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O TERREMOTO - Fernando Braga


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O terremoto
Fernando Braga

       Zé Osvaldo, cirurgião perspicaz, alegre, comunicativo, não perde oportunidades para gozar dos ingênuos. Vejam mais esta!

       Era setembro de 1990, ocasião do Congresso Internacional de Neurocirurgia em Acapulco, um grupo de quatro casais amigos brasileiros, combinaram irem juntos para o evento. Desceram na capital e ao atravessarem a cidade puderam observar sinais ainda presentes, da devastação causada pelo terremoto do dia 19 de setembro 1985, que atingiu 8,1 pontos na escala Richter.

       Chegaram a Acapulco, cidade turística, na ocasião bastante movimentada, com   neurocirurgiões de todo mundo, a maioria trazendo os familiares. Para todos era uma grande oportunidade de conhecer o México e aproveitar não somente os ensinamentos científicos, como as belezas do país. Assim, decorreu uma semana das mais proveitosas e alegres.

       Um dia passeando pela orla desta cidade, viram um ancião sentado em banco de jardim, tendo a seu lado, um enorme tigre de bengala, preso apenas por uma coleira. O sujeito beijava o tigre, mexia em seu focinho e até enfiava a mão em sua boca. Havia uma multidão ao redor para apreciar a cena e pagar para tirar uma foto ao lado do velho e da fera mansa. Onde conseguira o tigre, como o havia amansado, como o alimentava, era uma incógnita. E a permissão para tal? Incrível!

       Após o evento, voaram para a cidade do México, para lá ficarem três dias, antes de irem a Cancun. Todos ficaram em um grande e excelente hotel, próximo ao centro da cidade.

       Entre eles estava um colega de nome José Geraldo, tipo bonachão, que junto com sua esposa Dida, trouxeram uma filha de uns 21 anos, e um filho de 19.  Ela, não os acompanhou a Acapulco, preferindo ficar em casa de uma amiga, em uma pequena vila situada a 40 quilometros da capital.

       Neste primeiro dia, após a ceia e um bom papo, resolveram descansar, programando vários passeios para os dias seguintes. Por volta das dez horas da noite, Zé Osvaldo dormia pesado quando ouvi o grito de sua mulher, que havia pulado da cama, vestira seu robe de chambre, uma sandália e gritava: Terremoto! Terremoto! Desapareceu do quarto descendo rapidamente do nono andar, escada abaixo.

       Zé Osvaldo, achou que as crises noturnas de sua mulher haviam voltado, pois ela desde que se casaram, frequentemente acordava assustada, gritando e depois se acalmava e dormia novamente. Fazia anos que havia melhorado, quando após uma destas crises, ele a conteve antes que pulasse da cama e lhe dera uma bela mordida na orelha. Mas desta vez, percebeu que se tratava de algo real, diferente, pois vira quadros despencando da parede, o lustre balançando, a jarra d’água caindo ao chão. Abriu a janela, olhou para a cidade, ouviu um barulho estranho, forte e   percebeu que realmente devia se tratar de um abalo sísmico. Vestiu-se e saiu do quarto, e quando entrou no elevador deparou com um casal de franceses, muito nervosos, ela com o cabelo todo levantado, esparramado, assustadíssimos.

        Foram todos para o meio da rua, onde encontrou sua mulher, seus amigos e uma quantidade enorme de hóspedes. O abalo já havia parado, mas todos queriam permanecer na rua para se protegerem, caso ele voltasse. Ninguém se aventurava a entrar novamente no hotel.

       Geraldo, então, telefonou à sua filha que estava distante, para perguntar se lá haviam sentido o abalo sísmico. Ela disse que não, mas neste momento, a mãe de sua amiga ouvindo a conversa, pegou o telefone e perguntou:

       — Vocês sentiram alguma coisa aí?

       — Sim, um tremor que durou uns três minutos!

