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Velejando em mares bravios - Ises de Almeida Abrahamsohn

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Velejando em mares bravios
Ises de Almeida Abrahamsohn


O dia estava claro e o mar tranquilo. O vento constante enfunava a mestra e a genoa permitindo navegarem rápido e sem motor. Saíram do ancoradouro em Floripa e chegariam a São Sebastião em quatro dias se tudo corresse bem. A excursão levaria os dois casais de turistas até as ilhas de Angra dos Reis. Lucia já tinha feito o trajeto algumas vezes. Tinha estudado engenharia, mas o seu sonho sempre foi viver no mar. Trabalhou por quatro anos até conseguir juntar a grana para comprar o barco. Um veleiro Delta 32 completo equipado com motor e velame novíssimos. Conseguira uma marina não muito cara em Floripa e em Paraty e destes lugares fazia os cruzeiros ao longo da costa de acordo com a vontade e exigência dos fregueses. Também tivera sorte ao contratar o marinheiro Turíbio. O homem já com uns cinquenta anos e era experiente; tinha se criado trabalhando em barcos e era também bom cozinheiro. Mas viver do turismo não era fácil. Precisava urgentemente do dinheiro que lhe renderia essa viagem. Havia que pagar o marinheiro, a manutenção do barco, e sobreviver na baixa temporada. Cada vez que falava com a mãe ouvia as críticas à sua opção de vida. O pai, embora decepcionado, entendia melhor. Afinal, sentia-se meio responsável, ele mesmo velejador que treinara a filha nas lides do mar.

A meteorologia indicava chuva e possível tempestade para a manhã do dia seguinte, mas nada que assustasse Lúcia. Já tinha enfrentado condições muito adversas no mar e se saído bem. Caída a noite, navegavam com o motor. Passageiros e a capitã foram dormir cedo. Trocaria o turno com Turíbio às duas da manhã. Tomou um café e foi para o leme consultar o rádio e as coordenadas. Já estavam na costa do Paraná. O vento tinha aumentado consideravelmente. Tinham passado o cabo João Dias quando o vento mudou de direção e as nuvens carregadas se transformaram em tempestade. As ondas, inicialmente de um metro, começaram a se avolumar. Chamou o Turíbio. Este já estava se ocupando dos passageiros fazendo-os vestir os coletes salva-vidas e acalmando os mais nervosos. Lúcia queria alcançar a baía de Guaratuba. Lá encontrariam abrigo da ressaca até que passasse a tempestade. Lúcia e Turíbio manobravam a embarcação para enfrentar as ondas na diagonal. Ambos confiavam na potência do motor para manter o deslocamento do barco apesar da tempestade. Por algum tempo, talvez uma hora, os ventos perderam a força. Conseguiram avançar até meio caminho e passaram a ilha do Saí. Os turistas haviam se acalmado depois do grande susto.

Mas era apenas um interlúdio. De repente, rajadas de vento voltaram a açoitar o veleiro. As ondas, desta vez mais impetuosas, estalavam no casco jogando o barco de um lado para outro como um brinquedo descontrolado. Os passageiros ainda nem tinham se refeito do ultimo temporal, agora este, bem mais assustador. Já temiam pela segurança do grupo, embora ninguém ousasse dizer. Mas era Lúcia que comandava e essa era a margem de confiança que tinham. Lúcia era muito experiente e medo era um sentimento que jamais fez parte de sua vida. Vivia em barcos desde os sete anos quando começou com um Optimist. Acalmou os passageiros. Iriam tentar chegar à foz do Rio Saí onde o mapa náutico indicava um ancoradouro. Guaratuba seria muito longe. Lúcia mudou a direção do barco e acionou o motor de reserva. Iriam na direção da arrebentação. Já tinha comunicado a posição e as dificuldades à guarda costeira. O dia clareava quando avistaram a sinalização de entrada para o ancoradouro. O barco ainda enfrentaria as ondas de quase três metros que varriam o convés até conseguir entrar na enseada abrigada e ancorar. Exaustos, a capitã, marinheiro e turistas pisaram o cais da cidadezinha.


Os turistas ainda apavorados foram para uma pousada. Só horas depois, refeitos, escutaram as noticias de dois barcos que soçobraram na tempestade. Lúcia não se espantou quando cancelaram o restante do passeio. Receberia apenas o percentual estipulado no contrato. Mal dava para pagar o marinheiro e as despesas. Teve vontade de desistir. Mas não! Resistiria o quanto pudesse! Era o que tinha escolhido. Teria que fazer apenas alguns ajustes táticos. Sorriu ao lembrar-se das histórias do avô e do pai. Ela viveria o seu sonho! 

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