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CONTO DE FÉRIAS - A SURPRESA - SERGIO DALLA VECCHIA

A Surpresa
Sergio Dalla Vecchia

Há certos dias em que o nosso corpo capta ondas cósmicas e nos leva a um estado de alerta. A natureza aquieta-se, não há ventos, os pássaros silenciam e o calor predomina. São os sintomas de que alguma coisa esta por vir!

Era isso o que Cássio sentia naquele exato momento.

Ele era um motorista da Uber e era a sua primeira corrida do dia. Cássio acabara de deixar o passageiro em um edifício na Faria Lima, situada em um bairro que abriga escritórios, consultórios e um dos Shoppings Centers mais elegante da cidade de São Paulo.

O celular marcava 09h00min AM e já o avisava da próxima corrida.

Acelerou o carro e logo sentiu um arrepio pelo corpo. Imediatamente veio à mente a lembrança do mal presságio ocorrido nas primeiras horas.  

Ouviu vários estrondos seguidos, olhou para o céu e avistou um imenso clarão!

Os pedestres na calçada pararam, e boquiabertos também assistiam.

Os veículos de transporte foram parando um a um e seus ocupantes descendo aos tropeços para se inteirarem do que acontecia.

Apavorados todos olhavam para o céu e buscavam a explicação para tal fenômeno.

Seria uma explosão acidental ou uma bomba?

A dúvida permanecia no ar!

Cássio com conhecimento da planta da Grande São Paulo desceu do carro, fixou o olhar para cima:  - Meu Deus! Tenho a impressão de que isso vem lá dos lados de Mauá e talvez de Cubatão. Será que bombardearam a Refinaria de Capuava ou o polo Petroquímico de Cubatão?

Ele pensava apenas nos efeitos das explosões!

O vento soprava de sul para noroeste, exatamente na direção da cidade de São Paulo.

O caos já havia se instalado.

A avenida estava totalmente travada. As pessoas corriam de um lado para outro sem rumo. Todos digitavam os seus celulares na ânsia de noticias dos parentes.

Agora o clarão se transformou em uma nuvem espessa de cor acinzentada e se aproximava ao sabor dos ventos no rumo de São Paulo. Eram os gases tóxicos gerados pelas reações químicas ocorridas pela combustão de cloro, enxofre e outros produtos químicos.

Ele lembrou logo dos ácidos sulfúrico e clorídrico, qualquer descuido resulta em fortes queimaduras e quando aspirados no estado gasoso, a intoxicação e corrosão dos pulmões seriam imediatos. Abandonou o carro e saiu em disparada em busca de uma máscara de proteção contra gases.

Corria, seguia apenas seu instinto de sobrevivência!

Quando percebeu, estava na Marginal Pinheiros junto à ponte Euzébio Matoso.

Nesse momento a sua mente clareou! Lembrou-se da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) que ficava próxima dali. Pensou também num posto de bombeiros, um pouco mais distante, mas preferiu a primeira opção.  

Enquanto Cássio corria ao longo da Marginal presenciava o mesmo cenário caótico por onde passava.

Ofegante chegou aos portões da Companhia. Deparou-se com uma confusão geral, pessoas entrando e saindo, a portaria estava absolutamente sem controle!

Aproveitando-se da situação, despercebido passou pelos portões e adentrou no prédio.

— Onde haverá uma máscara? Indagava a si próprio.

Pensou logo no laboratório de análises químicas e para lá se dirigiu.

Seguiu as indicações nos corredores e chegou. Olhou pela janela de vidro da porta e avistou um armário com a seguinte indicação; EPIs   (Equipamentos de Proteção Individual).

Bingo! Exclamou Cássio com os olhos brilhando de felicidade.

Mexeu na maçaneta e percebeu que a porta estava trancada.

Não hesitou, meteu o pé e arrombou-a. Voou para o armário dos EPIs e com o mesmo ímpeto arrombou-o também!

Pronto, lá estava a máscara que tanto necessitava.

Nesse momento a adrenalina baixou. Sentou-se, colocou as duas mãos sobre o rosto e deixou que a emoção acumulada transbordasse em forma de um choro contido. Permaneceu nessa posição por um minuto e logo planejou o próximo passo.

Optou pela Estação Pinheiros do metrô, pois era a mais próxima e para lá se deslocou velozmente.

Lá chegando, desceu as escadas em meio à multidão ainda duvidosa do ocorrido. Algumas pessoas lhe perguntavam:

— Moço, que esta acontecendo, por que esta com essa máscara?

Cássio pondo a sua consciência a prova respondia:

— Não sei, sou apenas um funcionário incumbido de vistoriar o túnel e essa máscara  de segurança é de uso obrigatório.

Ele continuou descendo até chegar ao nível mais profundo da Estação e lá deparou com trens imóveis e vazios!

Mais uma vez o seu raciocínio frio o orientou a penetrar no túnel que transpassava o Rio Pinheiros em direção a Estação Butantã.

Andou por uns cinquenta metros túnel adentro até que encontrou um nicho de serviço em uma das paredes.

Abriu a porta e deparou com um pequeno cômodo onde havia diversos materiais de manutenção.

Num dos cantos havia uma pilha de mantas, provavelmente para a contenção de vazamento de um liquido não inerte e em outro canto alguns garrafões de água potável. Era tudo que ele precisava naquele momento!

Assim Cássio havia encontrado a seu abrigo de sobrevivência!

Aninhou-se sobre a pilha de mantas enquanto o seu corpo exausto clamava por repouso, mas seu cérebro em vigília não o permitia. O filme da sua vida passava pela mente,  as lembranças da sua infância sofrida, a dificuldade financeira da família, a luta para conseguir se graduar em Administração de Empresas e a alegria do seu primeiro emprego. Também o bullying que sofrera por todo esse tempo, apenas por ser negro,  e o grande amor perdido, que o destino separou!

Estou só! Lágrimas brotavam em seus olhos.

Sua mente ainda continuava a importuná-lo com conjecturas:  Quantos sobreviverão? Como nos adaptaremos à esse meio tóxico? Como nos reuniremos? Quando...? Onde...?...


Assim após esse exercício mental e no aconchego do abrigo, seu cérebro foi se aquietando e permitiu que o sono adviesse, e Cássio adormecido, preparava-se para ter o privilegio de renascer na pele de um sobrevivente da hecatombe que assolou a metrópole de São Paulo!

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