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CONTO DE FÉRIAS - A SAGA DE NAKAJIMA - CARLOS CEDANO



A SAGA DE NAKAJIMA
Carlos Cedano

Seu pai o orientou a alternar  trabalho no campo com os estudos do xintoísmo e do zen-budismo. E foi estudar com o Mestre Akira no templo próximo a seu povoado.  Quando acabou sua formação Nakajima decidiu tomar por companheira a bela Keiko, filha do senhor Mirai dono da horta vizinha. Keiko era uma moça de figura delicada e de esmerada educação, tinha apenas dezesseis anos, e já possuía forte personalidade. Ele tinha a certeza de que era a mulher ideal para cuidar e administrar seu lar. Comunicou ao pai da moça de suas intenções e lhe faria uma visita.

Nakajima fez o pedido formal e as bodas se realizaram seis meses depois numa cerimonia simples, com muitas flores, muitas amigas em belos quimonos coloridos,  e a noiva vestida de branco portando buquê de ramos com cerejeiras em flor!

Nos anos seguintes Nakajima e Keiko tiveram uma relação feliz e prazerosa, e foram abençoados com a chegada de dois pequenos filhos, Isao e Kenzo, orgulho dos pais e dos avôs. A felicidade do casal se completou!

No final dos anos noventa receberam notícias dos parentes de Keiko que moravam no Brasil. Eles comunicavam as boas possibilidades de progresso no país, particularmente para as pessoas com talento no cultivo de hortigranjeiros, a população da capital de São Paulo crescia e a demanda por alimentos também. Keiko achou que seria uma boa oportunidade.

Nakajima conversou com o pai achando que seria difícil convencê-lo a ir para o Brasil, estava quase com oitenta anos, mas para sua surpresa ele achou essa possibilidade muito atraente e disse que iria feliz e  pensava:

Será bom morar num pais de paz onde as possibilidades de uma guerra tão devastadora como a que vivemos em Hiroshima é pouco provável. Desde esse evento vivo preocupado. Temo a lei do Kama que nos diz que todo o bem ou mal que tenhamos feito numa vida virá trazer-nos consequências más ou boas.
Com tristeza e satisfação despediram-se dos parentes e amigos e após uma demorada viagem chegaram ao porto de Santos no primeiro dia do primeiro ano do terceiro milênio!

Foram acolhidos com carinho, flores e bandeirinhas do Japão e do Brasil pelos parentes e pela alegria contagiante dos filhos dos familiares. Iriam para o chamado “cinturão verde” da metrópole para uma cidade chamada Mogi das Cruzes.

Dois anos depois o esforço do casal lhe permitiu ter uma horta, uma bela casa de estilo nipônico e um celeiro e iniciavam o plantio do que seria em breve sua primeira safra!

Essa fase foi de prosperidade lenta, porém continua para a família a olhos vistos! A nota triste neste período foi a morte do avô.

Nessa vida tranquila e de trabalho ninguém imaginaria a tormenta, pior ainda, o tsunami que se aproximava! Na véspera da explosão Nakajima sentiu seu coração triste e inquieto e lembrou que seu pai teve a mesma sensação no caso de Hiroshima, mas não comentou nada com Isao.

Mas, o filho Kenzo e sua esposa tinham ido para ao CEASA em São Paulo vender seus produtos. Seu coração ficou logo invadido de angústia e desespero!

No dia seguinte aconteceu a tragédia que surpreendeu o jovem Isao em plena colheita, e Nakajima sentiu que desta vez a explosão foi pior que a de Hiroshima, mas conseguiu proteger-se num velho poço seco onde ficou esperando a onda passar. Esperou diminuir o calor e depois saiu do poço a procura do filho. Foi encontra-lo caído com as costas seriamente afetadas pela onda. Correu a buscar folhas de plantas, mas elas e as arvores estavam calcificadas. Com um pedaço de sua túnica improvisou panos molhados e os colocou nas costas do filho que mal respirava.

Nakajima sabia que a dor era alucinante e ficou um bom tempo trocando os panos para baixar a temperatura do corpo, não havia outra coisa a fazer. Com paciência continuou e percebeu que a roupa de Isao tinha se impregnado na pele. Após muito tempo neste esforço aceitou a dor de sua morte!    Cobriu o corpo do filho com terra e ficou em silêncio imóvel. Depois correu a procura de Kenzo e Keiko. Ainda acreditava na proteção divina e era seu dever procurá-los. Partiu em direção do “cogumelo” que ainda persistia no horizonte como uma ameaça mortal pairando sobre a cidade.

Caminhou durante dois dias só bebendo água, sentiu o cansaço e entrou num prédio onde havia grande o alvoroço, o lugar está cheio de vítimas da bomba que choravam de dor, os urros eram de ferir os sentimentos dos mais insensíveis e os gritos lembravam-lhe as narrativas do pai:

Nunca vou esquecer esse terrível momento. Por volta das oito da manhã houve um estrondo e um brilho maior que cem sóis e fui arremessado ao chão, as dores terríveis! As ruas estavam quentes e queimavam os pés, os incêndios se multiplicavam a cada instante acabando com as casas, apenas alguns edifícios resistiam! As pessoas corriam descontroladas e muitas já estavam mortas, mas o que mais angustiava eram os gritos lancinantes dos feridos de peles queimadas caindo dos braços e das pernas, membros mutilados e rostos ensanguentados. Era o inferno!

