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SEM BILHETE NÃO PODE - Jeremias Moreira



SEM BILHETE NÃO PODE
Jeremias Moreira

Primeira geração de brasileiros da família libanesa Mansur, o Walter era conhecido como Waltinho da Casa Verde, por ser esse o nome da loja de armarinhos do seu pai. Ele tinha a minha idade, mas era bem mais esperto. E põe esperto nisso! Ele tinha um pensamento rápido e arguto como o de um adulto. Estávamos com doze anos quando estudamos juntos no Colégio São José, um internato que ficava na pequena cidade de Engenheiro Schmidt. Na verdade o lugar era um distrito de São José do Rio Preto.

O Colégio era rigidamente dirigido por padres espanhóis da Congregação de Santo Agostinho. Mas, toda a austeridade e disciplina não eram suficientes para impedir as contravenções do Waltinho e a minha, que boboca, embarcava no embalo de sua esperteza.

Uma das coisas que fazíamos era cabular o horário reservado para estudos e fugir do Colégio. Pulávamos o muro e íamos esperar a jardineira que ia a Rio Preto, na estrada, para não sermos visto por algum padre ou inspetor de alunos.

Em Rio Preto íamos ao cinema, à sorveteria, sapear no Clube Palestra ou simplesmente ficávamos zanzando pela cidade. Para voltar pegávamos o trem que partia às 17,30 horas, com destino a São Paulo. A primeira estação já era Engenheiro Schmidt.

Certa vez gastamos todo nosso dinheiro na andança pela cidade e não tínhamos nenhum centavo para comprar as passagens de volta. Rapidamente o Waltinho achou a solução.

Vem comigo e não diz nada.

Entramos escondidos na estação. O trem já estava na plataforma e embarcamos na segunda classe. O trem partiu e ficamos torcendo para que o guarda não aparecesse. A torcida foi em vão, dali a pouco ele apareceu picotando os bilhetes dos passageiros.

Quando ele chegou onde estávamos o Waltinho se antecipou e explicou que fomos roubados e que o ladrão levou todo nosso dinheiro e por isso estávamos sem as passagens.

Para onde vocês vão? − perguntou o guarda sem nenhum pingo de pena. Aliás, até com certo mau humor.

Para Catanduva. – respondeu o Waltinho.

Catanduva ficava a quatro estações à frente. Olhei para o Waltinho sem entender e por pouco não o corrigi.

Sinto muito! Vocês vão ter que descer na próxima estação. – disse o guarda com certo prazer.

Por favor, deixa a gente ir até Catanduva, vai! Nossos pais vão ficar preocupados!

−  É norma da Companhia! Não é permitido ninguém viajar sem passagem!

A essa altura o trem entrava na estação de Engenheiro Schmidt e parou. Imediatamente o guarda nos pôs para fora.

O Waltinho ficou o tempo todo implorando para que ele nos deixasse ir até Catanduva. O bilheteiro manteve-se irredutível.

Assim que o trem partiu o Waltinho caiu na risada e acenou escrachado para o guarda.



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