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Não sabia o que era orgulho. - Angela Barros

        
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Não sabia o que era orgulho.
Angela Barros

        Numa pequena ilha chamada Rapa Nui, pertencente ao Chile, com apenas cento e sessenta e três quilômetros quadrados, considerada o ponto mais isolado do planeta, foi onde nasceu e vivei Gauss até seus vinte anos.

        Descendente de uma das famílias holandesas que descobriram a ilha, os pais de Gauss criaram o primogênito para cuidar das suas terras quando envelhecessem, pelo menos era isso que eles esperavam do filho.

        Sem grandes preocupações o rapaz passara sua infância e adolescência, ajudando os pais a cuidar da fazenda. Ele não conhece as tecnologias modernas, não sabe o que acontece mundo afora. Seu maior interesse é se preparar para as provas do Tapati Rapa Num, festival que acontece anualmente em fevereiro para celebrar a cultura local, no qual forma-se dois grupos para competir.

        Gauss aproveita todo tempo livre para se preparar para as duas mais importantes provas do festival: Haka Hei e Tau’a. O prêmio para o campeão do festival é ter a honra de ter ao seu lado a rainha do festival.

        A primeira prova consiste em subir ao topo de um vulcão de mais de trezentos metros  de altura e, com o corpo pintado com elementos da natureza, trajando apenas uma tanga descer sentado sobre troncos de bananeiras, que atingem até 80 km de velocidade.

        A segunda, uma espécie de triátlon, só que ao invés de correr, pedalar e nadar, os participantes devem atravessar a cratera do vulcão de canoa, voltar a nado e correr em volta da mesma cratera com dois cachos de bananas sobre os ombros. Ganha quem acabar as provas em primeiro lugar.

        E assim é a vida de Gauus, até o dia em que ele conhece a linda  holandesa Heidi, turista extrovertida, que logo faz amizade com o nativo e quer saber tudo sobre o rapaz e a ilha. Nas praias que visitam a primeira coisa que Heidi faz é tirar toda a roupa, se jogar nas ondas das límpidas águas do oceano Pacífico e se abandonar nos braços de Gauss, deixando seu corpo estremecer de prazer.

        Nus, deitados sob o calor morno do astro rei, a holandesa conta ao rapaz como é seu país. Minha cidade é a terra das tulipas, das bicicletas, dos moinhos de vento, da tolerância e da beleza. Se a vida aqui é boa, diz a moça, lá é bem melhor. Venha comigo, vou mostrar Amsterdã para você!

        Gauss, não escuta mai os pais dizendo que aquilo era uma loucura. Nos deixar aqui. O que vamos fazer sem você para nos ajudar? Não encontrava mais os amigos que diziam: você está louco, acabou de conhecer essa desmiolada e já quer ir embora com ela! Nada adianta falar, ele só quer uma coisa: ir com Heidi para Holanda. E assim, deixa tudo para trás, vai embora com Heidi para Amsterdam.

        E em Amsterdam considerada a Veneza do Norte da Europa, com seus canais, ruas floridas, queijos, museus, parques e um mundo de possibilidades aos seus pés, Gauss fica fascinado. Como podia ter vivido na escuridão durante tanto tempo. Esse é o mundo real. Daqui posso ir para qualquer lugar do mundo, basta pedalar até a estação de trem mais próxima. Paris, Londres, Alemanha, Madri, Portugal!

        Meus amigos escrevo essa carta porque vocês precisam saber o que acontece no mundo fora dessa pequena ilha, desse pequeno mundo que mais parece uma concha na qual a ostra mora encolhida dentro do seu casulo , onde de vez em quando coloca sua cabeça para fora e só vê uma pequena parte de tudo que existe em volta dela.

        Aqui, nesse mundo real, conheci o fenômeno da internet, que aproxima pessoas de todo o planeta terra, não, não é necessário escrever uma carta e esperar dias para que chegue ao seu destino e outros tantos para se receber a resposta. Acreditem, existe um aparelho chamado televisão que traz para dentro de qualquer lugar imagens do mundo todo, inclusive da nossa querida Hapa Nui. E o tal do celular, um pequeno aparelho que traz a voz das pessoas até você, não importa onde você esteja.

        Depois de um mês em Amsterdam, caído de amores por sua Dulcinéa, Gauss não percebe as pequenas mudanças na amada. Antes, todas as manhãs era acordado com um estalado beijo de bom dia, agora, ao acordar passa as mãos ao lado da cama e nada. Passa o dia sozinho perambulando pela cidade. Quando chega a noite nada de Heidi aparecer. Será que aconteceu algo? Espera. Nada. Dorme.

        E assim se passam alguns dias. Sem saber o que fazer, espera, hoje ela vem, tenho certeza, nada.

        Numa manhã acorda assustado. Pula da cama. Vê embaixo da porta um papel. Nele está escrito: Gauss o apartamento está pago até o final do mês. Vou dar aula de esqui em Royal Mountain Ski Area. Adorei conhecer você! Heidi.

        Desesperado sem saber o que fazer olha pela janela, vê pequenos flocos de algodão cair do céu, sente um calafrio percorrer o corpo. Lembra das historias de Heidi sobre o inverno na sua cidade.

        Gauss que vivia do afeto à família, à terra, aos festivais e aos amigos na pequena, calorosa e tranquila Rapa Nui, descobriu sentimentos novos: o desamor, a insônia, a solidão, o frio e o medo.


        Mas, como não sabia o que era o orgulho, pegou a passagem  de volta guardada no fundo da mala que seu pai lhe dera, caso ele quisesse voltar para casa, e foi para o aeroporto.

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