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Direito de Nascer - José Vicente J. de Camargo

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Direito de Nascer
José Vicente J. de Camargo


Tem nome de novela, mas não é!

Essa mania que ele tem, de querer tudo para já, vem desde a hora do parto. Exigia seu direito de nascer sem demora e, no meio da madrugada, começou a me dar pontapés cada vez mais forte até romper a bolsa e esparramar o líquido pelo lençol trocado no dia. Me obrigou a cutucar o Fred, que roncava forte ao meu lado com certeza sonhando nas horas extras que teria de fazer pelo aumento da família e na troca do jogo de futebol de sábado a tarde pelo cursinho de preparo do banho, da mamadeira e da troca de fralda:

Fred acorda! Chegou a hora...  

Ele me olha como visse alguma miragem, procurando entender o que se passa. Continuo:

- Ele tá com pressa... Vai tirando o carro e não esqueça de pegar a minha mala e os papéis do seguro.

Palavras mágicas! Ele salta da cama e aterrissa direto na poltrona onde horas antes reservara, na ordem correta, para ganhar tempo, suas roupas de primeiro papai.

- Não esqueça o celular! Grito eu. Vai precisar bastante dele hoje. E deixe o café da manhã pra tomar no hospital. Eu não quero nada, estou enjoada.

O carro zunia solitário na estrada erma. O relógio gritava as horas, e os pés de Fred apertavam mais o acelerador. Arrisquei olhá-lo. O rosto franzido, com a tensão rompendo pelos olhos fixos no asfalto, parecia estar falando com o filho na sua pressa de nascer:

Calminha rapaz, não precisa ter tanta pressa! Você tem toda a vida pela frente...Ninguém vai tirar seu direito de nascer. Eu e sua mãe não vamos deixar...”

As contrações aumentam. Seguro com força os gemidos na ponta da língua para Fred não escutar e correr ainda mais. Dou uma de relaxada, de meio adormecida e penso na minha sorte. Sorte por ele existir, por estar ao meu lado, carinhoso. Sinto chutes como a dizer:

E eu, não conto? ”  Sim, respondo pensando: “Daqui a pouco serão vocês, minha sorte será dobrada, meu mundo também”...

No hospital, na ala da maternidade, tudo se passa como um raio. Mal me posiciono o médico me olha surpreso:

Pronto! Já o tenho. Ouve-se um choro forte, estridente.

É um menino!

E num piscar de olhos, tenho o apressadinho a me sugar o peito com ganância...

E assim foi sua infância, adolescência, juventude, sempre exigindo o que lhe é de direito para já, sem delongas...

E hoje, no dia do seu casamento, não podia ser diferente. Só esqueceram de avisar o pai da noiva, de acabar com o ciúme doentio, com a mania de vigiar a moça, proibi-la de ficar sozinha com ele. Ter sempre alguém segurando vela...

O padre mal acaba de dar a benção dos recém-casados, ele agarra a mulher no colo e sai em disparada pela nave da igreja. O pai atônito segue atrás gritando:

Para a festa, os convidados...

E ele na soleira da porta, enfeitada de guirlandas brancas, lança um sorriso sarcástico:


Fique você com eles, eu quero desfrutar logo meu direito de noivo atrasado...   

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