      — Meu Deus! Então, façam imediatamente o seguinte:

      — Tomem um táxi e venham para cá. Deu o endereço e ainda disse:

      — Há cinco anos ocorreu um pequeno abalo e após uma hora, veio o terrível terremoto! – Não percam tempo! Estou aguardando!

      — Mas, nós estamos em quatro casais!

      — Peguem então dois táxis e venham todos, imediatamente!

       Dito e feito.

       Após uma hora estavam chegando. A mulher havia preparado dois quartos, mais cinco colchonetes no chão, o que deu para acomodar a todos. Após rápida conversa, foram dormir.

       No dia seguinte, após acordarem, as mulheres apenas com camisola, os outros com   pijama, foram tomar o gostoso desjejum preparado pela senhora, que se levantara mais cedo para comprar pão, bolachas, presunto e queijo.

       Aí ela, brasileira, contou que seis anos após se casar, veio morar nesta vila, próximo à capital, onde seu marido era funcionário de uma grande firma internacional.  

       Pelas notícias, a cidade do México estava calma e todos tranquilos.

       Resolveram então voltar ao hotel, pegar os pertences, irem para o aeroporto, trocar as passagens, para no mesmo dia voarem para Cancun.

       Zé Osvaldo, sua esposa e outro casal chamaram um táxi e foram para o hotel. Tudo calmo, subiram ao seu quarto, pegaram as malas, desceram, fizeram o check out e foram até um salão próximo, esperando pelos demais.

       Nesta hora, Zé Osvaldo viu José Geraldo, a esposa e o filho entrarem apressadamente   e pegarem o elevador para o quarto.

       Cinco minutos após terem subido, Zé Osvaldo foi até a portaria e perguntou o número do quarto de José Geraldo.

       Zé Osvaldo colocou uma bala na boca, tapou uma das narinas, discou o número do quarto e foi logo atendido pelo colega. Ele enfatizou em castellano:

      — Es el quarto del senior Océ Heraldo?

       — Sim. Porque?

       — Sr.Océ, estamos hablando de la portaria. Queremos adverti-lo qui acabamos de recivir  uno comunicado de la polícia, de  que vamos a tener  otro terremoto, dentro de media hora.

       — Por favor apresse-se, estamos evacuando el hotel!

       Zé Osvaldo ficou no telefone e ouviu Geraldo gritando para Dida que tinham que descer imediatamente, pois ia ocorrer outro terremoto.

        — Chame seu filho que está tomando banho, disse ela, pois minhas malas já estão prontas e vou descer na frente! Ouviu ele batendo fortemente na porta do banheiro pedindo que o filho saísse imediatamente. Vai ter terremoto! Terremoto!

       Zé Osvaldo morria de rir, mas logo percebeu o estado de espírito em que deviam se encontrar lá encima.

       Após uns segundos tornou a discar, Geraldo atendeu o telefone e perguntou:
       — Quem é?

      — Aqui é o Zé Osvaldo. Vocês já chegaram?

       — Você não soube? Nos avisaram da portaria que vamos ter um enorme terremoto dentro de meia hora. Já vamos descer.

      — O que isto Geraldo? Você ficou bobo? Você acha que eles avisam assim, que vai ter um terremoto?

       — Não percebeu que fui eu que telefonei?

       — Você? Seu desgraçado!

      — Dida! Foi o Zé Osvaldo que nos pregou uma peça! Nada de terremoto!

       Desceram, foram para o aeroporto e depois para Cancun. Ficaram no mesmo hotel. Dida não ergueu mais os olhos ou se dirigiu a Zé Osvaldo ou a esposa, que só entendeu, após as explicações do marido.

        Geraldo, continuou conversando com o malandro, dizendo:

Você nos pregou uma peça, o que ocorreu apenas porque estávamos influenciados, por termos ouvido muito sobre o trágico terremoto de 85. Você e sua mulher agora aguentem a minha Dida! Ela é muito brava.


Aguardem outras deste terrível Zé Osvaldo.

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