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CORDEIROS - Jeremias Moreira

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CORDEIROS
Jeremias Moreira

Ouviu-se um estrondo, e logo o cortante silêncio da morte. Uma dor aguda me fez ir até ele. Olhei o rosto sofrido, os olhos agora bem fechados e o sangue a lhe cobrir os cabelos pretos. Pacífico viveria em paz, finalmente. Com as mãos em concha apoiei sua cabeça em minhas pernas e rezei para o amigo o que me restava na memória de uma oração. Um filme passou pela mente do que vivemos juntos e como viemos parar ali. De tudo o que passou! Do que fizeram com a gente!

Em tese éramos assalariados. Tínhamos um contrato de trabalho, mas a relação era tão opressiva que não haveria diferença se nos classificassem como escravos.
Acordávamos às cinco, sempre! Depois de um café aguado com pão esturricado descíamos para o inferno.  Quando voltávamos já escurecera e passávamos dias sem ver a luz do sol. O almoço, se é que se pode chamar assim, acontecia lá embaixo, nas galerias.

O elevador descia três vezes ao dia. Logo cedo, quando éramos engolidos, pela cratera demoníaca, trinta metros terra abaixo, no calor sufocante. Por volta das doze, hora que descia o rango e subia o minério coletado pela manhã. E as dezessete, quando éramos içados, junto com a coleta da tarde.  

O elevador era movido pelo sistema trapiche, como nos antigos engenhos de cana. Um aparelho primitivo, acionado por animais, que movia uma bobina de corda bem resistente. Pelo menos rezávamos para que fosse.

O elevador mantinha o prumo com dois pinos em cada lateral, que corriam dentro de canaletas de madeira, lubrificadas com sebo. Os movimentos de subidas e descidas se davam aos trancos e nos assombrava a todos.

Eu e o Pacífico deixamos nos levar pela febre do ouro. A mineradora prometia quinze por cento do extraído. Parecia um negócio da China. Assinamos o contrato por um ano, quando demos pela coisa, tínhamos entregado nossas vidas à Companhia Mineradora do Norte.

Estávamos lá há cinco meses. E, pela contabilidade deles, éramos devedores.  Eram cobradas as refeições e o uso das redes onde dormíamos. Acautelados contra rebelião, adotavam espancamentos e cárcere privado.

Tornar-se cordeiro era o único jeito de subsistir, não sofrer abusos e ter a esperança de sair de lá com vida.

Pacífico não pensava assim e sentiu o peso do castigo muitas vezes em que se rebelou. Viviam de olho nele, que era considerado um perigo para a Companhia. 
 Tentava acalmá-lo, mas era impossível. Ele estava obcecado e profundamente revoltado.

− Precisamos ter calma! Mais sete meses e iremos embora! – lhe dizia.

− Você acha que nos deixarão partir? Nunca sairemos daqui! – respondia com convicção.

Sem me envolver, Pacífico adotou um sistema de sabotagem. Incidentes passaram a acontecer e atrapalhar a extração.

Até o dia que a dinamite explodiu antes do tempo. Então, ouviu-se um estrondo, e logo o silêncio da morte.

Saí do devaneio com um amargor que invadia os ossos. Olhei em volta e estava rodeado de mineiros, que tacitamente partilhavam da minha revolta.  O quê aconteceu em seguida é difícil descrever. O levante foi total. Possuídos, foi como se comportou aquela turba de mineiros, até então cordeiros. Agora não mais! O espírito de Pacífico se apossou de todos.

A revolta repercutiu nacionalmente, houve sindicância e o governo suspendeu a licença da Mineradora.

Como tributo resgatei o corpo de Pacífico.

Agora descansa em paz, no mausoléu da família, em Sorocaba.   


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