Uma senhora com o avental sujo e surrado dava orientações para as poucas pessoas que atendiam quase cinquenta feridos. O lugar era uma loucura só, com voluntários correndo de um lado a outro para atender os pacientes.

Nakajima sentou e, desnorteadamente, esperou. Dona Madalena numa de suas corridas reparou nele, no seu modo de vestir e no seu aspecto.  Deteve-se, e lhe perguntou quem era.  Ele respondeu que sentou porque estava cansado e que ela era a primeira pessoa com quem falava desde que saiu de Mogi das Cruzes, estava indo para São Paulo precisava encontrar o filho e esposa. Ela lhe disse que a cidade foi o alvo da bomba e estava toda destruída, quase todos morreram e os que não, estavam muito graves ou morreriam nos próximos dias. Os poucos sobreviventes estavam nos túneis do metrô, em construções robustas de concreto. Não havia comunicações e os problemas urgentes eram: água, alimentos e remédios.

Ele contou que nasceu em Hiroshima e que tem experiência no atendimento de pessoas com queimaduras de origem nuclear. Diz que tinha 68 anos, embora ela achasse que era mais jovem. E, antes que ela continuasse o homem lhe disse que gostaria colaborar com ela, que se sentia vigoroso. Ela ficou feliz, estavam mesmo precisando de braços e toda ajuda seria bem vinda. Nakajima, apesar de cansado, queria começar a trabalhar de imediato. Ela se apresentou e lhe dizendo que era especialista no tratamento de feridos e queimados por bombardeios. 

Enquanto Dona Madalena vai receber novos pacientes, enquanto Nakajima percorre todos os feridos silenciosamente, os examina por curtos períodos e continua sua ronda, Dona Madalena o observava: O que achou dos pacientes? Ela quis saber.

Calmamente Nakajima diz: a maior parte deles já entrou em recuperação, mas vão apresentar efeitos tardios da radiação. Dois deles me preocupam e nos próximos dias podemos perdê-los, a radioatividade é alta neles.

Dona Madalena disse para uma voluntária que seria urgente conseguir remédios e alimentos: Temos apenas dois sacos de farinha, um pouco de óleo e seis dúzias de garrafas de agua, com muito cuidado dará apenas para uma ou duas semanas! – disse.

Dois voluntários partiram em busca de alimentos e remédios, eles não estavam otimistas, mas dona Madalena estava com uma cautelosa esperança.
Nakajima estava em silêncio, mas subitamente disse:

— A vida na superfície foi seriamente comprometida, morreram homens, animais e plantas, mas a natureza é forte e tem seus recursos, mesmo com a radiação deve ter preservado alguma forma de vida subterrânea, não acha dona Madalena?

— Não sei Nakajima, só se forem roedores!

— Estava pensando justamente nisso! Respondeu ele.

No dia seguinte Nakajima tinha desaparecido sem avisar ninguém. Dona Madalena estranhou, pois achava que não era do feitio dele. “Paciência!” -  ponderou ela.

Três dias depois e para surpresa de todos, Nakajima reapareceu trazendo uma boa quantidade de roedores já devidamente limpos com os quais poderiam  preparar grande sopa com cogumelos.

Mas, a notícia mais importante que Nakajima trazia era o contato que estabeleceu com um grupo bastante numeroso, que tinha saído de São Paulo e era liderado por uma senhora que chamavam de Miranda Jones.

E onde estão eles?  Perguntou Madalena.

— Perto de um morro de nome Sibu a meio dia de caminho daqui. No grupo há gentes de diferentes idades, muitas crianças de colo, há também pessoas com diferentes qualificações.

— Que acha que devemos fazer? Perguntou Dona Madalena.

— Acho que o mais sensato é juntar-se a eles -  ponderou Nakajima.

Os voluntários também concordaram, mas o problema era como levar os feridos?

— As pessoas do Sibu parece são em grande número e em boas condições físicas, eles poderiam ajudar a levar aos poucos os pacientes - disse Dona Madalena.

No dia seguinte Nakajima e Dona Madalena partiram para conversar com Miranda Jones. Foram bem recebidos embora não faltassem receios mal dissimulados e vozes discordantes. Após uma hora de conversa as duas mulheres concordaram em integrar os dois grupos. A solidariedade seria a melhor forma de garantir a sobrevivência de todos!

Dona Miranda Jones “viu” que Madalena e Nakajima poderiam liderar o atendimento dos feridos e nas questões de alimentação. Em poucos dias os feridos de Dona Madalena estavam integrados ao grupo maior e a esperança renascia para todos!

Nakajima se isolou durante algumas horas e rezou por seus filhos e sua adorada Keiko, seu coração tinha lhe dito que eles já não eram deste mundo! Voltou para o grupo em paz se lembrando: A paz vem de dentro de você mesmo. Não procure a sua volta. (1)


(1)BUDA

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