar jogando as grandes ondas sobre o robusto farol. Que mesmo sendo engolido pelas vagas que tinham a sua altura e o envolviam completamente.

De repente um helicóptero levando um renomado fotógrafo em busca de algum fragrante sobrevoou por duas vezes o farol.

Pierre levantou-se e abriu a porta para ver o que se passava e foi fotografado instantaneamente, compondo um dos pôsteres mais vendidos pela Europa.

O pôster mostrava o farol encoberto pelas ondas com apenas um pequeno espaço visível, flagrando uma porta aberta e a figura do faroleiro.  

Após algum tempo o fotógrafo o procurou e lhe presenteou com um grande pôster autografado.

Ele agradeceu muito, mas aproveitou para chamar a atenção, pois não fazia ideia do perigo que correra abrindo a porta para ver o helicóptero. Pensava ele ser da marinha avisando-o de algo importante e não a visita de um simples curioso. Poderia ter lhe custado a vida.

Houve um pedido de desculpas e os dois se tornaram amigos.

O tempo foi passando e a depressão acabou o consumindo, e na sequência o alcoolismo.

Por várias vezes, com a maré baixa e mar calmo, Pierre era encontrado embriagado dormindo ao pé do farol.

Ele não tinha mais alegria de viver, sem família, sem parentes e principalmente sem o seu inseparável companheiro La Jument.

Estava morrendo, até que um dia caído na sarjeta, um velho capitão passava e o reconheceu.

— Meu amigo Pierre, como puderam te deixar nesse estado, esqueceram dos seus atos heroicos, dos navios que salvou e das grandes tormentas que você enfrentou bravamente?
— Venha comigo para casa. Muito lhe devo, lembre-se de que você salvou a minha tripulação e eu de um iminente naufrágio.

— Tenho conhecimento na marinha e sei que existe um pequeno farol mais ao norte que precisa de um faroleiro experiente como você. Ânimo homem, chegou minha vez de te salvar! Deixe a morte para uma outra ocasião!

Assim após dez anos o corpo de Pierre foi encontrado morto, em um farol mais ao norte. Morreu de velhice, estampando no rosto uma expressão de felicidade.


Um comentário:

  1. Muito bom seu texto, Sergio. Gostei muito. Ledi e Pereira.

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