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DIAS DE GLÓRIA - Silvia Helena de Ávila Ballarati

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DIAS DE GLÓRIA
Silvia Helena de Ávila Ballarati

Quem te conhece não esquece jamais! Não, não  estou falando de Minas Gerais. Falo de Roger!  Roger e seu bandolim foi o que houve de mais famoso nos bares e cafés do Rio de Janeiro na década de 70 do século XX.

 Roger, um músico intuitivo, jamais frequentara aulas convencionais de música, tudo que sabia havia aprendido de ouvido.  A bem da verdade, frequentara um pouco o Conservatório Musical de Resende, na época da infância, por insistência da mãe. As duas únicas professoras de piano da cidade eram amigas da família e viam no menino um grande potencial artístico.  Às turras ele chegou a fazer algumas aulas, mas tão logo viu-se preso aos exercícios repetitivos do método Hanon de Piano Clássico, em que tinha de executar as intermináveis escalas com seus acidentes, sustenidos e bemóis,  passou a detestar as aulas, as professoras, a coitada mãe e o pior, tomou horror do piano.

Por influência de uma das professoras que era portuguesa, foi apresentado ao bandolim e desde então jamais se separou do instrumento. Nada mais o acompanhava, muito raramente algum novo amigo vinha com seu cavaquinho e juntos faziam um dueto. Sentava nas praças e aos poucos via-se rodeado de pessoas batucando nas mesas.  Passou a ser chamado para tocar em abertura de pequenos festivais e eventos locais.  Tinha-se tornado um belo rapaz, alto, magro com fartos bigodes à francesa.  Fazia certo estilo caipira tímido, achava que agradava as mocinhas.

Mudou-se para a capital do Estado e passou a compor regularmente.  Muitas das canções do seu período em Resende continuaram a fazer sucesso e com elas novas músicas românticas, fáceis de cantar, foram incorporadas ao seu repertório.  Gravou o primeiro disco e criou uma amizade consistente com o pessoal da gravadora,  em especial  com o coordenador de novos talentos.

Apesar do sucesso que marcava sua vida, Roger se mostrou um péssimo administrador desse momento. Fez do seu período áureo um festival de bobagens, gastos exagerados com mulheres, drogas e viagens.  Novos instrumentos não pretendia aprender a tocar, nem se juntar a outro artista. Foi assim que seu declínio começou, cair no ostracismo foi mais rápido do que podia suportar.

Aceitou relutante a oferta de uma kitinete para morar para que seus dias de glória não terminassem na rua. Ficava feliz ao comprar cigarros e ser reconhecido pelos frequentadores da banca de jornal. Quando alguém cantava trechos de suas músicas, achava que o faziam por dó, de tal forma tinha perdido a autoestima.  Bebia tanto que emendava noite e dia na cama.  Mais de uma vez foi internado para desintoxicação.  Certa feita,  entrou em coma, foi socorrido por vizinhos e internado novamente, só que desta vez demorou muito para voltar à razão.

Finalmente em casa, apressou-se a retomar antigos vícios, nem parecia ter estado à beira da morte. Até  que um dia a campainha tocou insistente na casa do artista e seguiu-se um grito estridente e alegre.

— Roger!  Era o colaborador da gravadora que estava há dias à sua procura. Tinham aceitado entrevistá-lo em um programa de televisão para  artistas caídos no esquecimento.

— Vamos Roger, anime-se!  Você pode voltar, esta é sua grande oportunidade, era o que faltava pra mostrar a esses jovens quem você foi!  Disse todo entusiasmado o velho amigo ao entrar no pequeno espaço e vê-lo deitado.  Roger se  mexeu  na cama, voltou-se para olhar  o antigo parceiro  de frente,  parecia não acreditar no que ouvia, seus olhos brilhavam.  Olhou o amigo intensamente nos olhos, parecendo ver em segundos todo o filme de sua vida , sucesso, feridas antigas,  enfrentar o novo que na verdade não era novo. Deu um suspiro profundo, fez menção de se levantar.  O amigo, mais que depressa  se levantou também, já abrindo os braços de alegria quando Roger virou-se pra ele, não para se levantar, mas para mudar de posição e disse:

— Você é um sujeito legal, feche a porta ao sair.


Nos dias que se seguiram ninguém mais teve notícias de Roger. Não saiu nem pra comprar cigarros na banca de jornal.

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